Acórdão nº 1119/04.4TBMFR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução11 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I - AA[1] e mulher BB e CC[2] e mulher DD intentaram contra EE a presente ação declarativa, pedindo que: a) seja declarado que os autores são donos e legítimos proprietários das frações autónomas designadas pela letra “A’” (os primeiros) e pela letra D (os segundos) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado C...., sito no ........, freguesia da ........, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob a ficha n.º ........ (freguesia da ........) e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2678; b) seja declarado que constitui parte integrante do prédio identificado na alínea antecedente o muro centenário de suporte, em pedra, que ladeia o mesmo prédio em toda a sua extensão a poente, incluindo toda a sua área de assentamento e, em particular, a área de 11,2625 m2 assinalada a vermelho na planta topográfica que constitui o doc. 21 anexo ao presente articulado; c) seja o réu condenado a abster-se de executar qualquer obra ou construção no prédio dos autores identificado nas alíneas a) e b) antecedentes; d) seja o réu condenado a demolir todas as construções, qualquer que seja a sua natureza e as suas caraterísticas, incluindo sapatas, muros, paredes e telhados, por si edificadas ou feitas edificar, na área de 11,2625 m2 referida na alínea c) (terá querido dizer-se alínea b)) antecedente ou, a nascente desta última área, no subsolo do prédio dos autores identificado nas alíneas a) e b) deste petitório; e) seja o réu condenado a restituir aos autores a área de 11,2625 m2 referida na alínea antecedente, no estado em que esta se achava antes de nela o réu ter executado as obras mencionadas na alínea d) antecedente, repondo o muro de suporte de terras, em pedra, anteriormente existente e que o réu demoliu; f) seja o réu condenado a indemnizar os autores por todos os prejuízos que, no futuro e em consequência direta e necessária das obras executadas pelo réu no prédio dos autores, estes venham a sofrer, a liquidar em execução de sentença; g) seja o réu condenado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a favor, em partes iguais, dos autores por um lado, e do Estado, pelo outro, a fixar segundo o prudente critério do Tribunal, em quantia não inferior a 50,00 euros, por cada dia de atraso no cumprimento de qualquer das obrigações em que na presente ação o réu venha a ser condenado a cumprir.

Para tanto, alegaram, em síntese nossa, que: - os primeiros autores são donos da fração designada pela letra A e os segundos são donos da fração D de um prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, denominado “O C....”, sito no ........, freguesia de ........, concelho de Mafra; - o réu é proprietário de um outro prédio urbano, sito na Travessa ......., na vila e freguesia de ........, concelho de Mafra, por compra a FF que justificou notarialmente o direito de propriedade, alegando aquisição por doação verbal de seus avós, GG e HH, e por usucapião; - o prédio em que se inserem as frações autónomas dos autores confina, além do mais, a poente com o prédio do réu, sendo que aquele, em toda a sua extensão a poente, é sustido por um muro de suporte de terras em pedra que dele faz parte integrante; - em Fevereiro de 2004 os autores souberam que o réu iniciara no seu prédio obras de demolição da moradia unifamiliar ali existente e de construção de novo edifício, demolindo parte daquele muro e escavando no subsolo do prédio dos autores, onde colocou uma sapata e construiu um muro em betão no lugar no muro de pedra que demoliu, sem que tal lhe houvesse sido autorizado, assim se apossando de uma área com 11,2625 m2, onde implantou parte da sua nova moradia e que passou a ocupar para sua habitação.

Na contestação o réu impugnou factos e disse, além do mais, que: - os seus antecessores haviam construído no local a moradia antiga com a parede tardoz e as fundações dentro do muro de suporte de pedras, muro este que os mesmos reconstruiram em 1985-86; - sobre ele foi construído um muro de alvenaria, sendo este que delimita a propriedade dos autores.

Pediu que fossem julgados improcedentes os pedidos dos autores e reconveio pedindo que: - se condenem os autores a reconhecerem a posse do réu e seus antecessores no direito de propriedade sobre uma faixa de terreno, incluindo solo e subsolo, com 11,35 metros de comprimento e 0,775 metro de largura, sendo de 8,79625 m2 a sua área; ou, ao menos, - se condenem os autores a reconhecerem a sua posse de um direito de propriedade sobre uma faixa de terreno com 0,40 metro de largura e 11,35 metros de comprimento, sendo de 4,54 m2 a sua área, e posse do subsolo numa faixa com 11,35 metros de comprimento e 0,375 de largura, sendo de 4,25625 a sua área; - se condenem os autores a reconhecerem que nessa área de 13,0525 m2 estavam já implantadas as sapatas, as paredes, os pavimentos, os telhados e as chaminés da antiga moradia, cujo direito de propriedade foi adquirido por compra e, antes, por justificação pelo réu e seus antecessores, estando essa área incluída também no respetivo direito de propriedade; - se declare que em consequência da construção da moradia antiga o antigo muro centenário em pedra deixou de existir numa extensão de 11,35 metros de comprimento e de 0.90 metro de largura - se condenem os autores a pagar uma indemnização por litigância de má fé.

