Acórdão nº 1042/07.0TBSCR.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Março de 2019
Magistrado Responsável | PEDRO DE LIMA GONÇALVES |
Data da Resolução | 19 de Março de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I. Relatório 1.
AA e mulher, BB, vieram propor, contra CC, DD, entretanto falecida e representada pelos seus sucessores habilitados, EE, FF, GG e HH, estes últimos menores, representados por II, JJ e mulher, KK, acção com processo ordinário, pedindo que: - os Réus sejam condenados a reconhecer que as duas porções de benfeitorias rústicas, uma com a área de 1.240 m2, inscrita na matriz sob o artigo …, da secção AM, localizada no ..., freguesia e concelho de ..., a confrontar do Norte com LL, Sul com MM, Leste com NN e Oeste com MM, e outra com a área de 530 m2, inscrita na matriz cadastral sob o artigo …, da secção AM, localizada ao dito ..., freguesia e concelho de ..., a confrontar do Norte com OO, Sul com PP, Leste com a ... e Oeste com QQ, implantadas sob parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº…, da freguesia de ..., são sua propriedade; -lhes fosse reconhecido o direito de preferência, ou seja, que têm direito de haver para si as parcelas de terreno referidas com as mesmas áreas e confrontações das benfeitorias invocadas no pedido anterior, parte a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº…da freguesia de ..., substituindo-se aos Réus JJ e mulher, KK, na escritura de compra e venda exarada no Cartório Notarial do Dr. RR, a fls.51 a 53, do livro-A, na parte em que se refere àquelas porções de terreno, mediante o depósito do respetivo preço proporcionalmente considerado – 9 681,90 euros, acrescido das despesas de escritura e registo no montante de 1 030,78 euros, ou outro que se vier a apurar a final; - os Réus JJ e mulher, KK, fossem condenados a entregar-lhes as parcelas de terreno objeto da presente ação.
Alegaram, em síntese, que: - são donos das referidas porções de benfeitorias por as terem adquirido por morte dos avós e pais do Autor marido, em inventário, sendo certo que, por si, pelos seus antecessores e representantes, sempre as possuíram por mais de 20 anos, à vista de todos, sem oposição e de forma ininterrupta, como se exercessem direito próprio; - por escritura outorgado no passado dia 22.11.2005, o prédio rústico colonizado onde as referidas parcelas de terreno se incluem, com a área total de 12 240m2, que fazia parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº…, da freguesia de ..., foi vendido aos Réus JJ e mulher, KK, pelo preço global de 67 046,10 euros, ou seja, pelo preço de 5,47 euros ao m2; - apesar da lei da colonia e até das regras gerais de compropriedade lhes conferir o direito de preferência, que pretendem exercer, a verdade é que os vendedores não lhes deram conhecimento do projeto de venda e das respetivas cláusulas.
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Citados, os Réus apresentaram contestação, tendo os Réus JJ e mulher, KK deduzido reconvenção, pedindo que fosse declarado extinto o contrato de colonia, que eventualmente tenha existido a favor dos Autores sobre as referidas parcelas de terreno.
Na contestação, defenderam-se por exceção, invocando a caducidade da ação, porquanto os Autores já têm conhecimento da venda em causa há mais de 1 ano, e por impugnação, alegaram que a lei, embora os possa reconhecer como colonos não lhes confere qualquer direito de preferência, o que a existir implicaria a compra da totalidade do prédio, pelo preço efetivamente pago, sendo certo, no entanto, que não exercem qualquer posse sobre as parcelas em causa.
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Os Autores replicaram.
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Findos os articulados, foi lavrado despacho saneador; foi selecionada a matéria de facto, fixando-se os factos assentes e a base instrutória.
