Acórdão nº 0351/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução16 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na secção do contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1.1. B… (id. nos autos) interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recurso contencioso da decisão do Vogal do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, notificada por ofício n.º 00251/DPA/SCB/02, de 28 de Janeiro de 2002 (adiante melhor identificada).

1.2. Suscitada, pela entidade recorrida, a questão da irrecorribilidade do acto impugnado (com fundamento na alegada natureza do acto de execução ou de acto consequente) foi a mesma julgada improcedente, por decisão do TAC de fls. 74 a 91, inc, dos autos.

1.3. Inconformada com a decisão referida em 1.2, dela interpôs recurso o Vogal do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), cujas alegações, de fls. 138 a 142, inc, concluiu (após convite do Tribunal) da seguinte forma: “1. A questão em causa tem a ver com o saber se os prémios atribuídos ao recorrido devem ter em conta os prémios para a manutenção das vacas aleitantes do recorrido (94.1 direitos) ou se, antes, a estes se deve adicionar os direitos alegadamente transferidos pela Cabeça de Casal da herança de C….

  1. Quanto a estes últimos o INGA foi alertado por um dos herdeiros do Eng° C…, no sentido de que tal alienação não merecera a concordância dos herdeiros e de que a cabeça de casal não podia, por si só, fazê-lo.

  2. O ora recorrente limitou-se assim a verificar, nos termos do n° 2 do artigo 34º do Regulamento (CEE) n.° 3886/92, da Comissão, de 23 de Dezembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Regulamento (CEE) n.º 1846/95, de 26 de Julho, se havia a notificação ali prevista para a transferência de direitos pretendidos.

  3. Ora, de harmonia com o art° 2091° do Código Civil: “... os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros...”.

  4. Sendo assim, não se verificava a intervenção de todos os herdeiros, como a lei exigia.

  5. Ocorreu lapso no envio de ofícios notificação ao recorrido, os quais foram devidamente corrigidos e alterados, em tempo.

  6. Em qualquer caso a questão é irrelevante, uma vez que a decisão tinha de ser notificada ao transmitente e o que se notificou à cabeça de casal da herança do Eng° C… foi que a mesma não se concretizava. (V. ofício de 05-03-1999 junto ao processo instrutor apenso).

  7. Houve, pois, revogação, com fundamento legal do ofício de que transmitiu indevidamente, ao recorrido, que a transferência se operara. (art° 141° e segs. do CPA).

  8. O recorrido conformou-se, aliás, com a decisão que não autorizou a transferência de direitos em causa, pois não impugnou tal acto, que se consolidou na ordem jurídica, para todos os legais efeitos.

  9. O despacho recorrido informou que houve tal conformação e de que estamos perante acto irrecorrível e inimpugnável, dada a sua natureza de mero esclarecimento ou, quando muito, um acto meramente confirmativo.

  10. Aliás, o digno Procurador a fls. chama à atenção de que o acto em causa - o não pagamento dos direitos em questão - é um mero acto de execução ou meramente consequente do acto que não admitiu a transmissão dos direitos em discussão.

  11. O despacho recorrido ignorou totalmente as questões suscitadas, enfermando, aliás, do vício de omissão de pronúncia, ou seja, não conheceu o incidente de irrecorribilidade do acto impugnado.” 1.4. O recorrido B… contra-alegou sustentando o improvimento do recurso.

    1.5. A fls. 186 a 196, inc, foi proferida decisão de mérito, concedendo provimento ao recurso e anulando o acto contenciosamente impugnado.

    1.6. De novo inconformado, interpôs o autor do acto anulado recurso jurisdicional da decisão referenciada em 1.4, cujas alegações, de fls. 206 e segs, concluiu (após convite do Tribunal) “1. Como é óbvio, uma vez que não autorizou, pelas razões referidas, a transferência dos direitos da herança do Eng. C…, para o recorrido, não era possível pagar-lhe o prémio respeitante a tais direitos.

  12. Está em causa o cumprimento integral do n° 2 do artigo 34° do Regulamento (CEE) n.° 3886/92, da Comissão, de 23 de Dezembro, que a douta sentença recorrida ignorou de todo.

  13. Por força dos art°s 2089°, 2090º e 2091° do CCivil, a cabeça de casal não podia, por si só, ceder os direitos em causa ao recorrido, pelo que, alertado pelos herdeiros o recorrente não podia ignorar essa situação e a lei.

  14. Foi, aliás, essa a única decisão que foi notificada a ambos os envolvidos na transferência de direitos em causa – a Cabeça de Casal da herança do Eng° C… e ao recorrido, sendo esta a única decisão vinculativa e que produz efeitos, tendo-se revogado qualquer decisão notificada ao recorrido em sentido contrário, por ilegal. (art° 141° e segs. do CPA) 5. Só em Março de 2000, os herdeiros do Eng° C… chegaram a acordo no inventário, quanto à transferência dos direitos em causa para o ora recorrido, pelo que, não pode ter aquele acordo efeitos retroactivos, só nas campanhas de 2000 tal produziu efeitos, não podendo o INGA proceder ao pagamento ao recorrido dos prémios de 1998 e de 1999. (V. art° 24° do Regulamento CEE, n° 2342/99, da Comissão, de 28-10-1999).

