Acórdão nº 0358/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução27 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A…, com os sinais dos autos, interpõe recurso da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a presente acção de responsabilidade civil extracontratual que a ora recorrente instaurou contra o MUNICÍPIO DE MIRA e absolveu o Réu do pedido.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. Eram duas as vertentes que compunham a causa de pedir – uma relativa à actuação de um Vereador (que era simultaneamente Vice Presidente da Câmara), outra à actuação da Câmara Municipal: i. à do Vereador do Pelouro, estando-se assim perante uma culpa do R. individualizada na pessoa daquele, porque prestou informação verbal à recorrente que o estabelecimento – objecto da prometida cessão de exploração por parte da empresa gerida pelo seu genro, esposa e cunhadas – estava licenciado, sendo assim apenas necessária a emissão de um horário de funcionamento; ii. À da CM, estando-se assim perante uma culpa organizacional ou do serviço, distanciada da pessoa nominal autora da falta assente na prestação de uma informação errónea, porque emitiu um horário do funcionamento para o estabelecimento sem cuidar de verificar que o mesmo não estava licenciado, não tendo ademais esclarecido devida e atempadamente a recorrente dessa falta de licenciamento.

  1. No que toca à primeira vertente assinalada, a recorrente compreende a decisão proferida a este respeito e, assim, o facto de a mesma não ter logrado provar sem dúvidas que o Vereador em causa transmitiu verbalmente aos sócios da recorrente a mencionada afirmação – o que, note-se bem, se afirma, irrelevantemente é certo (uma vez que, entre o mais, a culpa do sobredito funcionário apenas beneficiaria a Câmara, em termos de eventual exercício de direito de regresso, sendo espúria, em termos de quantum indemnizatório claro está, para a recorrente), apesar de duas testemunhas terem deposto que assim sucedeu e de o próprio Sr. Vereador, com claro interesse pessoal na questão ter (contraditoriamente) admitido como possível que, se tivesse sido interpelado pela recorrente sobre a existência da licença de utilização, poderia ter dito que, se existia um horário de funcionamento e até um apoio financeiro, era porque a discoteca preenchia todos os requisitos para funcionar… - cassete nº2, lado 6, rotações 1877 a 9999.

  2. No entanto, o que a recorrente não pode mesmo silenciar é a sua discordância quanto ao facto de se ter considerado que a conduta assumida pela Câmara Municipal de Mira não configura a existência de um funcionamento defeituoso dos seus serviços ou, utilizando a terminologia constante do artº7º, nº3 da actual lei de responsabilidade civil extracontratual, do seu funcionamento anormal.

  3. Na verdade, em sede de petição inicial, alegou a então A. ( a par com a sobredita informação verbal não provada) que a circunstância de lhe ter sido emitido um horário de funcionamento para o estabelecimento em causa – deferido, no mesmo dia, pelo punho do vereador responsável com competências delegadas em matéria relativa ao funcionamento das discotecas ( que, como se disse, era genro, marido e cunhado dos sócios gerentes da empresa que explorava esse estabelecimento objecto de contrato promessa de cessão de exploração) – sem ter atentado na circunstância de a licença de funcionamento para o mesmo já se encontrar caduca há 3 anos, conduziu a que se gerasse um sentimento de confiança na legalidade do sobredito estabelecimento e influenciou assim decisivamente a vontade de celebrar o contrato promessa, e o facto de não ter dado uma resposta cabal e atempada quanto à conhecida situação do espaço em apreço, não tendo encetado quaisquer diligências (como vistorias ou inspecções) tendentes a confirmá-la, antes tendo declarado genericamente que espaços havia que não estavam licenciados para depois autorizar a redução da lotação, o que culminou num primeiro momento com o encerramento parcial da empresa e, num segundo momento (quando o R. esclarece que efectivamente não existe qualquer licenciamento), com o encerramento total, configura uma deficiente organização do serviço de licenciamento de estabelecimentos comerciais com espaços de dança que, tendo provocado danos na esfera da recorrente, impõe a sua reparação.

  4. Considerou, contudo, o Digno Tribunal recorrido que, por um lado, não se provou que a ausência do aludido alvará de funcionamento tenha levado à redução da actividade comercial e, por outro, que não foi em função da informação escrita de 11 de Julho de 2001 (na qual se referia que a discoteca não estava licenciada) que a recorrente encerrou definitivamente o estabelecimento – porém, o que se conclui, com o devido respeito, que muito é, erroneamente.

  5. Em primeiro lugar, na medida em que a prova testemunhal produzida foi no sentido de asseverar que a ausência – rectius, a suspeita de ausência – do alvará de funcionamento implicou a redução da actividade comercial, tendo a sua confirmação posterior (em que se atesta a inexistência de licenciamento) levado ao encerramento, sendo que se soubesse do estado do estabelecimento não se teria celebrado qualquer contrato nem realizado despesas com o mesmo.

