Acórdão nº 0121/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução28 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório A…, devidamente identificado nos autos, vem interpor recurso de revista, ao abrigo do n.° 1, do artigo 150.° do CPTA, do Acórdão do TCA Norte, de 16-11-08, que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo ora Recorrido, Município de Viseu, revogou a decisão do TAF de Viseu, de 20-07-07, mantendo “a ordem de demolição das obras de ampliação no prédio urbano, sito em Vale de Ferreiros, Viseu, com base na pretensa violação do art. 73° do RGEU.” Termina as suas alegações com as seguintes conclusões: “1ª - O Recorrente Município de Viseu, apenas levou ao conhecimento do TCA Norte, duas questões concretas.

A saber.

  1. Violação dos artigos 59º e 60° do RGEU pelo TAF de Viseu; b) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (artigo 73° do RGEU).

Logo, só estas questões delimitavam o objecto do recurso, e mais nenhuma outra. Porém, o TCA Norte, além de sobre estas se ter pronunciado, foi mais longe, e extravasou os limites de cognição, conhecendo de matéria que não lhe foi colocada, substituindo-se à 1ª instância, para decidir aquilo que ali não foi decidido, nem argumentando pelas partes, nem sequer, aguardado por estes, pelo que tal decisão é absolutamente surpreendente, não tendo dado sequer oportunidade às partes de se pronunciarem sobre tal, como em última ratio se poderia exigir, atento o artigo 149º, n° 5 do CPTA. Assim, é vítreo que o acórdão é nulo por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 668°, n° 1, alínea b) do CPC, o que aqui se invoca para os devidos efeitos legais.

  1. A escalpelização hermenêutica do acórdão, ora, recorrido, descortina equívocos ao nível da subsunção jurídica e descobre contradições manifestas, opostas a nu, quando cotejadas com o sistema jurídico, considerado na sua unicidade.

  2. O presente recurso de revista, preenche os requisitos plasmados no artigo 150°, n° 1 do CPTA.

  3. - A questão (entre outras) que se levam ao douto critério aferidor dos Colendos Conselheiros, reveste importante relevância jurídica e social, além do presente recurso se mostrar muito pertinente para uma melhor aplicação do Direito, em virtude, diz-se com o devido respeito, da vítrea falência do fundamento que escorou o acórdão do TCA Norte, fazendo uma manifesta errada aplicação do Direito, postergando disposições legais, e violando a CRP.

  4. – O art. 73º do RGEU, jamais fundamentou a decisão do Município de Viseu de demolir a casa de habitação do autor. A fundamentação do acto administrativo, centrou-se unicamente na pretensa violação dos artigos 59º e 60º do RGEU jamais tendo imputado ao acto qualquer facto concreto e circunstanciado de violação do art. 73º do RGEU.

  5. O próprio Município de Viseu, veio reconhecer nos presentes autos, que a fundamentação do acto administrativo que ordenou a demolição assentou na violação dos artigos 59º (e não por erro o artigo 53º do RGEU) e 60º do RGEU, conforme cristalinamente se lê nos artigos 8º, 10º, 11º, 25º, 28º e 34º da Contestação.

  6. A aceitar-se (o que não se concede) alguma pretensa violação do plasmado no art. 73º do RGEU então, obrigatoriamente, estava o Município de Viseu vinculado a proceder à audição do interessado, notificando-o, ainda, para proceder aos trabalhos de correcção ou de alteração necessários, para sanar a ilegalidade, como se impunha em qualquer Estado de Direito democrático, em que as decisões administrativas ou judiciais cumprem o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, o que nunca fez; 8ª O aresto do TCA Norte é, ainda censurável porque postergou, em absoluto, o vertido nos artigos 2º e 95º, n.º 2 do CPTA.

  7. Os referidos normativos dão concretização legal ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, no sentido de onerar o Tribunal com o dever de identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, no uso dos poderes inquisitórios. Assim, todos os vícios dos actos administrativos, mesmo aqueles que apenas são fonte geradora de anulabilidade, passa a ser de conhecimento oficioso.

  1. No processo impugnatório não existem tantas causas de pedir, quanto as respectivas causas de invalidade do acto impugnado. O que existe, isso, sim, é uma pretensão anulatória unitária, e como tal, deve ser discutida na plenitude, independentemente dos vícios invocados pelo impugnante.

