Acórdão nº 0140/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução16 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A…, com os sinais dos autos, veio interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº 150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido a fls. 574 e segs., que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto do despacho saneador do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que, por sua vez, julgara procedente a excepção de inimpugnabilidade do despacho da Senhora Ministra da Justiça, de 30 de Março de 2004, publicado no DR II Série, de 20.04.2004, que autorizou e homologou a abertura de concurso para atribuição de licenças de cartório notarial e, em consequência, absolvera a Ré e os contra-interessados da instância.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. O presente recurso cumpre os requisitos previstos no artigo 150º do CPTA.

  1. Se há matéria com verdadeira repercussão jurídica e social e que deve ter uma aplicação verdadeiramente aprimorada, essa matéria é que compensa os administrados pela proibição de autotutela, através da concessão de meios jurisdicionais adequados à salvaguarda dos direitos que se arrogam.

  2. No presente caso, a recorrente alegou que o concurso cujo aviso se visou impugnar não correspondia a um acto administrativo de mera execução, mas a um acto administrativo de execução de um comando legislativo, este sim tido como portador de inconstitucionalidades e de ilegalidades.

  3. Nesse circunstancialismo e considerando que: a) a CRP não atribui aos particulares legitimidade para, em abstracto, intentar acção de declaração de inconstitucionalidade de actos legislativos, natureza que este Supremo Tribunal reconheceu em acórdão de 07.06.2006, proferido no processo 1257/05-20; b) a lei portuguesa não prevê a figura do recurso de amparo constitucional; c) do ponto de vista do administrado, não é possível impugnar directamente um verdadeiro acto legislativo; a única forma de poder atacar o conteúdo do acto legislativo inconstitucional passa por impugnar os actos administrativos primários de execução daquele (actos distintos dos actos administrativos de mera execução de comando administrativo anterior, distinção que nem em 1ª, nem em 2ª instância foi feita!).

  4. Ao decidir-se, como no aresto impugnado, praticou o acórdão do TCA Sul um acto de verdadeira denegação de justiça, com violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, pelo que se o recurso de revista é hoje uma “verdadeira válvula de segurança do sistema”, deve reconhecer-se que não existirá sistema de administração de justiça mais inseguro do que aquele que, num processo de entropia negativa, veda o acesso aos seus destinatários, razão pela qual a questão em causa cumpre o primeiro requisito do artº 150º do CPTA.

  5. Por outro lado, havendo duas orientações divergentes nas decisões dos Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul sobre a questão da inimpugnabilidade do acto, justifica-se a admissão do recurso de revista com fundamento na sua relevância jurídico social e também para melhor aplicação do direito.

  6. O acto impugnado, ao contrário do que se julgou no saneador-sentença, não tem como destinatários outros órgãos da administração pública e não esgotou os seus efeitos nas relações intra-subjectivas ou inter-orgânicas, tendo, pois, eficácia externa.

  7. São impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.

  8. Eficácia externa é a produção de efeitos na esfera jurídica de pessoas singulares, dos cidadãos (ou das pessoas colectivas de direito público ou privado).

  9. O artº 51º, nº 1 do CPTA não impõe uma lesão efectiva, admitindo para a impugnação judicial, a susceptibilidade, a possível lesão, a aptidão dos actos para lesarem esses direitos ou interesses.

  10. São impugnáveis esses referidos actos mesmo que inseridos num procedimento administrativo em decurso, isto é, quando ainda não haja acto definitivo horizontalmente, ou quando ainda não haja resolução final do procedimento administrativo, da relação jurídica estabelecida entre os cidadãos e a administração.

  11. Nos presentes autos, impugna-se um acto de abertura de concurso, inserido num procedimento cujo fim- ou seja, a atribuição de licenças de instalação de cartório notarial- será necessariamente lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos da recorrente, nos termos descritos na p.i..

  12. Ao julgar-se não lesivo, logo inimpugnável, o acto impugnado pela recorrente, violou-se no acórdão recorrido o disposto nos artº 2º, nº 1, 51º, nº 1 do CPTA e no artº 268º, nº 4 da CRP, respectivamente.

  13. Termos em que, com o douto suprimento, deve ser revogado o acórdão recorrido, declarando-se o acto impugnado verdadeiramente impugnável e ordenar-se o prosseguimento dos autos para as fases ulteriores do processo, nos termos legais.

    *Contra-alegou o Ministério da Justiça CONCLUINDO assim: 1) O presente recurso excepcional de revista não cumpre os requisitos previstos no artº 150º do CPTA.

    2) Encontram-se reunidos os pressupostos do recurso de uniformização de jurisprudência consignado no artº 152º do CPTA, pelo que atenta a natureza excepcional do recurso de revista, não pode o presente recurso ser admitido.

    3) Mas mesmo que assim se não entenda, o princípio da tutela jurisdicional efectiva não consubstancia, no caso concreto, “a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.” 4) A questão que se pretende ver associada não se encontra associada a interesses especialmente importantes da comunidade, a matérias particularmente complexas ou a situações de erro manifesto ou grosseiro na decisão do aresto recorrido.

    5) A densificação dos pressupostos vertidos no nº 1 do artº 150º do CPTA que tem sido feita pela jurisprudência afasta a admissibilidade do presente recurso.

    6) O acto impugnado – despacho da Ministra da Justiça que autorizou e homologou a abertura do concurso para atribuição de licenças de instalação de cartório notarial, proferido em 30 de Março de 2004 e tornado público pelo Aviso nº 4994/2004, DR II Série, de 20...

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