  15. Ao contrário do decidido pela sentença recorrida, o acto impugnado é válido, a vários títulos, não enfermando do vício de violação de lei por erro nos pressupostos que a sentença de aponta.

  16. Ensina o Professor Teixeira de Sousa (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, p. 588) que “o caso julgado apenas vincula, em regra, as partes da acção, não podendo, também em regra, afectar terceiros”.

  17. Ora, o INGA não foi parte naqueles autos, pelo que tal alegado caso julgado não lhe é oponível.

  18. Assim sendo, é absolutamente válida e eficaz a decisão de indeferimento do pagamento, nas campanhas de 1998 e 1999, dos 62 direitos transferidos em 2000, sem prejuízo da irrecorribilidade do acto em causa, como se demonstrou e mantêm, não enfermando, ao contrário do decidido pela sentença recorrida, por violação de lei, por erro nos pressupostos.

  19. É que a transacção em causa de nada vincula o ora recorrente, sendo que o INGA, além do mais, alertado pela herdeira e interessada, D. D…, não podia alegar ignorar a ilegalidade do ocorrido e sua homologação pelo Tribunal de Cuba, por não ter a intervenção de todos os herdeiros (art° 2091° do CCivil).

  20. Aliás, o INGA não precisa sequer de sentenças judiciais, mas não está vinculado às que não se lhe destinam.

  21. Efectivamente, basta todos os herdeiros assinarem documento formalmente válido de cedência dos direitos em causa, para que o INGA aceite tal como válido. (art° 2091° do CCivil) 13. Acresce que, no âmbito interno, ao dispor-se, ilegalmente, de dinheiros públicos, há sempre o grave risco, por intervenção do Tribunal de Contas, de ser desencadeada contra o ora recorrente, “responsabilidade financeira reintegrativa, nos termos dos art° 59º, 61° e 65° da Lei n° 98/97, de 29 de Agosto”.

  22. Por outro lado, ainda havia a componente comunitária que colocava o INGA em situação de responder perante as instâncias europeias, por pagamento indevido.

  23. Acontece ainda que há um erro manifesto na sentença recorrida quando, para sustentar que o caso julgado constituído pela sentença homologatória do acordo, vinculava o INGA, ou era para ele obrigatória, refere ser de “o resultado de uma acção que decorreu entre todos os interessados directos”.

  24. Ora, isto não é verdade, pois, nessa acção, interveio apenas a Cabeça de Casal, já que nela não intervieram os demais herdeiros do Eng° C….

  25. Não se obrigue, pois, o recorrente a dispor de dinheiros públicos a favor de terceiros, quando, pelo menos, um dos co-herdeiros, co-titular de tais direitos, a isso se opõe, o que implica a ilegalidade de tal pagamento (art° 2091° do CCivil) e, além do mais, porque “quem paga mal paga duas vezes”! 18. A douta sentença recorrida violou, entre outras, as seguintes disposições legais: n° 2 do artigo 34° do Regulamento (CEE) n.° 3886/92, da Comissão, de 23 de Dezembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Regulamento (CEE) n.° 1846/95, de 26 de Julho, art°s 2089°, 2090º e 2091° do CCivil, art° 141° e segs. do CPA e art° 24° do Regulamento CEE, n° 2342/99, da Comissão, de 28-10-1999.” Não houve contra-alegações.

  26. O Mº Público junto deste STA emitiu o parecer de fls. 286 e segs, que se transcreve: “I Vem o recurso de agravo interposto com fundamento em vício de omissão de pronúncia, por a decisão recorrida ter ignorado totalmente as questões suscitadas relativas à irrecorribilidade do mesmo acto - cfr conclusão 12 das alegações, a fls 273.

    Em nosso parecer, o recurso não merecerá provimento.

    É claro e inequívoco, face aos termos da decisão recorrida, que o tribunal a quo apreciou a questão prévia de irrecorribilidade suscitada pela autoridade ora recorrente, decidindo que o acto impugnado revestia a natureza de decisão final do procedimento relativo às candidaturas ao prémio vacas em aleitamento nas campanhas de 1998 e 1999, sendo, por isso recorrível - cfr fls 91.

    Para tanto, o tribunal equacionou e apreciou a alegação constante da resposta da autoridade recorrida de que o acto impugnado era confirmativo ou de mera execução ou consequente, mostrando-se prejudicada pela decisão proferida a invocada questão da natureza jurídica de acto de mero esclarecimento – cfr fls 89 e segs.

    Neste quadro, parece-nos que o vício que a recorrente assaca à sentença recorrida é, não o de omissão de pronúncia, mas o de erro de julgamento, na base da sua alegação de que o recorrido se conformou com a decisão que não autorizou a transferência de direitos em causa, que se consolidou na ordem jurídica, comunicada através dos ofícios nº 058685 DPA/SCB/99, de 25 de Fevereiro, nº 058787 DPA/SCB/99, de 5 de Março e nº 059569, de 13 de Abril de 1999 e “confirmada” pelo ofício nº 067623/DPA/SCB/99, de 20 de Setembro e que, consequentemente, o acto impugnado “assume (...) a natureza de mero esclarecimento até porque se limita, uma vez mais, a reiterar a...

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