Acórdão nº 7590/15.1T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Fevereiro de 2019
Magistrado Responsável | MARIA DO ROSÁRIO MORGADO |
Data da Resolução | 21 de Fevereiro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.
"AA - ACTIVIDADES HOTELEIRAS, S.A.." intentou ação declarativa de condenação contra "BB, S.A.", pedindo que: a) Seja declarado nulo o contrato-promessa celebrado entre a autora e a ré, por ilegal, com as cominações legais; b) Seja devolvido à autora aquilo que a ré recebeu, com a devida correção monetária, acrescido de juros mora vincendos após citação e até integral pagamento.
Subsidiariamente: c) Seja declarado o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda por causa imputável à ré; d) Seja a ré condenada a pagar-lhe uma “indemnização correspondente ao dobro dos valores entregues a título de sinal e reforço de sinal, no valor de € 820 000, 00, acrescidos de juros moratórios vincendos até integral pagamento.”.
Em qualquer dos casos, pediu ainda que, depois da citação da ré, os juros fossem capitalizados nos termos e por força do disposto no artº 560º, nº1, do C.C..
Para tanto, alegou, em síntese, que: Em 12.7.2010, a autora, como promitente compradora, e a ré, como promitente vendedora, celebraram contrato-promessa de compra e venda tendo por objeto um determinado imóvel, tudo nos termos e condições constantes do doc. de fls. 59-61v.
Sucede que, posteriormente, a autora veio a apurar que o imóvel prometido vender não possuía as características que lhe tinham siso assinaladas pela ré, e que foram determinantes para a formação da vontade de contratar da autora, pelo que perdeu o interesse na aquisição do imóvel.
Além disso, o imóvel é inalienável, por integrar o domínio público do Estado, sendo, por conseguinte, nulo o contrato-promessa celebrado entre as partes.
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A ré contestou, pugnando pela improcedência da ação, tendo, em síntese, alegado que: A ré é a legítima proprietária do imóvel a que os respeitam, estando a respetiva aquisição registada a seu favor na CRP.
O referido imóvel integra o domínio privado do Estado.
Ainda que o imóvel prometido comprar/vender se situe nas margens do mar e ainda que, por isso, o Estado pudesse beneficiar da presunção da sua dominialidade pública, o contrato-promessa celebrado entre a A./promitente compradora e a Ré/promitente vendedora não seria nulo por impossibilidade física ou legal do objeto, visto que do contrato-promessa celebrado entre as partes, dotado de eficácia meramente obrigacional, não decorre transferência da propriedade da coisa, limitando-se as partes a obrigar-se à celebração futura do contrato prometido.
Inexiste fundamento para a autora resolver o contrato, por alegada perda de interesse em contratar.
Em face disso, a ré interpelou a autora para proceder à marcação da escritura pública de compra e venda do imóvel, no limite, até dia 31/7/2011, sob pena de considerar, para todos os efeitos, não cumprida essa obrigação.
Porém, a A. não procedeu à marcação da escritura até 31/7/2011, nem posteriormente.
Assim, por carta datada de 9/8/2011, a ré comunicou à autora a resolução do contrato-promessa celebrado entre as partes.
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Na 1ª instância, realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação procedente, declarou a nulidade do contrato-promessa celebrado entre as partes e condenou a ré a devolver à autora a quantia de EUR 410.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
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Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, revogando a sentença, absolveu a ré do pedido de condenação formulado a título principal (restituição da quantia que lhe foi entregue pela Autora/Apelada a título de sinal – EUR 410 000,00 -, acrescida de juros de mora às taxas legais, desde a data da citação até pagamento), bem como do pedido subsidiário (condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao dobro dos valores entregues a título de sinal e reforço de sinal, no valor de EUR 820.000, 00, acrescidos de juros moratórios vincendos até integral pagamento).
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Irresignada, veio a autora interpor a presente revista, formulando as seguintes conclusões: 1. O imóvel objeto do contrato-promessa, sobre o qual foi peticionada a declaração de nulidade, confronta com o mar, conforme resulta das confrontações insertas na certidão do registo predial junta aos autos, pelo que, incide sobre ele a presunção - embora ilidível - de que se encontra no denominado Domínio Público Hídrico.
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Logo trata-se de um imóvel que integra o domínio público - Lei 54/2005, de 15 de novembro.
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O artigo 202.°, n°2 do Código Civil prevê que estão fora do comércio todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público.
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A condição jurídica do imóvel afeta a validade do contrato-promessa ab initio, determinando a sua nulidade do acordo, conforme disposto no artigo 401°, n° 1 do Código Civil.
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O facto de o imóvel (objeto mediato do contrato-promessa) ser insusceptível de ser objeto de relações jurídicas privadas, gera a nulidade originária e acarreta a impossibilidade objetiva da prestação imediata, ou seja, impede a celebração do contrato definitivo.