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Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou os Réus CC e SS, DD e JJ e mulher KK a reconhecer que as duas porções de benfeitorias rústicas são propriedade dos Autores AA e mulher, BB, declarar parcialmente nula a escritura pública , na parte referente às parcelas de terra e, consequentemente, devendo os Réus JJ e mulher, KK, a restituí-las às suas anteriores proprietárias, CC e SS e DD, e devendo estas também em consequência dessa nulidade restituírem aos Réus JJ e mulher, KK, a respetiva parte do preço, no valor de 9 681,90 euros; julgou improcedente o pedido reconvencional.
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Não se conformando com esta decisão, vieram os RR. habilitados, GG e HH, interpor recurso de apelação.
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A Relação de Lisboa veio a negar provimento ao recurso.
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Inconformados com tal decisão, os RR. habilitados, GG e HH interpuseram recurso de revista.
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O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de fls. 540/550, veio a anular o Acórdão recorrido, com fundamento em omissão de pronúncia.
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O Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir nova decisão, negando provimento ao recurso.
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Inconformados com tal decisão, os RR. habilitados, GG e HH vieram interpor, novamente, recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. O Supremo Tribunal de Justiça proferiu o douto Acórdão de 17 de abril de 2018, considerando não respondidas as questões suscitadas pelos recorrentes – extinção constitucional e legal do regime e dos contratos de colonia, perda da natureza real do direito do colono e consequente reconhecimento de um direito que a lei extinguiu, inexistência de cultivo direto, não exercício tempestivo do direito potestativo de exigir a remição, violação do contrato de arrendamento rural pelo benfeitor, inexistência de norma legal que consinta a restrição do direito de propriedade do dono do solo – concedeu provimento à Revista, anulou o acórdão recorrido, com fundamento em omissão de pronúncia e ordenou a baixa do processo ao tribunal da Relação para reforma da decisão anulada; 2ª. O acórdão de que ora se recorre reproduziu ipsis verbis o acórdão anulado pelo Supremo Tribunal de Justiça – que não foi objeto de censura por parte dos recorridos – não procedendo assim à reforma, como foi ordenado; 3ª. Ao omitir-se quanto às questões suscitadas pelos recorrentes, o acórdão recorrido enferma do vício previsto na alínea d) do nº1 do artigo 615º do C.P.C., o que determina a sua nulidade; 4ª. As questões suscitadas pelos apelantes, indicadas em A), não podem considerar-se respondidas, sequer por remissão imperfeita, como também não está assente a questão do cultivo direto; 5ª. O acórdão recorrido, para além de não ter em conta a hierarquia das Fontes de Direito, baseia-se em jurisprudência não recente, que respeita a situações diferentes da dos autos, porquanto em todas elas se tratou de o colono vender as benfeitorias, celebrando um negócio legalmente impossível; 6ª. Na situação dos autos, os donos do solo, entre os quais a antecessora dos recorrentes, alienaram um direito real que nunca deixou de o ser, e que é seu; 7ª. Apreciar a situação da colonia na Região Autónoma da ..., face às normas constitucionais e legais em vigor, é questão que, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; 8ª. Na situação sub judice estão também em causa interesses de particular relevância social, entre os quais, a impossibilidade de dar utilização racional aos terrenos e os conflitos decorrentes das situações que se encontram por resolver; 9ª. O acórdão recorrido confirma uma decisão injusta, por injusta ser a conduta dos recorridos, a roçar o abuso do direito, já que não cultivam diretamente as parcelas, permitindo que terceiros delas retirem toda a utilidade sem nada pagar em contrapartida, enquanto o dono do solo paga os impostos, nunca lhe pediram autorização para ceder o cultivo das parcelas a terceiros, se abeiraram deste para comprar a terra ou vender as benfeitorias; 10ª. A declarada invalidade da escritura de compra e venda identificada nos autos nem sequer parcialmente foi invocada pelos autores, ora recorridos, que, ao invés, a tomaram por válida, quando peticionaram o reconhecimento do pretenso direito de preferência.
E concluem pelo “provimento ao presente recurso, determinando-se a nulidade do acórdão recorrido e ordenando-se seja proferida decisão em que se declare extinta a situação de colonia nas parcelas de terreno...
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