Acórdão nº 05762/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBENJAMIM BARBOSA
Data da Resolução04 de Março de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

2 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: I – Relatório A Ordem dos Advogados (OA), inconformada com a sentença que em procedimento cautelar contra si intentado por E……..

, advogado, considerou procedente o pedido de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação da 1a Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 5 de Setembro de 2008, na parte em que determinou instaurar procedimento disciplinar contra o recorrido, por violação dos deveres consagrados nos art.os 83.°, 86.° n.° 1, al. a), 90.° e 107.° n.° 1, al. a), do EOA, veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações conclui como segue: a) - Ancorada na factualidade dada como assente e, em especial, na circunstância de ter ficado dado como provado que (i) "o requerente, desde que foi notificado da decisão descrita (...) e em consequência do seu teor, vive um quadro depressivo e, não obstante se encontrar a tomar vários medicamentos para combater tal estado, corre o perigo de entrar em depressão''' e que (ii) "em consequência do estado depressivo em que vive, o requerente sente-se desmotivado para prosseguir a sua actividade normal", considerou a MM Juiz do Tribunal a quo que se mostra verificada a existência de um fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação (risco de o Requerente entrar em depressão).

  1. - Salvo o devido respeito, não assiste razão à MM Juiz a quo, tendo a douta sentença recorrida incorrido no precipitada e errada interpretação e aplicação do disposto no art. 120/2 alínea b) e 3 do CPTA, nos termos que adiante melhor se enunciarão.

  2. - Conforme bem resulta da douta sentença recorrida, no caso em apreço não se verifica um fundado receio de constituição de facto consumado, "(...) pois embora se encontre provado que foi determinada pela entidade requerida a instauração de processo disciplinar contra o requerente, a verdade é que, caso este obtenha provimento no processo principal, é possível reconstituir a situação que existiria se a decisão de 5.9.2008, da 1a Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados (...) não tivesse sido proferida".

  3. - Já relativamente ao fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, considerou a douta sentença recorrida que o mesmo se verificaria, porquanto deu como assente que, face aos factos dados como provados, existe "(...) o risco sério de que a execução do acto suspendendo agrave o estado depressivo em que o requerente se encontra, isto é, de o mesmo entrar em depressão".

  4. - Salvo o devido respeito, não assiste razão à douta sentença recorrida, tendo esta procedido a uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 120/1 alínea b) do CPTA.

    í) - Cumpre, antes de mais, fazer ressaltar que a douta sentença recorrida incorre em contradição nos seus próprios termos, ao afirmar que "provocando a abertura do processo disciplinar um quadro depressivo, o desenvolvimento desse processo disciplinar aprofunda esse quadro depressivo, o que in casu significa entrar em depressão".

    Com efeito, não poderá, por impossibilidade lógica, considerar-se que a execução do acto suspendendo agrava o estado depressivo em que o recorrido se encontra e, em simultâneo, considerar-se que existe o risco de o mesmo entrar em depressão.

  5. - Ora, se se entende que o Recorrido apresenta um quadro depressivo desde o momento em que foi notificado da prolação do acórdão suspendendo, imperioso se torna concluir que já se produziram os danos invocados, não sendo os mesmos remediáveis com a sustação do procedimento disciplinar.

  6. - De todo o modo, sempre se dirá que não se mostra devidamente concretizado em termos de causalidade adequada, de que forma a mera execução do acto suspendendo e consequentemente o desenvolvimento do processo disciplinar, poderá aprofundar o quadro depressivo do recorrido, "(...) o que in casu significa entrar em depressão ".

  7. - Com efeito, o mero desenvolvimento do processo disciplinar não acarreta para o recorrido qualquer estigma, pois que o mesmo se presume inocente até decisão final, sendo que, até ao despacho de acusação, o processo é de natureza secreta (cfr. art. 120° do E.O.A.).

    Pelo contrário o que é estigmatizante para o recorrente é precisamente a situação inversa. É ter contra si uma participação disciplinar e os órgãos próprios da agora recorrente não poderem colocar um ponto final ao procedimento disciplinar.

  8. - A que acresce que, tal como se adianta na douta sentença posta em crise, "(...) o deferimento da providência não significa que o Conselho Superior da Ordem dos Advogados não deveria ter instaurado processo disciplinar ao requerente ".

