Acórdão nº 4668/17.0T8CBR.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 2019
Magistrado Responsável | PEDRO DE LIMA GONÇALVES |
Data da Resolução | 26 de Março de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I. Relatório 1.
AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo que: 1) Se declare que o Autor é dono e legítimo possuidor do prédio urbano que se destina a habitação e se compõe de rés-do-chão e 1º andar, sito na rua de [...] , que confronta de Norte, com Estrada nacional, Sul com BB, Nascente com BB e Poente com DD, com a área coberta de 238 m2 e a área descoberta de 467 m2, que corresponde ao artigo matricial urbano nº ..., da União de Freguesias de ... e ..., por além do mais o ter adquirido por usucapião; 2) Se ordene o cancelamento de todas as inscrições, hipotecas e penhoras e/ou outras, registadas na Conservatória do Registo Predial que ofendam a posse e a propriedade do Autor por, além do mais, serem ineficazes; 3) Se ordene a correção da inscrição que consta da caderneta predial do referido prédio urbano inscrito na matriz sob o nº ... da União de Freguesias de ... e ..., concelho de ..., passando da mesma a constar que o referido prédio que se destina a habitação e se compõe de rés-do-chão e 1º andar, sito na rua de [...], confronta a Norte, com Estrada nacional, a Sul com BB, a Nascente com BB e a Poente com DD, tem uma área total de 705 m2, a que corresponde a área coberta de 238 m2 e a área descoberta de 467 m2, conforme consta do levantamento topográfico que se juntou sob o documento nº 5.
Alega, em síntese, que: - nasceu em 23/3/1984, sendo filho dos Réus que são proprietários de um prédio rústico referente ao artigo matricial sob o n.º 28.º da freguesia de ..., ..., onde construíram uma casa de habitação, que inscreveram como prédio urbano fiscalmente, então sob o art. 341.º e actualmente 272.º da União de freguesias de ... e ...; - esse prédio não tem atualmente a área, configuração ou confrontações que constam na caderneta predial e encontra-se há muito separado e delimitado do anterior prédio rústico; - em 1983 os Réus começaram a habitar o dito prédio, nele residindo e realizando todos os atos materiais de posse.
- em julho de 1995 os Réus, perante a restante família e com o acordo de todos os filhos, doaram verbalmente a casa ao Autor, logo lha entregando, passando o Autor a ocupar e usufruir o prédio como sua propriedade, doação sem qualquer ónus ou encargo, que os seus pais aceitaram em sua representação em 1995 e que o Autor confirmou no dia em que perfez 18 anos, sendo que desde 1995 o Autor e, posteriormente ao seu casamento, também a sua esposa, ali tomam refeições, confeccionam as mesmas, pernoitam e realizam a higiene diária, têm residência e mobílias, efectuam limpezas domésticas, recebem familiares e amigos, estacionam os veículos no logradouro, recebem correspondência, à vista de toda a gente, incluindo os pais, pacificamente, de boa fé, sem oposição de quem quer que seja e na convicção de exercer tais actos sobre coisa sua, como legítimo e exclusivo proprietário, invocando em seu favor a usucapião; - em 2011, o Autor rogou aos seus pais a legalização de tal doação, o que aqueles recusaram, afirmando serem ainda os donos da casa, recusa que mantêm até hoje.
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Citados, os Réus não apresentaram contestação.
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Foi proferida sentença que julgou improcedente a ação, tendo absolvido os Réus dos pedidos formulados.
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Não se conformando com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação.
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O Tribunal da Relação de ... veio a negar provimento ao recurso.
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Inconformado com tal decisão, o Autor interpôs recurso de revista, dita excecional, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. A A questão em apreço nos autos versando sobre o instituto da Prescrição, mais concretamente a prescrição aquisitiva ou Usucapião, através da qual é consagrada a faculdade de coartar o direito de propriedade, fundando-se na inércia do titular do direito, reveste por si uma manifesta e notória relevância social e jurídica, sobretudo atendendo, além do mais, às consequências que podem resultar da sua verificação e/ou inexistência e que se repercutem na vida dos cidadãos.
