Acórdão nº 01107/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório A…, SA; B… S.A. e C… S.A. recorrem para este Supremo Tribunal Administrativo de um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que confirmou a sentença do TAF de Ponta Delgada, pela qual foi julgada improcedente a acção por eles intentada contra D… SA e OUTROS.

Terminou as alegações com as seguintes conclusões (relativas ao mérito – sendo que as primeiras 8 conclusões reportavam-se à admissibilidade da revista).

“(…) 9. Da reiterada omissão de pronúncia quanto à alegação de vícios de violação de princípios gerais do Direito Administrativo decorre autêntica denegação de justiça material às ora Recorrentes, porquanto a não ser admitido o presente recurso de revista (por mera hipótese de raciocínio), esgotar-se-ão as instâncias judiciais processualmente admissíveis sem que sejam apreciadas as gravíssimas ilegalidades dos actos impugnados.

  1. A ser sucessiva e reiteradamente omitida pronúncia sobre os vícios alegados verificar-se-á a violação do princípio constitucional da garantia da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 268.°, nº 4 do Texto Fundamental.

  2. Assim, o acórdão recorrido merece censura em duas vertentes: pelo erro de julgamento em que incorre quanto às matérias sobre as quais decidiu e por omissão de pronúncia quanto às demais questões controvertidas submetidas à sua apreciação, as quais entendeu estarem prejudicadas face à solução dada ao litígio.

  3. Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal “a quo”, as cláusulas 7.1.3 e 7.1.5 não têm natureza imperativa, por um lado porque a cláusula 7.1.13. do Caderno de Encargos prevê a possibilidade dos técnicos designados para o exercício das referidas funções serem substituídos, por outro lado porque a Entidade Recorrida não erigiu em critério ou subcritério de apreciação das propostas a adequação do quadro técnico proposto ou a experiência e qualificações evidenciadas pelos elementos que integram o mesmo.

  4. Também a cláusula 7.1.8 do Caderno de Encargos reflecte essa mesma flexibilidade ao determinar que, caso o responsável pelo Sistema de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho não se encontra afecto em regime de exclusividade à gestão desse sistema, o adjudicatário deve assegurar a permanência no estaleiro, durante o horário de trabalhador de um técnico com formação em segurança, higiene e saúde no trabalho com CAP.

  5. O acórdão recorrido peca, assim, por assentar no falacioso pressuposto da imperatividade de uma cláusula a que nem a Entidade Recorrida conferiu tal valor.

  6. O acórdão peca igualmente quando entende que as exigências de habilitações académicas e técnico-profissionais do pessoal a manter em obra respeitam ao modo de execução da empreitada e não à qualificação técnica do Concorrente.

  7. Estamos perante documentos relativos às habilitações literárias e profissionais dos responsáveis pela orientação da obra, exigíveis face à alínea 1) do número 1 do artigo 67º do RJEOP, destinada à qualificação dos Concorrentes - sendo certo que, de acordo com o disposto no artigo 98º do RJEOP, a avaliação da capacidade técnica dos concorrentes, está cometida à CAC, a qual se debruça sobre a valia técnica do concorrente face à obra posta a concurso.

  8. Também o Programa de Concurso Tipo, publicado pela Portaria n.º 104/2001 define na cláusula 15.7 que os certificados de habilitações literárias e profissionais dos quadros da empresa e dos responsáveis pela orientação da obra (cláusula 15.1 alínea e)) se destinam à avaliação da capacidade técnica.

  9. Igualmente a cláusula 19.4 alínea c) do referido Programa de Concurso Tipo estipula que para a avaliação da capacidade técnica dos concorrentes, deve ser tida em conta a adequação dos técnicos e os serviços técnicos, estejam ou não integrados na empresa, a afectar à obra.

  10. Face a tais disposições legais e à inexistente incidência da análise das propostas nos documentos assinalados - por ausência de critério ou subcritério de apreciação que os contemple - apenas se poderá concluir que, pese embora estes documentos tenham instruído a proposta, a sua análise teria de ser efectuada (como foi) pela CAC para efeitos de aferição da valia técnica dos Concorrentes face à obra posta a concurso.

  11. Assim, a situação erigida pela CAP como causa de exclusão (geólogo versus bacharel ou licenciado em engenharia) é na verdade subsumível ao art.º 98º do RJEOP e da competência da CAC, na qual se esgota.

  12. Tendo as Recorrentes sido consideradas "Aptas" pela CAC, na avaliação por esta efectuada ao abrigo do citado art.º 98º do RJEOP, não pode a CAP posteriormente decidir em sentido contrário, pois tal acto, constitutivo de direitos já havia sido notificado às Recorrentes e o prazo previsto no artigo 141º do CPA para revogação de actos inválidos já há muito se havia escoado, atentas as datas do Relatório de Qualificação dos Concorrentes (29 de Maio de 2006) e da lª Revisão ao Relatório de Apreciação das Propostas (8 de Outubro de 2006).

