Acórdão nº 518/14.8TJVNF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | ROQUE NOGUEIRA |
Data da Resolução | 29 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório.
Na Secção Cível da Instância Local de Vila Nova de Famalicão, Comarca de Braga, “AA, Lda” intentou a presente acção de condenação sobre a forma de processo comum contra “BB - Serralharia Unipessoal, Lda” pedindo que:
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Seja declarado que a A. é dona e legítima proprietária do prédio identificado em 1º e 2º da P.I., em específico da parcela de terreno identificada com a letra “A” do doc. 1.
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Seja condenada a Ré a tal o reconhecer.
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Se assim não for entendido, então seja declarado e reconhecida a existência de uma servidão em que o prédio dominante é o pertença da A. e o onerado os prédios, identificados em 1, 2 e 8 da P.I..
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Seja declarado que o objeto da servidão é: o correr de um portão sobre o terreno da Ré e numa extensão de cinco metros e trinta de comprimento, de no mesmo ter implantado um maciço em betão e para o referido portão correr, bem com o motor e os cabos elétricos – tudo em proveito do prédio da Autora.
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Seja condenada a Ré a tal o reconhecer.
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Em qualquer das hipóteses seja condenada a Ré a repor o referido portão, o maciço, os cabos elétricos e o motor.
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Bem como condenada a indemniza-la, a ela A., em vinte e três mil e setecentos euros.
Para o efeito, alega que do seu prédio, que confronta com o prédio da Ré, faz parte uma faixa de terreno, que sempre cuidou, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse e que era ocupada, nomeadamente, com um maciço em betão e carris por onde corria um portão que vedava a entrada para o prédio dela, A..
Alega, ainda, que a Ré ocupou essa faixa, destruindo as infra-estruturas do portão, bem como o mesmo e o respectivo motor, com o que a A. sofreu e sofre prejuízos.
Sem prescindir, e caso não se entenda ser a faixa propriedade da A., sempre se haveria de entender estar o prédio da R. onerado com uma servidão, constituída por destinação de pai de família, pelo proprietário de ambos os prédios, o qual era inicialmente o mesmo.
A Ré contestou, impugnando o alegado pela Autora, designadamente quanto a ser sua propriedade a faixa em causa, ou existir alguma servidão a onerar o seu prédio em favor daquele, concluindo pela improcedência da acção.
Deduziu reconvenção pela qual pretende, caso venha a ser entendido estar constituída a servidão, que esta seja julgada extinta por desnecessidade.
Mais invoca o abuso do direito como fundamento para a extinção da servidão.
Replicou a Autora e os autos prosseguiram os seus termos, vindo a ser proferido despacho saneador, tendo-se, ainda, identificado o objecto do litígio e enunciado os temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que decidiu nos seguintes termos: 1. Julgar a acção parcialmente procedente e, assim:
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Declarar a existência de uma servidão em que o prédio dominante é o pertença da Autora e o onerado o prédio da Ré sendo o objeto da servidão o correr de um portão sobre o terreno da Ré e numa extensão de cinco metros e trinta de comprimento, por cima de um maciço em betão para o referido portão correr, em proveito do prédio da Autora. B) Condenar a Ré a reconhecer a servidão descrita em A).
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Condenar a Ré a repor, no local onde se encontrava, melhor descrito em o) a s) dos factos provados, o referido portão e o maciço, de forma a que o portão corra no maciço nos termos referidos em A) deste decisório.
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absolver a Ré do demais peticionado.
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Julgar a reconvenção totalmente improcedente. Inconformadas, autora e ré interpuseram recursos de apelação daquela sentença, tendo, então, sido proferido o acórdão da Relação de fls. 719 e segs., onde se decidiu: 1.- julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Ap.
te “AA, Ld.ª”, e, revogando as alíneas A) e B) da decisão impugnada, declará-la dona e legitima proprietária do prédio urbano inscrito na matriz respectiva no artigo 603º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 94/19920728, melhor identificado na alínea a) do item X, e, bem assim, da faixa de terreno rectangular sinalizada com a letra “A” no documento de fls. 17 do Procedimento Cautelar apenso, à qual se referem as alíneas b) e w) do mencionado item X, condenando a Ré a reconhecer aquele direito da Apelante/Autora.
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- Julgar improcedente o recurso de apelação da Ré “BB, Ld.ª”.
