Acórdão nº 0563/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I.RELATÓRIO B…, melhor identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (TAF), acção de indemnização contra o MUNICÍPIO DE LOURES (R.), em que pedia a sua condenação no montante de 535.590,00€, por danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe foram causados por actuação ilícita e culposa do R. (ordem de demolição de uma estrutura metálica por si instalada) e ainda no que viesse a ser liquidado em execução de sentença.

O tribunal a quo julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou o R. a pagar à Autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativa aos danos causados nos elementos desmontáveis da referida estrutura, descontando o valor residual dos mesmos, referidos em II-60 do probatório.

De tal sentença recorre o R., recorrendo a A. a título subordinado.

O Réu Município de Loures formulou as seguintes conclusões: “1ª A douta sentença recorrida estribou-se na sua matéria de facto provada em 11-45, que exigia para desmontagem da estrutura, o auxílio de uma grua e andaimes e o desaparafusamento e desligamento das peças metálicas, para condenar o, ora, Recorrente a pagar à, ora, Recorrida, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativa os danos causados nos elementos desmontáveis da estrutura de metal... que tenham ficado inaproveitáveis...”, mas sem razão.

  1. Efectivamente, o Recorrente encontrava-se sujeito a um conjunto de pressões no sentido da demolição, quer do IPAR, por estar em causa a protecção da zona do Palácio da Mitra, quer da Junta de Freguesia de Santo Antão do Tojal, pressionada pelos cidadãos, e, ainda, da RAN, bem como a própria defesa da legalidade, com consequências na opinião pública, sendo que os meios de que dispunha para a referida demolição foram os que utilizou.

  2. E, para que a demolição consistisse numa desmontagem com grua, andaimes e desaparafusamento, seria necessário concurso público, o que protelaria a situação indefinidamente e a clamorosa situação de facto não se compadecia com tal demora.

  3. Aliás, “in casu” estamos perante uma situação de estado de necessidade objectivo previsto no art.° 339°, do C. Civil, o que exclui a ilicitude, sendo causa de justificação, inexistindo qualquer obrigação de indemnizar por parte do Recorrente, pelo que ao não decidir assim, a douta sentença recorrida violou este dispositivo legal.

  4. Ora, o Recorrente utilizou, na demolição em apreço, que era urgente, os meios de que dispunha, não lhe sendo exigível mais e não devendo ser responsabilizado por isso, pelo que ao decidir em sentido contrário, a douta sentença recorrida violou, o disposto no art.° 483°, do C. Civil, “a contrario sensu”.

  5. Acresce que, a Recorrida persistia numa situação de manifesta ilegalidade, reforçando as construções e afrontando as ordens legítimas do Recorrente, procurando dificultar e impossibilitar a demolição, impedindo que a própria fiscalização camarária entrasse nas instalações”.

    A Autora contra-alegou, deduzindo as seguintes conclusões: “I - Não podem ser conhecidas pelo Tribunal ad quem as questões ora suscitadas pelo recorrente pela singela razão de serem questões novas.

    II - Sem prejuízo da conclusão anterior e admitindo por mera hipótese de raciocínio e sem conceder, a pretensa existência de estado de necessidade não dispensaria a obrigação de indemnizar e isto, quer se considere, como é devido, o estado de necessidade como administrativo ou meramente civil.

    III - A não efectuação de concurso público não tem qualquer relação com os prejuízos, sendo certo que o executor tem sempre de actuar observando as normas técnicas e a diligência adequadas”.

    A Autora alegou quanto ao recurso por si apresentado, e concluiu do seguinte modo: “I - A obra levada a cabo pela A. entre 18 de Março e Abril de 1999 foi uma obra nova pelo que não foi a ela que se referiu o despacho de 19.1.1999.

    II - Não obstante a precariedade da ocupação do terreno, devia a A. ter sido notificada para proceder voluntariamente à demolição e ser-lhe concedido prazo para tal, o que não aconteceu.