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Sucede, que na concreta questão em dissídio - de saber se as causas de suspensão da prescrição são de conhecimento oficioso - existem diversas interpretações jurisprudenciais das mesmas normas jurídicas, que impedem a existência da segurança e certeza jurídicas necessárias à boa aplicação do direito.
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Nomeadamente a decisão de o acórdão sub judice considerar que as causas de suspensão da prescrição são de conhecimento oficioso, é contraditada por diversas decisões judiciais, incluindo do próprio Supremo Tribunal de Justiça, no processo nº637/09.2YFLSB, relatado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Alves Velho, datado de 20/01/2010, disponível in dgsi.pt e mesmo do próprio tribunal da Relação de ..., no processo nº15/08.0TBAGN.C1, relatado por Exmo. Sr. Desembargador Falcão de Magalhães, ambos disponíveis em www.dgsi.pt e que se juntam para todos os devidos e legais efeitos (docs.1 e 2); 4ª. Como tal, atentas as divergências jurisprudenciais existentes no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, entende o recorrente que se verificam os pressupostos de admissibilidade do presente recurso excecional de revista, o que expressamente se requer para todos os devidos e legais efeitos.
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In casu, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ..., foi julgado totalmente improcedente o recurso apresentado pelo Autor, tendo entendido o Exmo. Sr. Desembargador Relator que tinha andado bem o tribunal de primeira instância ao apreciar oficiosamente, apesar da revelia dos réus, a causa de suspensão da prescrição, prevista na alínea b) do art. 318° do CC, aplicável à usucapião ex vi art. 1292,° do CC.
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Todavia, não pode o Autor concordar com tal decisão, porquanto ao consagrar o instituto da prescrição, no caso a prescrição aquisitiva ou usucapião, o legislador quis criar a necessária segurança jurídica e certeza do direito, adequando a realidade formal (no caso da situação jurídica do imóvel) à realidade material e quis também expressamente defender o interesse particular do devedor, enquanto imperativo de justiça, decorrente da inércia ou negligência do titular do direito.
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Contudo, sabendo que tal instituto imporia uma limitação ao direito à propriedade do titular primitivo, o legislador consagrou como pressupostos indispensáveis à aquisição por usucapião a verificação dos elementos constitutivos da posse e o decurso do tempo, a alegar e provar por quem dela pretenda beneficiar, e ainda nesse conspecto, consagrou no art. 303,° do CC, aplicável por via do art. 1292,° do CC à usucapião, que "o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita." 8ª. Sendo processualmente configurada como uma exceção perentória, impeditiva do direito do Autor/Credor, o legislador expressamente consagrou que a prescrição não é de conhecimento oficioso, ao contrário do que sucede, por regra, com o conhecimento das exceções perentórias.
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Levando em consideração que, no caso concreto, o Autor invocou a aquisição do imóvel por usucapião, as causas de suspensão são configuradas legalmente como uma exceção perentória, impeditiva da realização do direito invocado pelo Autor, funcionando como uma verdadeira contra-exceção.
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Ora, por maioria de razão, se a apreciação da prescrição enquanto exceção perentória, depende da sua expressa invocação por aquele a quem aproveita, o conhecimento das causas de suspensão, enquanto exceção perentória da própria exceção de prescrição, não pode deixar de ter a mesma natureza e o mesmo regime, obrigando à sua expressa invocação por aquele que se pretende aproveitar das mesmas.
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E desta interpretação não podemos afastar a própria génese do instituto que foi criado com o intuito de sancionar (e não premiar) a inércia do titular primitivo do direito.
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Acresce que, no caso concreto, assim também o impõem as regras do ónus da prova, porquanto tratando-se de um facto impeditivo sempre caberia ao Réu, nos termos do nº2 do art. 342.° do CC, alegar e provar a existência da referida causa da suspensão.
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Não tendo os Réus sequer alegado a existência de uma causa suspensiva da usucapião, nomeadamente não tendo sequer os Réus...
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