Acórdão nº 0686/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2009

Data04 Novembro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1.1 “A…, Ldª” vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que, nestes autos de incidente de anulação de venda executiva, decidiu «julgar a presente acção improcedente».

1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.

  1. O Meritíssimo Juiz do tribunal a quo julgou improcedente a acção de anulação da venda realizada no processo de Execução Fiscal n.° 0353200401058576 e apensos que corre seus termos no Serviço de Finanças de Barcelos por considerar que “em nada foi a mesma (a recorrente) prejudicada ou lesada com o adiamento da venda, uma vez que não lhe precludiu o uso de qualquer poder ou faculdade que a mesma tivesse menção de se prevalece” e que “a omissão praticada pelo órgão da Administração Fiscal não teve qualquer relevo para o «exame ou decisão da causa»” e daí que não se verificando os pressupostos do artigo 201°, n° 1 do CPC e, consequentemente, do artigo 909.º, n.° 1, c) do mesmo código, inexiste qualquer fundamento legal para anular a venda.

  2. É pacífico, e a sentença recorrida confirma tacitamente esse entendimento, que o artigo 886°-A, n.° 4, do CPC, que determina a notificação do despacho que ordena a venda de um bem penhorado, ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, é de aplicação subsidiária à execução fiscal (como aliás a Jurisprudência tem consagrado no, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30/04/2008, Processo 0117/08, e no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008, Processo 0222/08, e ainda no recentíssimo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/04/2009, Processo 0805/08 (todos publicados in www.dgsi.pt).

  3. Efectivamente o art. 886°-A, n° 4, do CPC é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal, na parte em que impõe a notificação aos credores com garantia real do despacho que determina a modalidade de venda, fixa o valor base dos bens a vender (e eventual formação de lotes) bem como designa dia para a abertura de propostas em carta fechada no caso de ser esta a modalidade de venda adoptada.

  4. A Recorrente foi citada em 29 de Outubro de 2007, na qualidade de credora com garantia real, nos termos e para os efeitos previstos no art. 239.º do CPPT, em virtude de penhora efectuada pelo órgão de execução fiscal dos imóveis sobre os quais a Recorrente tinha registo de hipoteca a seu favor e na mesma citação, o órgão da Execução fiscal deu cumprimento ao estabelecido no n.° 4 do art. 886°-A do C.P.C., e, notificou a Recorrente da modalidade da venda fixada, do valor base dos vens a vender e ainda de que se encontrava designado para dia 18 de Dezembro de 2007 pelas 10 horas, a data para a abertura das propostas em carta fechada relativas à venda dos prédios penhorados.

  5. A Recorrente reclamou o seu crédito na execução fiscal e viu o ser crédito ser graduado em primeiro lugar, inclusive à frente aos créditos exequendos da Administração Fiscal.

  6. Por despacho de 12/03/2008, o órgão de execução fiscal revogou, por motivos alheios à Recorrente, o acto da designação da venda para 18/12/2007 e, subsequentemente em 16/04/2008, proferiu o mesmo órgão de execução fiscal novo despacho determinando a modalidade da venda, o valor base dos bens a vender e designando para o dia 15/05/2008, pelas 10 horas, a data para a abertura das propostas em carta fechada relativas à venda dos prédios penhorados.

  7. Este novo despacho não foi notificado à Recorrente na qualidade de credora reclamante com garantia real, nos termos subsidiariamente aplicáveis do art. 886°-A, n° 4, do CPC.

  8. Na nova data designada para abertura de propostas em carta fechada, a qual a recorrente só tomou conhecimento em 17 de Junho de 2008, apresentou-se pelo menos um proponente ao qual foram os bens adjudicados por um preço consideravelmente inferior ao do mercado.

  9. Não se tratou de um aditamento da venda, mas sim da repetição da tramitação dos actos de venda dos bens penhorados na sequência de revogação de despacho anterior.

  10. A notificação a que se refere o n.° 4 do art.° 886°-A do CPC deve incluir a indicação do dia, hora e local da venda e tem de repetir-se caso haja adiamento ou realização de segunda ou terceira praças.