  2. No processo impugnatório há uma verdadeira inversão das posições processuais das partes, a nível substantivo, figurando a Administração como a titular da pretensão (discussão do bem fundado da pretensão que a Administração faz valer com o acto impugnado), enquanto o particular figura como demandado, para contestar em juízo a posição assumida pela Administração, através da impugnação do acto que por ela foi praticado, invertendo-se a repartição do ónus da prova no processo impugnatório, devendo o acto impugnado ser anulado, sempre que não se demonstre em Juízo que os respectivos pressupostos se encontram preenchidos, sendo sobre a Administração que recai o ónus de demonstrar o preenchimento desses pressupostos.

  3. O objecto processual deve ser considerado com a impugnação do acto administrativo, de forma e em bloco, independentemente do mosaico das eventuais e plúrimas causas que padecerá, constituindo uma única causa de pedir.

  4. O autor impugnou o acto administrativo que ordenou a demolição, referindo que a obra não belisca qualquer disposição legal e regulamentar aplicável, pelo que forçosamente á também estaria incluído o art. 73º do RGEU (vide artigos 4º e 12º da petição inicial) pelo que será descabido afirmar que tal fundamento de demolição (alusão ao art. 73º do RGEU) não foi contemplado pelo autor na sua petição impugnatória.

  5. O autor fez referência à existência de dois caminhos que ladeavam a sua casa de habitação, pelo que este facto, era por si só suficiente para afastar a aplicabilidade do art. 73º do RGEU.

  6. Sustentar como fez o TCA Norte uma interpretação equívoca do disposto no art. 95º n.º 1 do CPTA e postergando o n.º 2 do referido artigo, para fundamentar a procedência do recurso interposto pelo Município de Viseu viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, acolhida no art. 20º da CRP.

  7. Sustentar como fez o TCA Norte uma interpretação do art. 73º, para fazer naufragar a acção impugnatória do autor da ordem de demolição, sem curar previamente das condições para assegurar a conformidade da obra supostamente ilegal com as disposições legais e regulamentares viola os princípios da mais elementar proporcionalidade que deve informar o art. 106º e consequentemente o art. 20º da CRP.

  8. Violou, assim, o douto acórdão em análise o plasmado nos artigos 2º, 95º e 149º do CPTA, art. 73º do RGEU e art. 106º do RJUE e artigos 18º e 20º da CRP.

O Recorrido não contra-alegou.

A Ex.ma Procuradora Geral Adjunta neste Supremo Tribunal interveio nos autos, emitindo parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e ordenada a baixa do processo ao TCA para aí ser conhecida a “eventual invalidade do acto impugnado, no que concerne ao fundamento em que é invocada a violação do art. 73º do RGEU”.

Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

  1. Fundamentação 2.1. Matéria de facto A matéria de facto dada como provada na 1ª instância foi a seguinte: 1 – Em 26/04/1994, deu entrada na CMV um requerimento do Autor com vista à realização de obras de pintura ou limpeza exterior e reparação/ou limpeza do telhado seu prédio urbano, sito em Vale de Ferreiros, 314, em Repeses – cfr. fls. 9 do processo administrativo n.º 227/94.

    2 – Em 27/05/1994 foi o mesmo deferido com as seguintes condições: a) Os trabalhos devem limitar-se apenas ao que é requerido.

    Não podem ser introduzidas alterações.

    Os trabalhos devem ser efectuados no prazo de 30 dias conforme solicitado.” – cfr. fls. 13 do Pa n.º 227/94.

    3 – Em 28/03/95 foi prestada Informação do Departamento de Habitação e Urbanismo (D.H.U.) n.º 598/95, com o seguinte teor: “O requerente efectuou obras que não constavam do presente licenciamento, nomeadamente ampliação da moradia nas partes laterais, com a execução de paredes, pilares, vigas e lajes de préesforçado e ainda a execução de uma varanda, contrariando assim os arts. 1.º a 7.º do RGEU ” – cfr. fls. 28 do pa. n.º 227/94.

    4 – Por decisão de 27/04/95, foi ordenado o embargo das referidas obras e a notificação ao Autor para que paralisasse de imediato os trabalhos, e no prazo de 30 dias, procedesse à sua demolição – mandado de notificação de 22/05/95 e auto de embargo de 05/06/95 – cfr. fls. 29 e 30 do pa. n.º 227/94.

    5 - Em 24/11/95, através de requerimento o...

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