Acórdão nº 370/09.5YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2009

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução14 de Julho de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - A responsabilidade civil pré-contratual (art. 227.º do CC) subjectiva exige os seguintes pressupostos: 1) um facto voluntário, positivo ou omissivo do agente; 2) a ilicitude; 3) a culpa; 4) o dano; 5) e o nexo de causalidade entre o facto e dano.

II - Esta responsabilidade civil pré-contratual abrange os danos culposamente causados à contraparte, tanto na fase negociatória ou preliminar, como na fase decisória, abrangendo esta, por conseguinte, a fase da redacção final das cláusulas do contrato. No seu conceito estão englobadas quer as hipóteses de negócio inválido e ineficaz, quer aquelas em que se haja estipulado um negócio válido e eficaz, mas surgem no seu processo formativo danos a reparar.

III - Provando-se que o A. entregou ao R. (a solicitação deste e “por conta do acordo que iria ser futuramente concretizado entre ambos”) a quantia de 10.000 contos, como entrada ou primeiro pagamento da quantia de 40.000 contos, que admitiu pagar ao R. para adquirir 40 % das quotas sociais numa determinada sociedade por quotas, caso o seu advogado lhe desse parecer favorável a essa aquisição, depois de analisar as contas e documentação da dita sociedade que o R. lhe iria fornecer, é de concluir que não se está perante qualquer contrato de mútuo, nulo por falta de forma.

IV - A obrigação de restituir, fundada no injusto locupletamento à custa alheia, exige que alguém tenha obtido uma vantagem de carácter patrimonial sem causa que a justifique e que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.

V - Resultando dos autos que o A. veio posteriormente a decidir não fazer a aquisição proposta, por ausência de elementos credíveis sobre a firma, verificam-se, assim, não só os requisitos gerais do enriquecimento sem causa, como os requisitos necessários, para a repetição do indevido (arts. 473.º, n.º 2, e 476.º do CC), por se estar perante a realização de uma prestação, com intenção de cumprir uma obrigação, sem existir a obrigação subjacente.

VI - A obrigação de restituição encontra-se submetida a um duplo limite: o do enriquecimento e do empobrecimento. Em primeiro lugar, o beneficiado deve apenas restituir aquilo com que efectivamente se acha enriquecido, deve restituir na medida do respectivo locupletamento, isto é, atendendo-se ao seu enriquecimento patrimonial ou efectivo e actual, correspondente à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada. Em segundo lugar, o objecto da obrigação de restituir deve compreender tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido; este não pode receber mais do que a valorização do património do enriquecido, nem mais do que a desvalorização sofrida no seu património.

VII - Assim, o R. está obrigado a restituir a quantia de 10.000 contos ao A., com base no pagamento indevido, que constitui um caso particular da figura geral do enriquecimento sem causa, visto que adquiriu sem causa a dita quantia à custa do A..

VIII - Não tendo o R. restituído ao A. a dita quantia de 10.000 contos, logo que este lha solicitou, e no prazo que lhe foi fixado, caiu em mora e tornou-se responsável por todos os prejuízos causados ao A. (arts. 804.º e 805.º, n.º 1, do CC). E porque se trata de obrigações pecuniárias tal indemnização corresponde aos juros de mora, à taxa legal, a contar do dia da constituição em mora, art. 806.º, do CC, desde a data da propositura da presente acção em que o R. foi condenado, até integral pagamento.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA, intentou, nos Juízos Cíveis do Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de Cascais, acção declarativa de condenação, com processo comum sob a forma ordinária contra BB, na qual pede a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 49.879,79 e juros, valor que lhe emprestou e que o mesmo não devolveu.

Para tanto alega, em síntese: O Réu colocou ao A. a hipótese de este participar e financiar a actividade comercial que aquele desenvolvia através da sociedade familiar V... M... de A...

– T..., L.da. E fez crer ao A. que a empresa era muito valiosa, de tal modo que o montante a investir de 40.000 contos corresponderia a uma percentagem de 40 % do seu valor. Com esta conduta induziu este a entregar-lhe a quantia de 10.000 contos, por conta do futuro acordo que iria ser concretizado entre ambos, com vista à injecção de 40.000 contos naquela sociedade e aquisição de 40 % do seu valor. Todavia, os elementos contabilísticos que o BB lhe enviou posteriormente mostravam que a sociedade estava numa situação deficitária e com a valorização empolada de activos imateriais. Foi, assim, por erro, que o A. entregou os 10.000 contos ao R., causando-lhe este, por esta forma, um prejuízo patrimonial de 10.000 contos.

