Acórdão nº 163/19 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução13 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 163/2019

Processo n.º 967/17

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

(Conselheira Maria Clara Sottomayor)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., recorrente nos presentes autos em que é recorrido o Instituto dos Registos e Notariado, I.P., intentou contra este último, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 299.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho) – a LGTFP –, ação administrativa especial de impugnação de demissão, aplicada na sequência de processo disciplinar que lhe fora instaurado.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra considerou que, da conjugação do estipulado no artigo 225.º, n.º 4, da LGTFP com o artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º n.º 4/2015, de 7 de janeiro (diploma que aprovou o novo Código de Procedimento Administrativo) resultava o carácter necessário do recurso hierárquico consignado naquela Lei e, em consequência, julgou verificada a exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado e absolveu o réu da instância (fls. 119-132).

Inconformada, a autora recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, que negou provimento ao recurso (fls. 220-227).

Ainda irresignada, a ora recorrente interpôs recurso de revista, nos termos do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Por acórdão de 8 de junho de 2017 (fls. 324-326), o Supremo Tribunal Administrativo não admitiu a revista com base nas seguintes considerações:

«3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhore apreciação do direito”. Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excecional, […] uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. No presente caso, muito embora esteja em questão uma pena expulsiva (demissão), não foi apreciado o mérito da pretensão da recorrente, ou seja, não foi apreciada a legalidade da punição. […]

O TCA Sul entendeu que o recurso previsto neste preceito [– o artigo 225.º da LGTFP –] tinha a natureza de impugnação administrativa necessária, citando a propósito o disposto no art. 3.º, n.º 1, al. c) do Dec. Lei 4/2015, de 7 de janeiro que aprovou o CPA, donde consta - para o que agora nos interessa - que as impugnações administrativas existentes à data da sua entrada em vigor só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões: “(…) a utilização de impugnação administrativa ‘suspende’ ou ‘tem efeito suspensivo” dos efeitos da impugnação’ ”.

Como decorre da simples leitura do art. 225.º, n.º 4, acima transcrito, o recurso ali previsto “suspende” os efeitos da decisão impugnada, o que, portanto, torna a decisão do TCA Sul fundamentada e juridicamente plausível, sem que se justifique, nesta parte, a admissão de um recurso de revista excecional.

Alega ainda a recorrente que não foi notificada pessoalmente, muito embora o TCA Sul tenha o tenha admitido. Todavia, esta questão não justifica a admissibilidade da revista, uma vez que, a ter razão a recorrente e, portanto, não ter sido devidamente notificada da decisão impugnada, esse aspeto apenas permitiria (se fosse o caso) que a interessada, logo que fosse bem notificada, deduzisse (antes da impugnação judicial) o referido recurso tutelar necessário. Ou seja, para este recurso é irrelevante que tenha ou não havido notificação regular da decisão punitiva, uma vez que a absolvição da instância do réu se fundamentou na falta de prévia impugnação administrativa necessária - circunstância que se verifica quer tenha havido ou não notificação regular da interessada.

Finamente, as questões de constitucionalidade suscitadas (falta de intervenção das associações sindicais dos funcionários públicos na elaboração do CPA) não justificam por si só a admissão da revista, uma vez que a recorrente as poderá colocar diretamente, se assim o entender, no Tribunal Constitucional» (fls. 325 e 326).

2. De novo não conformada, a autora interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante, LTC), nos seguintes termos (fls. 335 a 337):

«A) O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1, do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, na redação dada pela Lei nº 85/99, de 7 de setembro;

B) Pretende ver-se apreciada a constitucionalidade da norma constante do artigo 3.º, do Decreto Lei n.º 4/2015, de 7/01, interpretada no sentido segundo o qual atribuiu a natureza necessária ao recurso tutelar de ato punitivo praticado em procedimento disciplinar, previsto nos artigos 224.º e 225.º da LGTFP, derrogando a natureza facultativa de tal recurso;

C) Atento o facto de a Lei n.º 42/2014, de 11/07 (Lei de Autorização Legislativa), não haver conferido autorização ao Governo para alterar o regime geral de punição das infrações disciplinares, matéria na qual terá que se incluir a da impugnação administrativa do ato punitivo;

D) Atento o facto de o CPA se constituir como um conjunto de normas gerais aplicáveis apenas subsidiariamente aos procedimentos especiais - artigo 2.º, alíneas b) e d) da Lei n.º 42/2014, de 11/07;