    III - Decorre das conclusões anteriores a ilegalidade da demolição violenta de tal obra, demolição essa levada a cabo pelo R. Município de Loures.

    IV - O R. é, portanto, responsável pela indemnização dos correspondentes prejuízos.

    V – O relegado para liquidação em execução na douta sentença recorrida deve também abranger os prejuízos decorrentes da diminuição de possibilidades que o recurso à utilização do Pavilhão Carlos Lopes causou.

    VI – Decidindo de forma diversa, a douta sentença recorrida violou, entre outras, as disposições referidas nos artigos 60º a 64° da petição inicial bem como o artigo 90º do Dec. Lei nº 100/84, de 29 de Março, vigente à data dos factos.” O Réu – Município de Loures contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: “1ª A obra “sub judice” levada a cabo pela recorrente entre 18 de Março de 1999 e Abril do mesmo ano, não é uma verdadeira obra nova.

    Na verdade, 2ª. Intimada a proceder à reposição da situação inicial anterior em 19/01/1999 (confirmado em Março/99), a recorrente não removeu nem o palco e respectiva fundação em que assentava nem a maquinaria que insuflava o ar e instalou uma estrutura metálica mais resistente, que assentava no que restava da anterior.

  6. Assim, a recorrente, com manifesto intuito fraudatório (como refere a douta sentença recorrida) não repôs a situação inicial anterior, tendo sim, continuado a obra anterior, reparando, consolidando e robustecendo a estrutura original anterior, pelo que não se está perante uma obra nova, mas sim na continuação da anterior, o que levou a cabo com manifesta má fé.

  7. Assim, assistiu ao recorrido toda a legitimidade para demolir as referidas construções “ex vi” o art.º 5º, n.ºs 1, 3 e 4, do D. L. 441/91, não havendo qualquer violação do art.º 90º, do D. L. 100/84, de 29/03. (sic.).

  8. Não há, assim, que atender ao pedido de indemnização formulado pela recorrente e, agora referido nas suas alegações, sendo que através deste recurso litiga com manifesta má fé, devendo ser condenado como litigante de má fé, em multa e indemnização, “ex vi” os arts. 456º a 459º, do CPC.”.

    O Excelentíssimo Procurador Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu o parecer seguinte: “1 Como é por demais sabido - “a responsabilidade civil extracontratual supõe a concorrência de requisitos vários, que podemos definir como a acção, a ilicitude, a culpa, o nexo causal (entre a conduta ilícita e culposa e o evento) e o dano – cfr. arts. 483° do C. Civil e 1°, 2°, 4° e 6° do D.L. n° 48.051, de 21/11/67, aqui aplicável”. E o art. 563° do C. Civil estabelece que - “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.” Como também é por demais sabido este normativo consagra a doutrina da causalidade adequada. Como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição do prejuízo.

    Mas uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se, pois, juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção. E dir-se-á que existe aquela relevância quando, dentro deste circunstancionalismo a acção não se apresenta de molde a agravar o risco da verificação do dano” – Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª ed. pág. 405.

    Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa condição mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado - cfr. Vaz Serra, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil anotado 3° ed., 547.

    A causa juridicamente relevante de um dano é (nos termos do art. 563° do C. Civil) aquela que, em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência ou conhecidas do lesante - Ac. do S.T.J. de 10.3.98, B.M.J. 475-635.

    1.1. Como muito bem sintetiza Antunes Varela (Das Obrigações em Geral 9ª ed., pág. 928) - “O autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido”. O nexo causal existe, pois, quando o facto ilícito for a causa adequada do dano.

    2. Ora, da matéria de facto provada resulta que – “Era possível desmontar a estrutura que a Autora começou a instalar entre 18 de Março e Abril de 1999, com o auxílio de uma grua e andaimes procedendo ao desaparafusamento das peças metálicas ligadas entre si com parafusos e porcas e, bem assim, ao desligamento das peças...

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