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Sendo o objeto mediato do contrato uma prestação ilegal e impossível a correspondente obrigação não se constituiu validamente.
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A prestação debitória tem de ser possível, legal e lícita. Não sendo, como não o é, aquele contrato-promessa que tem por objeto um imóvel fora do comércio jurídico, tal circunstância determina a impossibilidade de se constituir a obrigação e, em consequência, gera a nulidade originária.
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Ao contrário do que acontece num contrato-promessa de bem futuro, em que a prestação debitória é lícita, legal e possível, sendo que é a parte que carece de legitimidade ou capacidade, mas que a lei excecionalmente, admite como válido, ocorrendo nulidade superveniente, caso a parte não venha a adquirir a legitimidade ou capacidade.
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O facto de se alegar que o contrato-promessa tem eficácia meramente obrigacional e que, consequentemente, a realidade jurídica do imóvel prometido vender em nada afeta a validade substantiva do contrato-promessa, porquanto até à data da celebração do contrato prometido pode adquirir as características que faltavam ao objeto à data em que foi celebrado o contrato-promessa, é juridicamente irrelevante para o caso em discussão.
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Porquanto a sanação do vício, pressupõe que a ordem jurídica permita a constituição da obrigação.
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E a lei impede a constituição de uma obrigação, no ato da assinatura de um contrato-promessa, quando estamos perante um objeto mediato ilegal, impossível ou ilícito, ainda que, o vício no futuro pudesse vir a ser sanado.
Veja-se nesse sentido o Professor Galvão Teles e o Professor Almeida e Costa: Tal indubitavelmente não ocorre quando “a prestação se traduza numa conduta que a lei proíba por ofensiva de um dever, como furtar ou difamar" (in Direito das Obrigações, Galvão Telles, 7ª edição, pág. 46). "Exige-se que a prestação seja realizável, pois ninguém pode considerar-se obrigado ao que não é susceptível de cumprimento... Ainda sob outra perspectiva a impossibilidade diz-se física ou legal, conforme resulta da própria natureza das coisas ou decorre da lei. A prestação é fisicamente impossível se consiste em ato materialmente Irrealizável...; legalmente impossível se consiste em ato jurídico que a lei fere de invalidade" (in Direito das Obrigações, Galvão Telles, 7a edição, pág. 46).
Também, nesse mesmo sentido, leia-se Almeida Costa (in Noções de Direito Civil, 2ª edição, pág. 142) que: aparece-nos como primeiro requisito da prestação debitória o de que esta seja física e legalmente possível (art. 280° n° 1). Mas a impossibilidade da prestação pode ser originária ou superveniente, conforme exista na altura da constituição do vínculo obrigacional ou sobrevenha depois. A primeira impede que a obrigação nasça, ao passo que a segunda apenas obsta ao cumprimento (art. 790° e segs.
(...) "sendo indiferente que se trate de uma impossibilidade de desaparecer mais tarde" (Almeida Costa, mesma obra e página).
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Não existindo obrigação, porquanto a lei determina a nulidade originária de contratos cuja prestação seja ilegal ou impossível, como é o caso do contrato-promessa que tem por objeto um imóvel fora do comércio jurídico, não podemos qualificar como obrigacional ou real uma obrigação que não existe.
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Caso se aderisse ao raciocínio defendido pelo Tribunal a quo, admitindo que a falta de "característica" do objeto do contrato-promessa poderia ser suprida até à data do contrato definitivo, equiparando ao contrato-promessa de um bem futuro, tal entendimento esvaziaria completamente as soluções jurídicas consagradas para o regime da nulidade originária.
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A nulidade originária tem efeito retroativo e coloca as partes no estado em que se encontraria caso não tivessem celebrado o contrato-promessa.
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Mais, dos factos provados, não resulta que fosse possível obter a desafetação do domínio público ou reconhecimento da propriedade privada, como erradamente presumiu o douto acórdão recorrido.
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Resulta provado exatamente o contrário: que o imóvel integra o domínio público hídrico e que o terreno onde se encontra construído o AA foi adquirido por particulares ao Estado - Câmara Municipal de … - em 1872.
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Não tendo a Recorrida logrado provar que em 1864 o imóvel se encontrava no domínio privado e, portanto, em condições de lhe ser reconhecido a propriedade privada.
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Mas, e ainda que por mero dever de patrocínio, e sem conceder, se aceitasse que estamos perante um contrato-promessa válido, ainda assim, a Recorrida não estaria em condições de obter a desafetação do domínio público hídrico ou reconhecimento da propriedade privada.
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Ainda que Recorrida demonstrasse, como resulta da certidão camarária, que o imóvel se encontra...
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