Acórdão nº 52/07.2PEPDL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2009

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução07 de Julho de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO O RECURSO Sumário : I - A razão de ser da agravação por via da al. h) do art. 24.º do DL 15/93, por efeito da conduta integrante haver tido lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta. Os estabelecimentos prisionais face aos inevitáveis problemas e questões que a clausura gera, estados de depressão e inactividade dos reclusos, concentração e massificação das pessoas, conflitos pessoais, carências afectivas, sentimentos de frustração, perda de auto-estima, são particularmente propícios ao consumo de estupefacientes e, consequentemente, constituem um dos alvos prioritários dos traficantes.

II - Sendo essa a razão de ser daquela agravante modificativa, e não o desrespeito pela autoridade do Estado, a mesma só deverá funcionar perante comportamentos através dos quais se haja processado a difusão de substâncias estupefacientes pelos estabelecimentos prisionais ou, pelo menos, face a condutas potenciadoras desse perigo.

III -No caso de mera detenção, por parte de recluso, de pequenas quantidades de heroína e de canabis, sendo o arguido consumidor de substâncias estupefacientes, não se pode configurar a existência de difusão ou perigo de difusão da droga pelos reclusos, havendo que afastar a aplicabilidade da al. h) do art. 24.º do DL 15/93.

IV -O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.º do DL 15/93, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do art. 21.º do DL 15/93.

V - Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

VI -É pois a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade.

VII - Para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do art. 25.º do DL 15/93, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do art. 25.º do DL 15/93, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade justificativa do crime tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjuntamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contempladas no crime tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime tipo.

VIII - No caso concreto, face à mera detenção dos estupefacientes, a pequena quantidade detida e o facto de o arguido ser consumidor, entende-se qualificar os factos como tráfico de menor gravidade.

IX -A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável.

X - Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

XI -Considerando que: - o arguido tem 29 anos de idade; - abandonou a escola com 16 anos, com o 9.º ano de escolaridade; - trabalhou como pedreiro, estabelecendo-se em oficina própria; - casou com 23 anos de idade; - em Setembro de 2005 separou-se em resultado da sua situação de consumidor de substâncias estupefacientes; - tem uma filha menor, que vive com a mãe; - à data dos factos era consumidor de estupefacientes; - já foi condenado por dez vezes, fixa-se a pena em 3 anos e 6 meses de prisão.

XII - São considerações de natureza exclusivamente preventiva, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.

XIII - Quanto à função e ao papel a desempenhar por aquelas exigências preventivas, há que atribuir prevalência às considerações de prevenção especial, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. Desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam irremediavelmente postas em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.

XIV -Atento o passado criminal do arguido, com dez condenações, algumas sancionadas com pena privativa da liberdade, é evidente a necessidade daquele cumprir em clausura a pena cominada de 3 anos e 6 meses de prisão.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 52/07.2PEPDL, do 3º Juízo da comarca de Ponta Delgada, AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos e 10 meses de prisão.

O arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor a parte conclusiva da motivação apresentada: 1. O arguido foi condenado a uma pena de prisão efectiva de 5 anos e 10 meses de prisão como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes nos termos do artigo 21º, e alínea h) do n.º 1 do artigo 24º do DL 15/93, de 22 de Janeiro.

  1. O arguido foi detido com 17,911 gramas de canabis e 2,314 gramas de heroína.

    Quantidade que é diminuta.

  2. Para além disso, resultou como provado o facto de o arguido ser consumidor de estupefacientes e como facto não provado que “o arguido (se) dedicava, de forma esporádica, à venda e cedência daquelas substâncias estupefacientes”.

  3. E bem se sabe que um consumidor de estupefacientes necessita, de obter produto para fazer face à sua dependência, pelo que espanto não será que detenha em sua posse quantidades que lhe permitam sustentar o vício.

  4. Quanto à circunstância em que os factos aconteceram cabe dizer que seria, no mínimo, redundante considerar só porque o arguido tinha, no mesmo dia dos factos, sido presencialmente notificado, em Tribunal, de uma sentença que o condenou numa pena de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, como autor de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, seria abarcado por um sentimento de pudor que lhe permitisse travar os ímpetos de arranjar mais substâncias estupefacientes para seu consumo.

  5. Não deve, por isso, ser considerado um facto ponderador a circunstância na qual a sua detenção se verificou nem os acontecimentos que a antecederam.

  6. Mais, o artigo 24º implica uma agravação da pena.

  7. O artigo 24º não é, por si só, um preceito que qualifique o crime, ele somente implica a existência de circunstâncias modificativas agravantes que comprometem a medida concreta da pena a ser aplicável.

  8. Nunca pode ser considerado como definição do tipo que serve de modelador da...

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