Acórdão nº 01844/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Fevereiro de 2010

Data23 Fevereiro 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_02

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: A. O Relatório.

  1. A...Ibérica Portugal, Unipessoal, Lda, pessoa colectiva n.º 507.951.697, sucessora da sociedade A...Ibérica, SA – Sucursal em Portugal, pessoa colectiva n.º 980.030.870, identificada nos autos, veio deduzir a presente acção administrativa especial contra o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, tendo em vista obter a anulação do seu despacho de 29/01/2007, n.º 17829/2005 (2.ª Série), publicado no Diário da República n.º 159, de 19.08.2005, de que foi notificada em 13.02.2007, que lhe indeferiu o pedido de dedução de prejuízos fiscais por si apresentado, e a entidade demandada condenada na prática do acto que defira o pedido de dedução de prejuízos formulado em 28.04.2006.

    Citada a entidade demandada veio a mesma contestar a fls. 382 e segs e juntar o processo instrutor apenso.

    O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por a acção ser julgada improcedente e mantido o despacho em crise na ordem jurídica, por o despacho recorrido assentar na ausência de razões económicas válidas para a fusão as quais não são sindicáveis pelo tribunal, salvo a existência de erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, que no caso se não vislumbra, citando jurisprudência do STA que no mesmo sentido tem decidido.

    Pelo relator foi proferido o despacho saneador de fls 402 dos autos, onde se pronunciou pela inexistência de questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo e pela desnecessidade da produção de quaisquer provas, tendo as partes sido notificadas para alegarem por escrito, cujas conclusões na íntegra se reproduzem: Da autora: 1ª O fundamento do indeferimento da requerida transmissibilidade de prejuízos da incorporada A...A... Sucursal para a incorporante A...Ibérica Sucursal não reside na existência ou não de razões económicas válidas - o que não chegou a ser apreciado no despacho do SEAF ora impugnado - mas sim no facto de a A...A... Sucursal apresentar, no exercício anterior (2005) à data da operação de fusão (1 de Janeiro de 2006), "um património negativo".

    1. De acordo com o despacho de indeferimento do SEAF "ainda que se pudesse entender que a integração da A...A... foi ditada por razões económicas válidas, o plano de dedução dos prejuízos fiscais não permite a dedução dos prejuízos fiscais apurados por esta sociedade, por inaplicabilidade do disposto na alínea c) do n.º 1 da Circular n.º 7/2005, de 16 de Maio, ou seja, sendo o património negativo, a sucursal não contribui para a obtenção dos lucros futuros que a sucursal incorporante venha a obter".

    2. A Administração Fiscal conclui no despacho impugnado que, mesmo que existissem razões económicas válidas, ainda assim, apesar das razões económicas válidas, seria indeferida a requerida transmissão dos prejuízos fiscais, porque o plano de dedução dos prejuízos fiscais, de acordo com o critério da alínea c) do n.º 1 da referida Circular n.º 7/2005, não permitiria a dedução dos prejuízos fiscais apurados pela sucursal incorporada.

    3. Resulta assim inequívoco que a condição criada pela Administração Fiscal para autorizar a transmissibilidade de prejuízos - consistente em a sociedade/sucursal incorporada ter um património positivo, e que serviu de fundamento ao indeferimento impugnado - é ilegal, não só porque o legislador não previu tal condição, nem no nº 2 do art. 69° do CIRC, nem em qualquer outro preceito legal, como inclusivamente a aplicação de tal condição, ilegalmente criada pela Administração Fiscal, pode redundar numa clara postergação dos critérios, esses sim, legalmente previstos no mencionado nº2 do art. 69° do CIRC.

    4. Como tal, porque violador do princípio da legalidade da actuação administrativa, o acto administrativo de indeferimento impugnado é anulável nos termos do artigo 135.º do CPA.

    5. Não estamos no âmbito do exercício de qualquer poder discricionário por parte da Administração, nem mesmo de discricionariedade técnica no preenchimento dos conceitos indeterminados "razões económicas válidas" e "inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva", que esteja subtraído à apreciação do poder judicial. Estamos sim perante um indeferimento com fundamento numa condição ilegal, que é portanto plenamente sindicável por este Tribunal.

    6. Admitir que o art. 55° do CPPT, que possibilita à Administração Fiscal emitir orientações genéricas, atribui à Administração, por esta via, a faculdade de restringir o âmbito de uma norma legal, violaria o artigo 112.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, pelo que qualquer interpretação neste sentido deverá ser afastada uma vez que é desconforme à Constituição.

    7. O modo como será feita a dedução dos prejuízos, determinado pela Administração nos termos já do nº4 do art. 69° do CIRC, nunca poderá ser usado para eliminar o direito que o legislador tenha reconhecido ao abrigo do nº2 do mesmo art. 69° CIRC.