Regularmente citado, o réu veio contestar e reconvir, pedindo a condenação do autor a outorgar escritura de cessão de quota da sociedade V... M... de A... T..., L.da, ou a pagar-lhe quantia, a liquidar posteriormente, pelos prejuízos advindos da não celebração do negócio.

Invoca a ilegitimidade passiva, porquanto o dinheiro em questão se destinou à entrada do autor como sócio da sociedade referida e, impugnando, alega que o autor pretendia entrar como sócio de tal sociedade, motivo pelo qual adiantou a quantia em questão, tendo mesmo começado a agir como sócio de tal sociedade e, não tendo, posteriormente, concretizado tal intuito, por decisão sua.

O autor respondeu, pugnando pela improcedência da excepção e da reconvenção e sustentando o já alegado.

Realizou-se audiência preliminar, na qual se procurou infrutífera tentativa de conciliação.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção invocada, que transitou em julgado, e elaborada base instrutória, que não sofreu reclamação.

Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova produzida em audiência, tendo-se fixado a matéria de facto provada, como dos autos consta, tendo sido formulada uma reclamação que foi atendida.

Seguiu-se a prolação de sentença que julgou a acção procedente por provada e, consequentemente, condenou o réu a pagar ao autor a quantia de € 49.879,79 (quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros à taxa legal, desde a data de propositura da acção e até integral pagamento.

Foi ainda julgado improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo o autor, com custas pelo réu.

Inconformado com tal decisão dela veio apelar o Réu, mas a Relação veio a confirmar a decisão da 1.ª instância.

De novo inconformado, recorre o Réu, ora de revista, para este tribunal, recurso que foi admitido.

O recorrente apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: a) É pacificamente aceite e entendido, quer pela Doutrina, quer pela Lei, quer, ainda, pela Jurisprudência que o Recurso traduzse num meio de impugnação processual que tem por fim sujeitar uma decisão judicial a uma nova apreciação jurisdicional; b) É inequívoco que uma decisão judicial pode-se encontrar eivada de vícios, como o Mau procedimento, error in procedendo, violação de regras processuais, Má decisão, vício do conteúdo da própria decisão, Má apreciação da realidade, Má aplicação do direito e error in judicando, podendo, os mesmos, serem alvo de apreciação pelo Douto Tribunal do 2º grau de jurisdição; c) Sem prescindir, a Douta Sentença e posterior Acórdão, não deu, igualmente, cabal cumprimento ao estatuído no n.º 1 do art.º 659.º do Cód. de Proc. Civil, ao não identificar correctamente o objecto do litígio, ao identificar o peticionado pelo A. adveniente de um empréstimo.

d) A ser correcto e face a toda a matéria dada como provada, em que, em momento algum, é sequer alegado qualquer empréstimo, outra decisão não poderia ser proferida que não fosse a de absolvição da instância do R e condenação do A no peticionado pelo R, pelo que não pode o exponente conformar-se com o teor da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, a qual expressamente admite a existência de erro na identificação do litígio que, de forma expressa, coloca em causa todo o remanescente na mesma; e) A que empréstimo se refere o Douto Tribunal? f) O que ocorreu foram simplesmente negociações para a cedência de quotas de uma sociedade, g) Entregas de verbas de livre e espontânea vontade do A ao R, sem exigência do que quer que seja, mas com causa justificativa; h) E uma quebra abrupta do negócio por vontade do A; i) Ora a decisão que ora se quer em crise, face ao supra exposto, enferma de uma contradição entre o Relatório, fundamentação e decisão da Douta Sentença, reproduzidas em sede de Acórdão, ora recorrido, e que se quer em crise e que ora se invoca, chamando para os Autos um empréstimo de todo em todo desconhecido; j) O que ocorreu foi uma mera promessa de contratar incumprida…pelo A, mas com pagamento de verbas…a título de sinal para aquisição de quotas e não para empréstimo pessoal, aliás, não alegado nem constante da matéria dada como provada; k) Na verdade, e ao invés do que se encontra expresso no Acórdão ora recorrido, ocorreu uma verdadeira promessa de contratar (embora verbal), a qual nunca...

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