Foi admitida a intervenção principal, na parte ativa, de II[3] e mulher, JJ[4], e de KK e mulher LL; e, na parte passiva, de MM, cônjuge do réu.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, considerando haver entre o direito de propriedade dos autores e o direito à habitação dos réus uma situação de colisão de direitos diversos, a resolver, por aplicação do nº 2 do art. 335º do CC[5], pela prevalência do direito destes últimos:

  1. Declarou que os autores são donos e legítimos proprietários das frações autónomas designadas pela letra A e pela Letra D do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, denominado o C...., sito no ........, freguesia da ........, concelho de Mafra, descrito na conservatória do registo predial de Mafra sob a ficha n.º ........ (freguesia da ........) e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2678.

  2. Declarou que constitui parte integrante no prédio identificado na alínea antecedente o muro centenário de suporte, em pedra, que ladeia o mesmo prédio em toda a sua extensão a poente, incluindo toda a sua área de assentamento, em particular, 12,85 metros lineares (11,35 metros da parede tardoz da casa dos RR + 1,5 metro relativo à parede do muro de betão edificada na sequência do desmoronamento de terras), no seu comprimento, e ainda de largura 90 cm no extremo norte e 80 cm no extremo sul; c) Determinou que o réu e sua mulher se abstenham de executar qualquer obra ou construção no prédio identificado nas alíneas a) e b) antecedentes; d) Condenou o réu e sua mulher a demolir o enchimento em betão construído no subsolo da propriedade dos autores e por debaixo do campo de jogos, na direção do lado norte da casa do réu e sua mulher e ainda demolir a casa do gás construída pelos mesmos, contigua à sua casa, do lado norte, também construída dentro da propriedade dos autores; e) Condenou o réu e sua mulher a pagar uma quantia a liquidar em execução de sentença relativa ao valor da área ocupada pelo muro de betão por eles construído e pelas paredes da sua casa, numa extensão 12,85 metros lineares, e ainda de largura 90 cm no extremo norte e 80cm no extremo sul; f) Absolveu o réu e sua mulher do demais peticionado; g) Julgou improcedente por não provada a reconvenção, absolvendo os autores dos vários pedidos contra si peticionados; h) Absolveu os autores do pedido de condenação por litigância de má fé contra si deduzido.

    Apelaram os autores, pedindo a condenação dos réus: 1 – na demolição de todas as construções, qualquer que seja a sua natureza e as suas características, incluindo sapatas, muros, paredes e telhados, por si edificados ou feitos edificar na área do muro centenário de suporte em pedra que ladeia o prédio dos autores a poente, numa extensão de 12,85 metros lineares e, ainda, de largura 90 centímetros no extremo norte e 80 centímetros no extremo sul; 2 – na restituição aos autores da área referida na alínea antecedente, no estado em que esta se achava antes de nela os réus terem executado as obras também mencionadas na alínea antecedente, repondo o muro de suporte de terras, em pedra, anteriormente existente e que os réus demoliram; condenações estas que, sendo acolhidas em consequência do presente recurso, determinam, nesse caso (e só nesse caso) a eliminação da condenação dos réus inserta na alínea e) da estatuição decisória final da douta sentença apelada.

    Apelaram também os réus, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto e pedindo: - a anulação da decisão que indeferiu o pedido reconvencional e a prolação de outra que reconheça e declare adquirida por usucapião a faixa de terreno ocupada pela implantação da casa dos antecessores dos Recorrentes e no direito de propriedade desde 1986/87, ao longo de todo o tardoz da casa, numa extensão de 11.35m lineares e com 40cm de largura; - a anulação da decisão que ordenou a demolição do enchimento em betão construído no subsolo da propriedade dos A.A. e por debaixo do campo de jogos, na direção do lado norte da casa dos R. e da Interveniente, por tal construção ter sido efetuada para garantir a estabilidade do campo de jogos e não ter sido provado que cause prejuízo; - a anulação da decisão que condenou o réu e seu cônjuge a pagar uma quantia a liquidar em execução de sentença, por a área ocupada lhes pertencer em virtude do reconhecimento do pedido reconvencional de aquisição por usucapião.

    Veio a ser proferido pela Relação de Lisboa acórdão que, apesar de divergir da sentença na medida em que entendeu estar configurada uma hipótese de abuso do direito, decidiu: - quanto à apelação dos...

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