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- Confirmar e manter a decisão impugnada nos demais segmentos (alínea C) e 2.). Inconformada, a ré interpôs recurso de revista daquele acórdão.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos (estão a negrito as alterações introduzidas pela Relação):
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A Autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano destinado a indústria de confecções e tecelagem, constituído por quatro pisos e anexos com logradouro, sito no lugar de …, freguesia da …, concelho de …, inscrito no artigo 603 e descrito sob o número noventa e quatro barra mil novecentos e noventa e dois zero sete vinte e oito, …, da Conservatória do Registo Predial de ….
b) Encontra-se junta ao procedimento cautelar apenso, como documento 1, uma planta, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
c) A Autora celebrou com a “CC - Empreendimentos Imobiliários, S.A.”, por escritura pública, em 09.03.2012, um contrato de compra e venda, nos termos constantes do documento 2 junto à petição inicial do procedimento cautelar apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o qual teve por objecto o prédio referido em a). d) Por si e antepossuidores, a Autora detém o prédio referido em a), há mais de vinte ou trinta anos, de boa-fé, na convicção de exercer direito próprio e não lesar quem quer que seja. e) Assim procede a obras de reparação do telhado, faz as pinturas, repara o pavimento, cuida dos candeeiros, das plantas, paga as contribuições.
f) Fá-lo na presença de todos e sem que alguém faça sentir estar a ser lesado.
g) A Ré é dona e legítima possuidora do prédio urbano composto de edifício de rés-do-chão e andar destinado a indústria, com a área coberta de 2.370 m2 e descoberta de 10.790 m2, o que perfaz a área total de 13.160 m2, sita no lugar de …, freguesia da …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º 93/19920728, e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 893.
h) A aquisição do prédio referida em g) foi formalizada pela escritura pública celebrada em 18/Janeiro/2002, nos termos do documento junto a fls. 46 e 57 do procedimento cautelar apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
i) O prédio da Ré está situado no mesmo lugar do da Autora, confrontando ambos entre si, quer pelo lado sul, quer pelo lado poente/norte.
j) A propriedade sobre os prédios referidos em a) e f) esteve, em tempos, e simultaneamente registada a favor de DD e mulher EE.
k) Foram estes que venderam à Ré o prédio referido em f).
l) Os mesmos venderam o prédio da Autora a “FF - Aquisição e venda de Imóveis, S.A.”.
m) Por sua vez esta vendeu o prédio hoje da Autora a “CC, S.A.”.
n) O prédio hoje da Autora sempre teve três acessos ao mesmo.
o) Um desses acessos situa-se a norte do prédio da Autora p) Aqui desde há mais de vinte anos, existia um portão, com a largura de cinco metros e trinta.
q) Este portão fica no limite norte do prédio da Autora e permite o acesso à Rua do ….
r) Este portão desde o tempo em que o prédio da Autora e da Ré eram do mesmo dono, abre correndo de nascente para poente sobre uma calha.
s) Sendo que para o lado poente corria sobre um maciço em betão, enterrado no chão, e em cinco metros e trinta de comprimento para além da parede que fica também a poente.
t) Há mais de vinte anos, quer a Autora quer os seus antepossuidores faziam acesso ao prédio sua pertença, e supra identificado, por esse portão.
u) De automóvel e a pé.
v) Para tanto abriam o dito portão. w) Quando os referidos DD e mulher EE venderam o prédio à Ré, como se refere em k), ficou acordado que a zona onde corria o portão, descrita em s), integrada na faixa de terreno rectangular sinalizada com a letra “A” no documento referido em b), ficaria a pertencer ao prédio que é agora da Autora, e na altura era propriedade daqueles vendedores. x) No documento referido em b) encontra-se aposta a assinatura do legal representante da Ré. y) Na faixa acima referida estavam instalados os cabos de ligação do motor que accionado fazia movimentar o portão.
z) E estava enterrado na terra o maciço referido em s).
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E estavam ainda instalados dois postes de electricidade que iluminavam o prédio da Autora, os quais a Ré arrancou.
ab) Em Fevereiro de 2013 a Ré arrancou o maciço de suporte do portão e serrou o portão, e ainda abriu uma vala para construção de um muro.
ac) Em Abril de 2012 a Ré procedeu ao derrube de muros e retirada de árvores caídas que se encontravam na faixa de terreno referida em w).
ad) Há mais de 20 anos a Autora e antepossuidores, relativamente à faixa de terreno em causa, referida em w), plantaram árvores, limparam o chão, e sempre na mesma esteve o maciço em betão sobre o qual o portão corria.
ae) Fazendo-o à frente de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente da Ré, na convicção de ser ela a proprietária.
af) Na data em que a Ré adquiriu por compra o seu prédio era visível para qualquer pessoa: a existência do portão; a abertura na parede do lado poente; e, para o portão poder correr, o maciço em betão no chão; os cabos eléctricos; e o motor eléctrico que fazia movimentar o portão. ag) Ao longo dos anos o portão abriu e corria na forma acima descrita, sendo movido pelo motor eléctrico pelo menos até à falência da “GG” e, depois disso, era movido manualmente.
ah) Tendo o referido motor eléctrico sido furtado ou retirado do local onde se encontrava pouco tempo depois da falência da “GG”. ai) E a Autora e os antepossuidores mandaram reparar e pintar tal portão.
aj) Sem oposição de ninguém, nomeadamente da Ré.
ak) Tudo exercido pela Autora e antepossuidores há...
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