Acórdão nº 294/15.7T8EPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelALEXANDRA ROLIM MENDES
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1 - Os recursos ordinários pressupõem o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu, não sendo meio para obter decisões novas.

2 – O enriquecimento sem causa não é suscetível de conhecimento oficioso, pelo que, invocado o mesmo apenas em sede de recurso, estamos perante uma questão nova sobre a qual o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se.

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: O. M., portadora do NIF …, e A. M., portadora do NIF …, com domicílio na Av. …, Freguesia de …, Esposende, intentaram a presente ação declarativa comum contra “X, Lda.”, sociedade comercial titular do NIPC …, com sede na Rua …, Esposende, pedindo que se considere a R. responsável pelos defeitos resultantes da empreitada aludida na p.i., nomeadamente os descritos nos arts. 8.º e 9.º e no doc. n.º 3 e, em consequência:

  1. Se declare resolvido o contrato de empreitada por incumprimento definitivo e culposo da R.; b) Se condene a R. a indemnizar e compensar as AA. pelos seguintes danos e prejuízos: i. na quantia necessária para contratação de terceiro para eliminar os defeitos da obra, em quantia a liquidar, mas não inferior a 8.000 €, acrescida de IVA, à taxa legal em vigor, e eventualmente agravada pelo custo da reparação que a degradação tiver entretanto causado ao edifício; ii. na quantia a fixar equitativamente, mas não inferior a 600 €/mês desde Julho de 2014 (data do incumprimento) até à eliminação dos defeitos e reinício da obra, pela privação do uso da moradia; S iii. nas quantias a liquidar, mas não inferiores a 750 €, relativas à obtenção de relatório de inspeção técnica dos defeitos, e 250 €, relativa ao custo de renovação da licença camarária de obras.

  2. Em consequência do incumprimento definitivo e culposo por parte da R., pedem ainda a condenação desta a restituir às AA.: i. a quantia de 4.439,17 €, correspondente à percentagem de adiantamento relativo a serviços pagos mas não executados pela R.; ii. a quantia a liquidar, mas não inferior a 2.000 €, relativa aos estores elétricos pagos mas não colocados; iii. a quantia a liquidar, mas não inferior a 300 €, relativa a serviços e materiais pagos mas não colocados nas varandas; iv. as chaves e comandos da moradia e portões.

    Tudo acrescido de juros de mora civis, contados desde a citação até efetivo pagamento.

    Alegaram, sumariamente, terem celebrado com a R., em 2011, um contrato de empreitada de construção de uma moradia, na Rua de …, Esposende, pelo preço (s/ IVA) de 198.561,22 €, tendo pago àquela 10% do preço, ou seja, 19.856,22 €, a título de entrada/adiantamento, para ser parcialmente descontado nas faturas e pagamentos que fossem sendo realizados.

    A R. realizou parcialmente a obra, tendo-lhe sido pagos os trabalhos efetuados. Em Junho de 2014, as AA. apercebendo-se de diversos e visíveis danos estruturais no edifício, interpelaram a R. para os reparar. Porém, apesar das várias interpelações a R. nunca procedeu às reparações.

    Pretendem as AA. que se declare definitivamente incumprido o contrato, por culpa da R., e resolvido, condenando-se esta a restituir os valores recebidos correspondentes a trabalhos não efetuados e a indemnizar as AA. pelos prejuízos sofridos.

    Devidamente citada, a R. contestou, por impugnação, invocando que a obra esteve parada por motivo exclusivamente imputável às AA.; que parte dos defeitos surgiram por alterações ao projeto introduzidas por vontade exclusiva das AA.; e a que estas nunca permitiram que a R. reparasse os defeitos verificados.

    Entretanto, as AA. apresentaram um articulado superveniente, referindo a realização por terceiros, a seu mando, de obras de eliminação dos defeitos, e apresentando o seu custo.

    *Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.

    Inconformadas vieram as Autoras recorrer formulando as seguintes Conclusões: 1ª – “Se uma decisão seja, aos olhos de um leigo, intolerável, não poderá estar correta”. Errou a Sentença “a quo” ao absolver a Ré de todos os pedidos formulados pelas AA, quer quanto à matéria que deu factualmente como provada, quer quanto à sua interpretação jurídica. Apesar de concluir que a Ré se locupletou com quantias de adiantamentos de serviços não prestados e apesar de a considerar a Ré, ao menos, parcialmente responsável pelos defeitos ocorridos… nada daí concluiu, deixando as AA., meras consumidoras, à mercê dos abusos que a Ré, empreiteiro, foi realizando.

    DE FACTO I-A – DO ELENCO DOS FACTOS PROVADOS 2ª – Declarando o funcionário da Ré (J. R.) que “No entanto, a obra não foi terminada. Na parte interior, só tinha aplicado o primário. Faltava uma demão de tinta e passar lá o carpinteiro.”, tendo a testemunha M. A., terceiro contratado pelas AA., dito, quando perguntado se teve que pintar o interior da moradia, que “teve que se pintar todo porque ele não estava pintado”, considerando ainda os documentos 44 a 46 juntos pelas AA. em 28.11.2017, e nada mais se tendo dito quanto a tal facto para além das palavras do gerente da Ré, então será forçoso dar o facto 5 (do elenco dos factos provados) como não provado.

