Acórdão nº 0379/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I.RELATÓRIO Proferido acórdão, a fls. 513-533, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 767.º do CPC (anterior redacção), a julgar verificada (parcialmente) a invocada oposição de julgados, nos termos ali apreciados, e que os autos deviam prosseguir seus termos, o Município de Santo Tirso produziu alegações que rematou com as seguintes CONCLUSÕES: “Deve ser fixada a jurisprudência no seguinte sentido: 1- Declarada a nulidade de um contrato verbal de empreitada de obras publicas, “o enriquecimento ilegítimo” decorrente da declaração de nulidade daquele contrato há-de ser apurado de acordo com os pressupostos constantes no art. 473º e ss do Código Civil e não do art. 289° do mesmo Código, por estar em causa a nulidade de um contrato administrativo.

2- Declarada a nulidade de um contrato verbal de empreitada de obras públicas não é possível a aplicação do art. 289°, n° 1 do CC, por ser impossível a restituição em espécie e o valor correspondente não estar determinado, porquanto aquilo que se peticionou nessa acção foi a contrapartida pelo serviço prestado que inclui, evidentemente, a margem de lucro, pelo que inexiste correspondência entre o pedido formulado nos autos e o valor correspondente a que alude aquele preceito, ou seja, o conceito de valor correspondente não engloba a margem de lucro e nem os juros.

3- Fixada a jurisprudência nesses sentidos, deve a douta decisão confirmada pelo STA ser alterada no sentido de ser julgado improcedente o pedido principal e, em relação ao pedido subsidiário (enriquecimento sem causa), julgar procedente a excepção de prescrição ou julgar procedente tal pedido apenas em relação ao Município da Trofa, pois é a pessoa (colectiva de direito publico) que passou a deter a jurisdição sobre o território onde as obras foram executadas (tal resulta da lei da criação do Município da Trofa”.

A recorrida A…, L.DA.

(autora da acção) contra-alegou, formulando as seguintes Conclusões: “I- A situação em apreço não é enquadrável no instituto de enriquecimento sem causa, porque não foi invocado em momento algum pela recorrida, II- antes partindo aquela sempre da validade dos contratos, sendo que a causa de pedir desenhada pela recorrida não permite a caracterização de tal figura.

III- Realidade diferente da versada no acórdão indicado pela recorrida, onde a apreciação do enriquecimento sem causa decorre desde logo da sua invocação, como facto que fundamenta o respectivo pedido IV- Os vários contratos de empreitada em causa nos autos são nulos por falta de forma, sendo de afastar o enriquecimento sem causa, uma vez que, como decorre da lei substantiva art. 474° do C. Civil), no domínio da nulidade do contrato e do seu regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado (art. 289°, n° 1 do C. Civil), está vedado o recurso aos princípios do instituto do enriquecimento sem causa, em função do carácter subsidiário deste.

V- A declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado. (art. 289° n° 1 do C.Civil) VI- Sendo que, nos contratos de execução continuada, como é o caso da empreitada, em que uma das partes beneficie do gozo de serviços cuja restituição em espécie não é possível, a nulidade não deve abranger as VII- prestações já efectuadas produzindo o contrato os seus efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.” O Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu o parecer seguinte: “1.

Suscitam-se-nos, salvo o devido respeito, dúvidas sobre a existência de oposição de julgado entre o douto acórdão recorrido e o douto acórdão fundamento deste STA, de 07/12/1999, rec 45000, relativamente à questão da aplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa.

Decidiu-se no acórdão recorrido que, como resulta do artº 185, n 3, b) do CPA, se aplica aos contratos em causa — contratos administrativos com objecto passível de contrato de direito privado - e não, como por manifesto lapso aí se escreveu, contrato de direito público, o regime de invalidade do negócio jurídico previsto na lei civil (art 289º do C.Civil).

E, consequentemente, considerando que a aplicabilidade daquele instituto tem carácter subsidiário (artº 474º do C.Civil), decidiu-se não ter cabimento a sua invocação quando haja lugar a restituição fundada em nulidade de negócio jurídico, como no caso em apreciação — cfr fls 337/338.

Por seu lado, o acórdão fundamento considerou estar em causa um contrato administrativo com objecto passível de acto administrativo, pelo que, por força do artº 185º, n 3, a) do CPA, não decorreriam do contrato em causa quaisquer efeitos (artºs 133º, n 1 e 2, f) e 134, ambos do mesmo Código).