  9. - Se assim é, mal se compreende como pôde a douta sentença ter concluído que o prosseguimento do procedimento disciplinar acarreta o agravamento do estado depressivo do Recorrido, quando é certo que a sua sustação não logra obter qualquer efeito "tranquilizador" para o Recorrido, uma vez que não significa que não lhe deveria ter sido instaurado qualquer processo disciplinar.

    1) Daí que, contrariamente ao defendido pela douta sentença recorrida, a reputada desmotivação para prosseguir a sua actividade normal na sequência do quadro depressivo em que o Requerente actualmente vive não assume um grau de intensidade e objectividade tal, susceptível de integrar o requisito de periculum in mora.

  10. Na verdade, a ora Recorrente limitou-se, nos termos previstos no E.O.A., a determinar a abertura de um procedimento disciplinar contra o Recorrido, por forma a aferir se este incorreu na prática de alguma infracção disciplinar, sendo que, tal decisão, como é bom de ver, não implicou a dedução de uma acusação ou muito menos a aplicação de qualquer pena, nem tão pouco estigmatizou o recorrido, o qual continua a presumir-se inocente até que seja proferida decisão final. Aliás, é a própria sentença recorrida que afirma que, face aos argumentos avançados pela Recorrente no sentido da improcedência dos vícios invocados pelo Recorrido, as razões invocadas por este último "(...) não são muito convincentes (...) ".

  11. Por último, não poderá deixar de se referir que, contrariamente ao afirmado pela douta sentença recorrida, de forma absolutamente conclusiva e desprovida de qualquer fundamentação, nenhuma dúvida pode haver acerca da simplicidade em quantificar-se a favor do recorrido uma indemnização pelas afecções decorrentes do prosseguimento do processo disciplinar (isto na hipótese de o acto suspendendo vir a ser anulado).

  12. Pelo que, em face do supra exposto, não poderá deixar de se concluir que os prejuízos em que o requerente funda a presente providência conservatória são facilmente reparáveis - independentemente de merecerem, ou não, ser reparados - não se mostrando, desta forma, preenchido o requisito do periculum in mora constante do art. 120°, n.° 1, alínea b) do CPTA.

  13. Mas ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a douta sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 120°, n.° 2 do CPTA.

  14. No presente caso, o Tribunal recorrido considerou que a concessão da providência provocará danos ao interesse público prosseguido pela Recorrente que não se afiguram superiores àqueles que resultariam da sua recusa (risco do recorrido entrar em depressão).

  15. Salvo o devido respeito, não poderá deixar de se discordar com tal ponderação/juízo de prognose efectuado pelo Tribunal a quo.

  16. Com o deferimento da presente providência cautelar, fica a Recorrente impedida de prosseguir essa relevante função de prossecução do interesse público, deixando de poder apurar se existe alguma razão para o recorrido não deter as características de honorabilidade, honestidade e integridade entendidas como deveres profissionais.

  17. Já o interesse privado invocado pelo recorrido é o de não ver prosseguir o procedimento disciplinar cuja instauração foi decretada pelo acórdão suspendendo, sob pena de "entrar em depressão".

  18. Sucede que, como acima se referiu, a douta sentença recorrida concluiu (e bem) que "(...) o deferimento da providência não significa que o Conselho Superior da Ordem dos Advogados não deveria ter instaurado processo disciplinar ao requerente ", donde resulta que, ao invés do pretendido pelo Recorrido, a suspensão dos efeitos do acórdão suspendendo não lhe irá trazer qualquer "tranquilidade". Efectivamente, tal "tranquilidade" apenas se verificará com a prolação de decisão final no procedimento disciplinar de arquivamento ou de absolvição.

  19. Donde resulta que, no caso concreto, o interesse público é notoriamente compaginável ao interesse privado, já que se manterá em qualquer caso a existência de uma participação disciplinar, apenas se encontrando suspensa a tramitação do procedimento disciplinar.

  20. Ou seja, ainda que se admita que a abertura de um processo disciplinar constitui um escolho para o recorrido, certamente que não será maior do que a própria participação disciplinar que contra si foi dirigida e muito menos será maior do que a possibilidade de defender-se da mesma e ver (eventualmente) declarado, por entidade isenta, o seu...

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