Acórdão nº 01775/18.6BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | Frederico Macedo Branco |
Data da Resolução | 25 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A UM, no âmbito da Intimação para a prestação de Informações e Passagem de Certidões apresentada pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior, tendente a que lhe fosse facultada “(...), no prazo máximo de 10 dias úteis, a totalidade da informação solicitada pelo requerente, sob pena de aplicação de sanção pecuniária compulsória” relativa à avaliação de desempenho dos docentes nos anos letivos de 2004 a 2010, inconformada com a decisão proferida no TAF de Braga, em 4 de outubro de 2018, através da qual foi julgado procedente o pedido de intimação, veio a Recorrer para esta Instância em 26 de outubro de 2018, no qual concluiu: “I – A decisão em crise viola o disposto nos artigos 35º e 268º nº2 da CRP, artigos 17º nº1, 18º, e 82º a 85 do Código de Procedimento Administrativo, artigos 3º e 6º da Lei nº 26/2016, de 22 de agosto e os artigos 5º e 6º do Regulamento (EU) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho de 27.04.2016.
II – Pese embora o artigo 268º nº2 da CRP consagrar o direito e acesso aos arquivos e registos administrativos, fá-lo, ressalvando o disposto na lei em matéria relativa à intimidade das pessoas.
III – O artigo 35º nº3 da CRP determina que “é proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excecionais previstos na lei”.
IV – Conforme também dispõem os artigos 17º e 18º do CPA, o direito à privacidade e à proteção dos dados pessoais constituem o limite do princípio da transparência administrativa.
V – O princípio da administração aberta respeita à transparência da atividade administrativa e não as pessoas que têm uma relação com a Administração Pública ou que são trabalhadores em funções públicas.
VI – As disposições do CPA relativas ao direito de informação (artigos 83º a 85º) também impõem como limite, o direito à proteção dos dados pessoais.
VII – O direito à informação e à consulta de processos e passagem de certidões que têm de ser exercidos no estrito cumprimento das disposições legais que regulam a proteção de dados pessoais.
VIII – Qualquer decisão – como aquela em crise – que viola as referidas disposições configurará uma clarmosa violação dos artigos 35º e 268º nº2 da CRP.
IX – Serão dados pessoais qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável, sendo que é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo, um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular (cfr. artigo 4º nº1 do RGPD).
X – Não poderá deixar de ser considerado dado pessoal a identificação de cada docente, bem como o seu posicionamento remuneratório, porque este traduz a sua identidade económica, cultural ou social.
XI – Com o devido respeito, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, que confunde o conceito de dados pessoais com o conceito de dados pessoais sensíveis (artigo 9º do RGPD), estão em causa documentos nominativos.
XII – Os dados pessoais (sensíveis ou não) apenas podem ser recolhidos e tratados numa das situações previstas no artigo 6º do RGPD e sempre em cumprimento dos princípios plasmados no artigo 5º do mesmo diploma.
XIII – No caso sub judice, os dados pessoais dos docentes recolhidos tiveram outras finalidades específicas que não a da sua divulgação a uma associação sindical.
XIV – Não se verificando nenhuma das situações plasmadas nos referidos artigos 5º e 6º do RGPD, a divulgação dos dados pessoais é absolutamente proibida, sob pena da Recorrente incorrer em responsabilidade contraordenacional.
XV – Andou mal o Tribunal a quo ao entender que prevalece o direito à informação e consulta de processos, uma vez que tanto este direito como o princípio da administração aberta encontram o seu limite na privacidade e proteção dos dados pessoais dos titulares dos dados, in casu, os docentes.
XVI – O Tribunal a quo ignorou as normas da LADA que regulam o acesso aos documentos administrativos, porquanto o Recorrido não demonstrou estar munido de autorização, bem como não demonstrou fundadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante para que lhe seja fornecida tal cópia.
XVII – É manifestamente insuficiente o Recorrido alegar a sua condição de associação sindical e dizer que pretende saber quem é que lá consta e qual a sua remuneração, porque os poderes de representação das associações sindicais cingem-se aos dos seus representados e não em relação a todo e qualquer docente.
XVIII – A condição de associação sindical não é um mandato de representação da totalidade dos membros de uma determinada classe, mas só daqueles que escolheram ser representados por aquela determinada associação.