  13. Por sua vez, a competência da CAP é delimitada pelo artigo 100º do RJEOP e circunscreve-se à análise, comparação e graduação das propostas admitidas face aos critérios de apreciação estabelecidos no Programa de Concurso, o que, aliás, resulta, igualmente da cláusula 26 do Programa de Concurso, sendo-lhe vedado ter em consideração, directa ou indirectamente, a aptidão dos concorrentes já avaliada nos termos do art. 98.° do RJEOP.

  14. A Portaria n.° 104/2001 de 21 de Fevereiro aprovou o modelo de programa de concurso base, nos termos do disposto no art. 62.°, n.º 1 do RJEOP não contém qualquer disposição análoga à cláusula 26.3 do Programa de Concurso, nem teria de conter, atento o conteúdo do Programa de Concurso que é estabelecido no artigo 66.° do RJEOP.

  15. Assim, ao incluir a citada disposição no Programa de Concurso, a Entidade Recorrida dispôs para além do âmbito de regulamentação que a lei lhe concede e estabeleceu ex novo causas, aliás infinitas, de não admissão de propostas, contrariando o carácter injuntivo e taxativo das disposições legais atinentes às causas de não admissão das propostas, tipificadas no artigo 94º do RJEOP, assim violando frontalmente o princípio da legalidade a que está adstrita.

  16. Com efeito, a circunstância de uma proposta, em determinado aspecto, ser divergente relativamente às condições ínsitas no Caderno de Encargos não tem previsão no citado artigo 94.° do RJEOP.

  17. A cláusula 26.3 do Programa de Concurso (norma "em branco") constitui, pois, uma norma ilegal por falta de consagração legislativa na lei habilitante (Portaria 104/2001 e RJEOP) e por, além disso, exorbitar o disposto no artigo 94º do RJEOP e contrariar explicitamente a cláusula 13.3 do Programa de Concursos Tipo aprovado pela Portaria 104/2001. Tal vício inquina, consequentemente, a deliberação de exclusão da proposta das Recorrentes.

  18. Por outro lado, a ilegalidade da citada disposição concursal acarreta a incompetência da CAP para deliberar como deliberou e fere de invalidade a subsequente deliberação da Entidade Recorrida, ou seja, a exclusão da proposta apresentada pelas Recorrentes.

  19. Mesmo que se entendesse que a cláusula 26.3 do Programa de Concurso seria válida (o que apenas se admite para efeitos de raciocínio), a imposição da sanção de exclusão a situações de menor desconformidade com o Caderno de Encargos seria manifestamente desproporcionada e lesiva do princípio da prossecução do interesse público.

  20. A configuração de causas de exclusão demasiadamente genéricas ou abrangentes contraria claramente o princípio da tipificação das causas de exclusão e os princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica, da imparcialidade, da igualdade, da boa-fé, do favor do concurso e da prossecução do interesse público, sendo o primeiro passo para a consagração do livre arbítrio e do abuso de poder.

  21. A deliberação excludente da Entidade Recorrida que afasta aquela que foi considerada pela CAP como a proposta mais vantajosa, viola claramente o princípio da proporcionalidade face: - Ao prejuízo que causa ao interesse público; - Ao valor conferido pela mesma Entidade Recorrida por não erigir a observância dos requisitos relativos às habilitações literárias dos técnicos a afectar à obra como elementos a serem relevados pela CAP nas análises que lhes caberia efectuar; - À faculdade conferida por lei e pelo Caderno de Encargos ao Dono da Obra de impor ao adjudicatário a substituição dos técnicos por si indicados quando estes não lhe ofereçam garantias, o que torna a irregularidade assinalada à proposta das Recorrentes facilmente sanável.

  22. A exclusão da proposta das Recorrentes pela Entidade Recorrida consubstancia a consequência mais grave - e desnecessariamente penalizadora, desadequada e desproporcionada à finalidade última visada neste concurso - que é, sem dúvida, a prossecução do interesse público, face ao que consistiria, quanto muito, um erro no preenchimento de uma formalidade não essencial. Verifica-se, pois, clara violação do princípio da proporcionalidade da deliberação da Entidade Recorrida.

  23. A cláusula 26.3 do Programa de Concurso viola, ainda, o artigo 100º do RJEOP, que delimita as funções da CAP, na medida em que dá a aparência de lhe conceder o poder de apreciar as propostas com o fim de indagar se são susceptíveis de exclusão por violarem normas contidas no Caderno de Encargos e não com o fim estrito de as analisar, comparar e classificar à luz dos critérios e subcritérios de apreciação.

  24. E não se diga que a referida cláusula 26.3 do Programa de Concurso se encontra reflectida no artigo 66.°, n.° 2 do RJEOP - como o faz o acórdão recorrido - porquanto esta disposição legal se reporta à não admissão de propostas condicionadas nos casos em que o Programa de Concurso não as admita liminarmente.

  25. Ora, as Recorrentes não apresentaram qualquer proposta condicionada, mas apenas a sua proposta base.

  26. Em suma, a CAP extravasou completamente a sua esfera própria de actuação e propôs a exclusão das...

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