Em consequência, tendo como expressamente afastado pelo CPA o regime legal previsto no artº 289º do C. Civil, decidiu-se nele que o “enriquecimento ilegítimo” baseado nesse contrato administrativo nulo é desprovido de carácter subsidiário.

Perante situações de facto idênticas, os acórdãos em referência perfilharam, no entanto, pronúncias diferentes, por aplicação de preceitos legais diferentes e de regimes de invalidade do contrato administrativo também distintos: o regime de invalidade do negócio jurídico previsto no C.Civil, por força do art. 185º, n 3, b) do CPA, no acórdão recorrido; o regime de invalidade do acto administrativo estabelecido no CPA, por força do art. 185º, n 3, a) deste Código, no acórdão fundamento.

Assim sendo, não perfilhando soluções opostas relativamente à mesma questão fundamental de direito, em decorrência da aplicação divergente do mesmo preceito legal, de forma expressa, a situações de facto idênticas, no domínio do mesmo quadro normativo, não ocorrerá, salvo melhor opinião, em nosso parecer, em vista do disposto no artº 766º, nº 3 do CPCivil ex-vi art 102º da LPTA, oposição de julgados entre ambos os acórdãos.

  1. No que concerne à oposição de julgado entre o acórdão recorrido e o douto acórdão deste STA, de 25/03/2004, rec 08/04, quanto à questão da aplicabilidade do disposto no art. 289º do C.Civil, somos de parecer não merecer provimento o recurso, devendo o douto acórdão recorrido ser confirmado, pelas razões nele expendidas, a que inteiramente aderimos.

No mesmo sentido, aliás, também o douto acórdão deste STA, de 17/12/2008, rec 301/08.

” Foram colhidos os vistos legais.

II.1.

Da matéria factual registada pelo acórdão recorrido respiga-se a que tem interesse para o julgamento do presente recurso, e que a seguir se transcreve: 1.1 - A A. dedica-se de forma habitual e sistemática à construção de obras públicas, desaterros e terraplanagens, pavimentações industriais e vias de circulação (al. A)); 1.2 - … 2. Da Base Instrutória da Causa: 2.1 - No exercício da sua actividade, e após solicitação da R., a A. prestou-lhe diversos serviços de terraplanagem e abertura de ruas, em vários locais da cidade da Trofa, nomeadamente no Parque …, Rua junto à sede da …, Travessa …, Rua … e Rua … (resposta ao facto 1º); 2.2 - Serviços melhor descritos na factura n° 112 de 93-09-07 no valor de Esc. 59.856$00 (resposta ao facto 2°); 2.3 - Na factura n° 307 de 94-12-28 no valor de Esc. 215.180$00 (resposta ao facto 3º); 2.4 - Na factura n° 391 de 95-12-20 no valor de Esc. 584.298$00 (resposta ao facto 4°); 2.5 - Na factura n° 579 de 97-10-31 no valor de Esc. 4.990.928$00 (resposta ao facto 5°); 2.6 - Na factura n° 580 de 97-10-31 no valor de Esc. 1.574.586$00 (resposta ao facto 6°); 2.7 - E na factura n° 781 de 98-11-30 no valor de 814.905$00 (resposta ao facto 7°); 2.8 - A R. CMST verificou a quantidade e qualidade dos serviços prestados, o preço e demais condições, achando tudo conforme os serviços que encomendara (resposta ao facto 8°); 2.9 - A R. …; 2.10 - A e R. CMST convencionaram que o pagamento das facturas seria efectuado a pronto, ou seja, na data da respectiva emissão (resposta ao facto 10°); 2.11 - Naquela data, a R. CMST não pagou o respectivo valor, e não obstante as sucessivas insistências da A., o certo é que aqueles pagamentos jamais foram efectuados (resposta ao facto 11º); 2.12 - Foi a Câmara Municipal de Santo Tirso, por meio dos seus representantes, que encomendou as descritas obras à A. (resposta ao facto 12°); 2.13 - Obras essas que foram efectuadas, são visíveis nos locais e delas a edilidade beneficiou e beneficia e foram devidamente recebidas (resposta ao facto 14º); 2.14 - O início dos serviços prestados teve lugar em Setembro de 1993...

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