XIX – Não se pode exigir que os docentes aceitem ser representados e vejam os seus dados pessoais divulgados a uma entidade, à qual deliberadamente não se associaram, sob pena de violar a liberdade que os trabalhadores têm em se inscrever ou não num determinado sindicato (cfr. artigo 55º da CRP).
XX – Ainda que existisse interesse direto, pessoal e legítimo, sempre se imporia a ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta.
XXI – A Recorrente é uma instituição de ensino superior em regime fundacional, que, como tal, integra pessoa com relação jurídica de emprego público (a quem será sempre aplicável o Estatuto da Carreira da Docência Universitária) e pessoal admitido nos termos do direito privado (cfr. Artigo 4º do Decreto-Lei nº 4/2016, de 13 de janeiro de 2016 e artigo 85º-A do referido Estatuto).
XXII – A publicidade obrigatória das informações requeridas decorre da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, que, por sua vez, não é aplicável ao pessoal admitido nos termos do direito privado.
XXIII – Face ao exposto, nunca a intimação poderia ter sido julgada procedente, por provada, devendo o recurso ser provido, sendo revogada a douta sentença de fls.. e, consequentemente, absolvendo a Recorrente do pedido.
Nestes termos e nos mais e melhores de Direito que Vossas Excelências tão douta quanto proficientemente suprirão, deve o presente recurso ser provido, sendo revogado a douta decisão de fls… de que se recorre sendo, em consequência, a Recorrente absolvida do pedido, nos termos e com todas as consequências legais.
Assim fazendo Vossas Excelências, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”*O aqui Recorrido/Sindicato, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 30/11/2018, concluindo: “1.ª A sentença recorrida fez correta aplicação da lei e do direito ao caso concreto ao reconhecer o direito do recorrido a ser-lhe prestadas as informações e cedidas as listas solicitadas.
2.ª A sentença proferida pelo tribunal a quo fez correta aplicação e interpretação das normas aplicáveis a situação concreta em especial dos artigos 2.° e 5.° da lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, dos artigos 35.°, n.º 1 e 268.°, n.ºs 1 e 2 da CRP estando, de resto, em conformidade com as decisões judiciais proferidas em situações análogas devendo, por isso, manter-se inalterada.
3.ª O recorrido solicitou à recorrente UM através de ofício datado de 21/02/2018, ao abrigo do principio da administração aberta, inserto no artigo 17.°, n.º 1 do CPA, que determina que "todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas a segurança interna e externa, a investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas." fossem prestadas diversas informações; 4.ª Pedido que foi igualmente apresentado ao abrigo da lei n, 26/2016, de 22 de agosto que acolheu no artigo 2.°, n.º 1 o principio da administração aberta em cumprimento, de resto, dos princípios da transparência e da publicidade; 5.ª A douta sentença recorrida fez a correta aplicação da lei e do direito na medida em que tomou em consideração que o recorrido sindicato nacional do ensino superior lançou mão do presente processo de intimação com o desiderato de efetivar quer o direito à informação quer o direto de acesso aos arquivos e registos administrativos, concretizando, pois, no plano processual, os direitos e garantias consagrados no artigo 268.°, n.ºs 1 e 2 da CRP e regulados nos artigos 82.° a 85.° do CPA e pela lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, por remissão do n.º 2 do artigo 17.° do CPA.
6.ª Em matéria de acesso aos documentos e informações administrativas "(...) a constituição torna claro que a liberdade de acesso é a regra, sendo os registos e arquivos um património aberto da coletividade.". (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in constituição da república portuguesa anotada, volume ii, Coimbra editora, em anotação ao n.º 2 do artigo 268." da CRP, pág. 824), 7.ª O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, constitui um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, consagrados nos artigos 17.° e 18.° da CRP. (neste sentido, ac. do TCA sul datado de 19 de outubro de 2017 no processo n.º 856/ 17.8belra, disponível in www.dgsi.pt) 8.ª As informações sobre se a recorrente UM procedeu à avaliação de desempenho em determinados anos letivos, se na sequência da avaliação atribuiu pontos aos seus docentes, se em resultado daquela avaliação efetuou reposicionamentos remuneratórios, qual o número dos docentes e o montante afeto aos reposicionamentos, não configuram dados pessoais, pelo que não gozam claramente do regime de proteção de dados pessoais, porquanto as matérias ligadas à avaliação de desempenho dos docentes e ao reposicionamento remuneratório...
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