    8. Não pode inviabilizar-se a transmissão dos prejuízos pelo facto de não ser possível a aplicação do critério definido pela circular nº 7/2005, sob pena de manifesta violação do Princípio da Legalidade, consagrado no art. 3° do CPA e art. 266° nº2 da CRP.

    9. Mesmo que se entenda, no que não se concede, que o despacho impugnado se situa no âmbito do preenchimento dos conceitos indeterminados previstos no nº2 do art. 69° do CIRC, o conceito indeterminado "razões económicas válidas" é um conceito técnico do ramo das ciências económicas, passível de preenchimento pelo intérprete mediante os critérios técnicos dessa mesma ciência, pelo que o mesmo não encerra uma margem de livre apreciação da Administração, devendo ser interpretado no mesmo sentido que tem no âmbito das ciências económicas.

    10. Não estando em causa a margem de livre apreciação da Administração, mas apenas um normal juízo interpretativo que apela a conhecimentos técnicos, o Tribunal não se encontra no caso sub iudice impedido de sindicar o juízo da Administração Fiscal, mesmo que se entenda que estamos no âmbito do preenchimento dos conceitos indeterminados previstos no nº2 do art. 69° do CIRC.

    11. E mesmo que se considerasse existir uma margem de livre apreciação na definição dos referidos conceitos indeterminados, nunca poderia a mesma justificar que a Administração viesse criar, ex novo, um requisito para a transmissibilidade dos prejuízos fiscais, como o fez a Administração no despacho impugnado, pelo que sempre se deve considerar que o acto administrativo em causa violou o princípio da legalidade.

    12. Acresce que o entendimento de que, sempre que a sociedade incorporada tenha um património negativo, não existirão resultados positivos para a estrutura produtiva decorrentes da fusão, consubstancia um erro grosseiro, configurando um critério ostensivamente desadequado, pelo que a decisão impugnada, porque lavrou em erro grosseiro, é ilegal, devendo ser anulada por V. Exas.

    13. E assim é, em primeiro lugar, porque o critério que o legislador estabeleceu no art. 69° nº2 do CIRC não foi o de que a fusão tenha de ter como efeito um contributo positivo para os resultados futuros da sociedade incorporante (como entende a Administração Fiscal), mas sim o de que a fusão tem de ter efeitos positivos na estrutura produtiva.

    14. Como tal, o que há que comparar não é o resultado da sociedade incorporante antes e depois da fusão, mas sim o resultado que o conjunto das duas sociedades incorporada e incorporante teriam sem e com a realização da fusão, sendo irrelevante se os efeitos positivos na estrutura produtiva são mais evidentes na sociedade incorporante ou na incorporada.

    15. E em segundo lugar, porque a existência de um património negativo pode ser meramente conjuntural/temporária e não determinar, forçosamente, de per si, que a empresa detentora do mesmo não tenha hipóteses de vir a obter ou contribuir para a obtenção de resultados positivos futuros.

    16. O pressuposto em apreço, para além de não ser verdadeiro em tese geral, não é inclusivamente aplicável no caso sub judice, na medida em que, independentemente de a A...A... Sucursal apresentar um património negativo à data da fusão, o seu negócio veio efectivamente contribuir para os lucros apurados pela A...Ibérica Sucursal/A...Portugal posteriormente àquela operação, tendo as previsões juntas com o procedimento administrativo vindo efectivamente a concretizar-se para os exercícios de 2006 a 2008, pelo que a decisão da Administração se revela totalmente desadequada.

    17. Efectivamente, constata-se que o volume de vendas associado ao segmento de negócio da A...A... Sucursal contribuiu, em todos os exercícios em análise, em mais de 20% para o volume total das vendas da A...Ibérica Sucursal/A...Portugal. Ao que acresce o facto de o lucro tributável apurado pela A...Ibérica Sucursal/A...Portugal, nos exercícios de 2006, 2007 e 2008, resultar, na sua maior parte, do segmento de negócio anteriormente desenvolvido pela A...A... Sucursal.

    18. Assim, caso a A...A... Sucursal tivesse permanecido a actuar isoladamente, a mesma teria gerado resultados positivos e, por consequência, lucros tributáveis relevantes na sua esfera, pelo que teria tido capacidade para deduzir a totalidade dos seus prejuízos fiscais reportáveis, dos exercícios de 2004 e 2005, logo no exercício de 2006.

    19. Tendo a Administração Tributária invocado que a transmissão de um património negativo não poderá contribuir positivamente para os resultados futuros da sociedade incorporante, caberia à mesma Administração Tributária provar, no caso sub judice, os factos que integrariam o critério por si criado e que pretende aplicar ao caso concreto, nos termos do número 1 do artigo 74.º da LGT, o que manifestamente não fez.

    20. E a persistirem dúvidas quanto ao efectivo contributo positivo da fusão para os lucros futuros da sucursal incorporante e tendo esta última...

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