  6. Estando-se assim perante um erro na apreciação da prova que inquina o julgamento tecido a este respeito – cfr. declarações supra transcritas prestadas por, respectivamente, B… (cassete 1, lado A, rotações 0000 a lado B, rotações 1144) e C… ( cassete nº1, lado B, rotações 1145 a rotações 9999 e cassete nº 2, lado A, rotações 0000 a 1044).

  7. Dito de outro modo, o que inquina a sentença de erro de julgamento, os factos constantes dos pontos 4, 5 e 6 matéria controvertida não provada deveriam ter sido considerados como provados, tal como resulta dos depoimentos ante identificados.

  8. Depois e, sobretudo, porque mesmo que assim não sucedesse, resulta claro e evidente (recorrendo-se aos mais liminares parâmetros de bom senso, de experiência e de normalidade) que o facto de ser emitido um horário de funcionamento (e a autorização de redução de lotação) que pressupõe necessária e impreterivelmente a existência de licença de utilização – pelo responsável dos serviços é apto a gerar no administrado médio a convicção de que o estabelecimento que detém se encontra prostrado numa situação perfeitamente regular.

  9. Sendo perfeitamente razoável que quando se tenha dúvidas acerca da legalidade de um estabelecimento se reduza a actividade e, obtida a confirmação das suspeitas de ilegalidade, se encerre o mesmo – tudo como a recorrente fez em clara boa fé e, segundo cremos, sem que qualquer laivo de censurabilidade se lhe possa assacar.

  10. Por outro lado, em abono da justiça, não podemos deixar de referir que no âmbito da produção testemunhal foi sucessivamente afirmado que a recorrente, sobretudo pela intervenção de B…, se deslocou inúmeras vezes à autarquia para tentar esclarecer a situação da legalidade do funcionamento do estabelecimento (cfr. declarações prestadas por B…, cassete nº1, lado A, rotação 0000 a lado B, rotações 1144; C…, cassete nº1, lado B, rotações 1145 a rotações 9999 e cassete nº3, lado A, rotações 1971 a lado B rotações 2043). Chega-se mesmo a afirmar que foram dezenas as vezes que tal sucedeu.

  11. Concluindo-se isto mesmo para sublinhar que esta situação de desorganização estrutural e funcional dos serviços não se traduziu apenas na passagem de duas licenças ilegais…traduz-se a mesma também na incapacidade dos serviços (protagonizada colectivamente por funcionários, director de departamento e vereador) de prestarem informações correctas e precisas sobre a situação.

  12. Como é bom de ver, sendo inequívoco que um ente público deve actuar de acordo com padrões médios de funcionamento, escapa à normalidade das coisas atestar, mediante um horário de funcionamento, que o estabelecimento estava dotado de licença de utilização quando a mesma, como bem refere a Câmara, já se encontrava caduca há 3 anos.

  13. Assim como não se compreende, senão por uma errónea e deficiente organização dos serviços, que se conceda uma redução de lotação a um estabelecimento que, estando ilegal, não pode laborar – cfr. doc. nº 44 junto com a pi.

  14. Chegando-se inclusivamente ao limite de patrocinar uma festa no sobredito espaço – facto que não foi considerado provado pelo Digno Tribunal recorrido em claro erro de apreciação na prova (cfr. resposta ao quesito 9º), visto que, contrariamente ao que aí se refere, o símbolo aposto no folheto publicitário, contendo a menção de “ Vila de Mira”, é efectivamente o símbolo do Município de Mira – tal como, aliás, a testemunha D…, quando lhe foi exibido o folheto publicitário junto com a p.i. confirmou (cfr. cassete nº2, lado B, rotações 1877 a 9999), bastando, de resto, entrar no site deste Município para verificar isto mesmo.

  15. Sendo assim que também o facto constante do ponto 9 da matéria de facto dada como provada deveria ter sido dado como integralmente provado, com base no que se vem de concluir.

  16. Erros negligentes e danosos estes que poderiam ter sido evitados, entre o mais, se o serviço camarário estivesse correctamente organizado, cadastral e funcionalmente - o que certamente teria implicado o indeferimento do pedido de passagem do horário de funcionamento ou o seu deferimento condicionado à obtenção da licença de utilização (caso em que a recorrente teria logo conhecimento da ilegalidade do estabelecimento); ou a realização de uma inspecção ou vistoria, onde segura e previsivelmente se teria constatado a ausência de licenciamento e assim se teria colocado termo à situação de incerteza que a recorrente experimentava e que levou a diminuir a sua actividade a dois dias por semana e, posteriormente, a encerrar o estabelecimento, deixando de auferir os lucros normais que receberia se estivesse a trabalhar normalmente – por exemplo, quando a recorrente solicitou a redução da lotação ou, ainda exemplificativamente...

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