    3ª – Quanto aos factos provados 6, 7 e 8, relativos à suspensão da obra alegadamente ordenada pela A., professora O. M., errou o Tribunal ao dar como provado que a suspensão abrangeria o exterior da moradia pois que as únicas testemunhas que abordaram a questão (Eng. A. R., Eng. P. L. e J. R.) afirmaram desconhecer a razão da paralisação da obra.

    4ª – Se a única prova existente, e na qual o Tribunal se terá baseado, foi apenas o livro de obra subscrito pelo próprio gerente da Ré, donde consta o registo/entrada de 23.9.2013 com a expressão “não foram observados trabalhos sendo que se mantém o mencionado nas informações anteriores. Dona de obra informou que ainda não adjudicou os trabalhos de carpintaria. Desta forma não há data definida para o início dos mesmos”, então daí o Tribunal apenas poderia concluir que a suspensão apenas abrangeria a carpintaria no interior da casa mas não já na parte exterior do edifício.

    Em consequência, deveria (e deverá) forçosamente declarar-se na resposta a tais itens provados (6, 7 e 8) que a suspensão pedida o foi apenas e tão só relativamente à parte de carpintaria e que não pretenderia parar com as obras de exterior, nomeadamente nas fachadas.

    5ª – Sem prejuízo de que o livro de obra, que esteve na posse e foi sempre assinado pelo gerente da Ré, padece de várias irregularidades (contém informações erradas, está visivelmente adulterado em algumas das suas entradas, pela diferente cor das canetas e está assinado pelo Eng. A. R. que, em audiência, concludentemente afirmou que não acompanhou a obra) não se deixa de reforçar que o mesmo expressa – como o gerente da Ré o confirmou em audiência – fielmente o que se passou em obra, isto é, constitui prova plena, porque confessória, dos factos aí constantes.

    6ª – A 2ª parte do facto provado 13 (desde “ao inacabamento” até ao fim) encontra-se errada, porque não provada, e em contradição com os factos provados 11 e 12: 7ª – Baseando-se no relatório pericial ordenado pelo Tribunal e no relatório pericial técnico junto como doc. 3 na PI, o Tribunal confundiu “defeitos iniciais” com “consequências desses defeitos iniciais” ou “consequências de paralisação de obra”, não os distinguindo e dando-lhes igual tratamento o que se revela ser errado pois que a questão axial será a questão de saber de quem é a responsabilidade pela não remoção atempada dos defeitos iniciais” (aqueles que são “verdadeiros” defeitos) 8ª – Defeitos como (1) falta de aplicação do capeamento da cobertura dos muretes em zinco, (2) falta de remate da manta geotêxtil e de isolamento em todas as coberturas da moradia, (3) falta de impermeabilização e falta de escoamento das sacadas e varandas e (4) fissuração das fachadas, algumas delas estruturais, (factos provados 11) nada têm a ver com a “ação do tempo” causada pela paralisação da obra: 9ª – A falta de capeamento dos muretes em zinco está demonstrada pelo doc. 1 (contrato de empreitada) junto com a PI e confessada pela Ré em ata de audiência de 18.9.2018, isto é, foi contratado, pago e não foi colocado pela Ré (incumprimento) pese embora seja manifesta (e demonstrada pelo relatório pericial judicial e pelo relatório de doc. 3 PI) a sua importância para a prevenção de infiltrações no edifício.

    10ª – A falta de impermeabilização e falta de escoamento das sacadas e varandas está bem patente do testemunho de M. A. que a presenciou e a confirmou perentoriamente pois que, de resto, é a única conclusão que de bom senso se poderá retirar no caso, independentemente das varandas serem ou não acessíveis a pessoas: Nas palavras da testemunha “Quer fosse de uma forma ou de outra, a água tem que ter escoamentos… tem que ter saídas” ou ainda “Então faz-se uma terraça, mete-se telas e deixa-se andar… bem… isso não é uma sacada, é um tanque!” 11ª – A existência de fendilhação ou fissuras em todas as fachadas exteriores do edifício, consecutivamente remendada pela Ré – mas sem sucesso – nada tem a ver com ação do tempo pois que, como demonstrado pela prova testemunhal “nós como profissionais sabemos o que é o tempo e o que é das paredes. Uma obra pode estar uma vida sem rachar sem estar pintada e não ter rachadelas, rachas, não ter fendas, fendilagem. Não tem nada a ver uma coisa com a outra.” 12ª – Será assim forçoso que tal importante facto 13 passe a ter a seguinte redação: “13. Os defeitos ficaram a dever-se à conjugação dos seguintes fatores: falta de aplicação e uso desadequado de alguns materiais por parte da R; sendo que o inacabamento da obra, nomeadamente na sua parte exterior e o decurso do tempo e sujeição das paredes sem pintura e tratamento prévio à ação das chuvas contribuíram para o surgimento de outros defeitos, isto é, as consequências acima descritas em facto 12 [arts. 11.º da p.i. e 23.º e 26.º da contestação].” 13ª – Não se poderá dar como provado que a Ré...

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