  11. A omissão de notificação do segundo despacho que voltou a fixar a modalidade da venda, o valor base dos vens a vender e designando para o dia 15/05/2008 a data de abertura de propostas em carta fechada constitui uma nulidade, nos termos aplicáveis do disposto no art. 201.º do CPC, que tem manifesta e necessariamente relevância e influência na decisão do processo, que é a própria execução fiscal.

  12. Ao não lhe ser dado conhecimento da nova data designada para abertura de propostas, desde logo foi à recorrente coarctado o direito a estar presente nesse acto (como expressamente prevê a aliena a) do art. 253.º do CPPT).

  13. À Recorrente não foi, pelo mesmo motivo facultada possibilidade de se pronunciar sobre o valor da venda marcada para 15 de Maio de 2008, sendo que, querendo era uma faculdade que lhe assistia e não estava prejudicada pela citação anterior da primeira venda marcada dado que existiu repetição de um acto por revogação do anterior pela Administração Fiscal.

  14. Ficou vedada qualquer possibilidade para a Recorrente credora hipotecária impugnar ou reclamar da modalidade da venda e do valor do bem a vender, ou mesmo acompanhar a praça, evitar que ocorresse a degradação do preço da venda ou providenciar na defesa dos seus interesses no novo acto de venda.

  15. A prévia informação de que os bens penhorados iriam ser novamente postos à venda e a prática das formalidades exigidas poderia ter como consequências que a nova venda não fosse praticada, que o bem não fosse vendido à pessoa a quem foi e, sobretudo, pelo preço por que foi.

  16. Com efeito, vigora na generalidade dos processos judiciais o princípio da obrigatoriedade de notificação às partes de todos os despachos que lhes possam causar prejuízo, o que é corolário da proibição da indefesa que está ínsita no direito à tutela jurisdicional efectiva, reconhecido no art.° 20.º da CRP.

  17. Essa regra está mesmo expressamente formulada no art° 229.º do CPC (que é aplicável subsidiariamente à execução fiscal) em que se estabelece, além do mais que «devem também ser notificados, sem necessidade de ordem expressa, as sentenças e os despachos que a lei mande notificar e todos os que possam causar prejuízo às partes» e que «cumpre ainda secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação».

  18. Aliás, é perfeitamente compreensível esta obrigatoriedade à face do princípio da boa fé e da cooperação que deve ser observado nas relações entre todos os intervenientes processuais (art.s. 226.º e 226.º-A do CPC), que impõe, seguramente, que as partes tenham conhecimento de todos os actos que os possam prejudicar, a fim de poderem providenciar para defesa dos seus interesses, em sintonia com a imposição constitucional de notificação dos actos administrativos que se estabelece no n.° 3 do art° 268.º da CRP que, pelas mesmas razões, será aplicável a actos praticados em processos judiciais em que vigora um princípio geral de proibição da indefesa (art.° 20°, n.° 1, da CRP).

  19. Sendo a Recorrente credora com garantia real sobre os bens vendidos (e como credora graduada em primeiro lugar é a principal interessada) e não lhe tendo sido efectuada a notificação do segundo despacho que ordenou a venda por propostas em carta fechada e a nova data para abertura das propostas, ocorreram nulidades processuais susceptíveis de influenciar a decisão do processo, por o conhecimento da venda lhe permitir, além do mais, acautelar os seus direitos (o de estar presente no acto de abertura ou formular proposta de aquisição por exemplo) e impedir que a venda dos imóveis tivesse o despacho que teve.

  20. Por isso, a omissão da notificação do despacho à recorrente (ainda que se trate de um segundo despacho proferido na sequência de revogação do primeiro), teve influência no exame e decisão do processo, e não pode deixar de considerar-se uma nulidade processual (art. 201.º, n.° 1, do CPC), que afectou os actos que dela dependem, designadamente os relativos venda.

  21. A existência de tal nulidade processual é susceptível de afectar o acto da venda, e constitui uma causa de anulação desta, nos termos do referido n.° 1 do art. 201.° e da alínea c) do n.° 1 do art. 909.° do CPC, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 257.° do CPPT.

  22. Assim, a sentença recorrida violou, com erro de interpretação e de aplicação, todas as citadas disposições legais.

    Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis que V. Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e, consequentemente, seja substituída por outra que julgue procedente o incidente de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT