Acórdão nº 208/10.0TBRDD-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelJAIME PESTANA
Data da Resolução28 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 208/10.0TBRDD-B.E1 - 2.ª secção Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora.

Nos presentes autos de execução que o Banco (…), S.A. move a (…) – Sociedade Lusitana de (…) e Granitos, Lda. atingida que foi a fase da venda de bem imóvel por negociação particular, o agente de execução, por considerar ter decorrido o prazo do contraditório, por referência a uma proposta de venda efectuada por (…) e atenta a ausência de contra-propostas ou oposição à mesma, em 25.08.2017 proferiu decisão no sentido de aceitar a proposta apresentada a que se seguiu decisão de adjudicação ao proponente do bem imóvel em causa.

Perante esta decisão, veio o executado requerer a anulação da decisão proferida pelo agente de execução, ao abrigo do artigo 195°, do CPC, alegando, em suma, que o prazo concedido para o contraditório é um prazo processual, pelo que não poderia ter decorrido durante o período das férias judiciais, por se encontrar suspenso, como se verificou nestes autos, A decisão recorrida padece de nulidade (cfr. artigo 195,° do CPC) porquanto configura uma “decisão-surpresa” sobre a qual não foi facultado o exercício do contraditório aos ora Recorrentes – principais prejudicados com a decisão – violando o disposto no artigo 201.º e do artigo 3.º, ambos do CPC.

Foi proferida decisão que deferiu a nulidade arguida e, consequentemente, declarou a nulidade da decisão proferida pelo Sr. A.E., em 25.08.2017; Declarou a nulidade de todo o processado dependente de tal decisão (adjudicação, depósitos, inscrição no registo predial, extinção da execução, pedidos de renovação da instância); Determinou a retoma da tramitação processual no momento prévio à decisão proferida em 25.08.2017, aproveitando-se unicamente a proposta apresentada por (…).

Inconformado, recorreu o adquirente tendo concluído nos seguintes termos: Com efeito, uma nulidade não pode ser deferida sem prévia audiência da parte prejudicada.

Tal consequência é ainda mais gritante se tomarmos em linha de conta que a nulidade deferida pelo Tribunal não assenta em qualquer conduta errática (processual ou substantivamente) dos Recorrentes.

Para além disso, neste caso, o contraditório cruza-se com o princípio da igualdade (cfr. artigo 4.° do CPC), porquanto ora Recorrentes não eram, à data, representados por mandatário, não tendo conhecimento da sua tramitação; enquanto que o outro interessado na aquisição do móvel que era representado pelo mandatário do Executado e tinha acesso a todo o processo via citius. Tendo, de resto, sido o mandatário do Executado a invocar a nulidade deferida.

A violação do princípio do contraditório (cfr. artigo 201.° e 3.° do CPC) configura, assim, uma nulidade susceptível de influir na decisão da causa (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-01-2018), que, apesar de não corresponder a uma das hipóteses previstas no elenco do artigo 615,°, n.º 1, do CPC, deve ser impugnada no recurso de tal decisão (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2009).

Entendimento do Tribunal de que prazo para os sujeitos se pronunciarem sobre a proposta apresentada é um prazo processual que se suspende em férias não tem qualquer assento na lei.

Em primeiro lugar, o prazo de pronúncia dos interessados não se trata de um prazo previsto na lei processual (contrariamente do refere a decisão recorrida).

Aqui está exactamente a pedra de toque que faz cair por terra a fundamentação da decisão recorrida. Com a proposta de aquisição formulada no âmbito de uma venda por negociação particular, por um lado, não se pretende produzir um determinado efeito processual mas sim substantivo e, por outro, não está em causa a prática de um acto em juízo, mas numa negociação que decorre à margem do Tribunal.

Pois, e em segundo lugar, a venda por negociação particular é uma modalidade de venda executiva admitida na lei mas de natureza não processual. É uma venda levada a cabo sem a participação do tribunal,’ nos termos de uma venda privada (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-11-2015).

Em terceiro lugar, a venda por negociação particular vem prevista na lei processual (cfr. artigos 932.º e 833.º do CPC) mas o Código é omisso na sua regulamentação, cabendo ao Encarregado da Venda determinar os seus trâmites.

Essas formalidades e prazos não são para realizar no próprio Tribunal mas à margem deste, em negociação particular.

Aliás, esta modalidade de venda pode decorrer fora do Tribunal e sob a condução de uma entidade civil não adstrita a trâmites processuais que não os legalmente previstos.

Em quinto lugar, não têm aplicação no presente caso os Acórdãos citados pelo Tribunal e pelo Executado porquanto em qualquer um deles está em causa uma venda judicial e não uma venda por negociação particular, à qual, como vimos, não se aplicam, nem sequer supletivamente as normas referentes à venda mediante propostas por carta fechada.

Em sexto lugar, é o encarregado da venda que deve assegurar o direito de contraditório dos interessados e fixar um prazo para exercício de tal direito.

Em sétimo lugar, no presente caso foi sempre cumprido o contraditório, o que nem sequer foi posto em causa pelo Executado ou pelo Tribunal.

Em oitavo lugar, o outro interessado (…), por intermédio do mandatário do Executado, chegou a formular proposta de aquisição durante o período das férias judiciais, a 31 de Julho de 2017(!), pelo que parece ter dois pesos e duas medidas.

Pelo exposto, não se poderá considerar o prazo de 10 dias concedido pelo AE para pronúncia sobre as propostas de aquisição realizadas no âmbito de uma venda por negociação particular como sendo um prazo processual mas antes um prazo civil (cfr. artigo 279.° do Código Civil), podendo ser validamente praticado durante as férias judiciais.

Ainda que se considerasse que o prazo para pronúncia sobre as propostas é um prazo processual, o que não se concede, sempre se dirá que jamais conduziria a invalidade do contrato de compra e venda celebrado por escritura pública de 11/12/2017.

Pois, aspecto de assaz importância, o negócio de compra e venda celebrado por escritura pública de 11/12/2017 não é susceptível de ser anulado por aplicação de uma norma estritamente processual como é o caso do artigo 195.° do CPC.

Para além disso, a decisão de anulação da venda viola o princípio da proporcionalidade uma vez que trará prejuízos significativamente maiores que o benefício que que se pretende obter.

Como resulta dos autos, os ora Recorrentes foram notificados da decisão de venda do AE bem como da certidão para realização da Escritura Pública em momento anterior ao requerimento do Executado a invocar a nulidade da decisão de venda e como não eram partes no processo nem estavam, à data, representados por mandatário, deste requerimento não foram os ora Recorrentes notificados nem lhes foi dado conhecimento.

Os Recorrentes cumpriram, assim, o exigido pelo AE e procederam ao pagamento dos impostos devidos pela aquisição do imóvel, ao depósito de 5% do preço e à realização das demais diligências tendentes à plena aquisição do imóvel, sem ter qualquer suspeita que a ‘alidade da sua aquisição estava a ser posta...

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