E) E o facto de o artigo 2.º, alíneas ww) e seguintes da Lei n.º 42/2014, de 11/07, sendo de aplicação geral, não se aplicar a procedimentos especiais;

F) O que gera inconstitucionalidade orgânico-formal da norma em apreço por ofensa do disposto nos artigos 161.º, alínea d) e 165.º, n. º 1, alínea d) e t) da CRP;

G) Acresce que a mesma norma, assim interpretada, isto é, considerando ter determinado a natureza necessária do recurso tutelar interposto de ato punitivo praticado em sede de procedimento disciplinar e, designadamente, de ato expulsivo, como foi o caso, configura norma inserta no âmbito da legislação do trabalho;

H) Sendo que a mesma não foi publicada com precedência de participação das organizações sindicais, ao arrepio do previsto no artigo 56.º, n.º 2, alínea a) da CRP;

I) O que constitui inconstitucionalidade orgânico-formal;

J) A questão da inconstitucionalidade foi suscitada pela ora Recorrente na resposta à exceção de inimpugnabilidade do ato punitivo, suscitada pelo Réu, precisamente com fundamento na natureza necessária do recurso tutelar do ato punitivo».

3. Admitido o recurso (fls. 339), e subidos os autos a este Tribunal, foram as partes notificadas para alegar.

A autora, ora recorrente, apresentou a sua alegação, formulado as seguintes conclusões:

«a) O artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do Decreto Lei n.º 4/2015, de 7/01, se interpretado no sentido de haver derrogado a natureza facultativa do recurso administrativo (hierárquico ou tutelar), resultante dos artigos 224.º e 225.º, n.º 1, da LGTFP, atento o disposto no n.º 4, deste preceito, consagrado a natureza necessária do mesmo, violou o disposto no artigo 2.º, alíneas ww) a bbb) da Lei n.º 42/2014, de 11/07, padecendo de inconstitucionalidade orgânico-formal, por ofensa do artigo 165.º, n.º 1, alíneas d) e t) da CRP.

b) O artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do Decreto Lei n.º 4/2015, de 7/01, se interpretado no sentido de haver derrogado a natureza facultativa do recurso administrativo (hierárquico ou tutelar), resultante dos artigos 224.º e 225.º, n.º 1, da LGTFP, atento o disposto no n.º 4, deste preceito, consagrado a natureza necessária do mesmo e, designadamente quando tal recurso seja interposto de ato punitivo extintivo da relação laboral, como sucedeu in casu, padece de inconstitucionalidade por tal disciplina não ter sido precedida de audição das associações sindicais – cf. artigo 56.º, n.º 2, alínea a) da CRP».

O réu, ora recorrido, contra-alegou, concluindo:

«1) - A LTFP ao consagrar a impugnabilidade hierárquica ou tutelar dos atos proferidos em processo disciplinar, não define a natureza necessária ou facultativa desses meios impugnatórios.

2) - A definição dessa natureza decorre, antes, da conjugação do regime desses meios impugnatórios, tal como resulta da LTFP, com o regime geral dos meios impugnatórios graciosos plasmado no CPA, para que aquele diploma expressamente remete.

3) - O antigo CPA dispunha, nos arts. 167.º n.º 1 e 177.º n.º 5, que os recursos hierárquicos ou tutelares revestiam natureza facultativa ou necessária consoante o ato a impugnar fosse ou não suscetível de recurso contencioso (atual ação de impugnação).

4) - À luz dessa definição, os recursos hierárquico e tutelar que a LTFP consagra nos seus arts. 224.º e ss., mereciam a qualificação de facultativos, uma vez que esse mesmo normativo (o art. 224.º) consagrava a sua impugnabilidade jurisdicional: sendo que,

5) - É ainda este conceito de meio impugnatório facultativo que está subjacente à pretensão formulada pela Recorrente,

6) - O atual CPA, porém, no seu art. 185.º n.º 1, estatui que os recursos são necessários ou facultativos conforme dependa ou não da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação.

7) - Segundo esta nova definição da natureza necessária ou facultativa dos meios impugnatórios graciosos, o critério de distinção entre meios impugnatórios de uma e de outra natureza deixa de residir na impugnabilidade jurisdicional do ato a impugnar graciosamente, como acontecia na vigência do anterior CPA, para passar a radicar na definição dos pressupostos da impugnação...

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