Acórdão nº 361/08.3PAPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 407 - FLS 373.

Área Temática: .

Sumário: I - A estrutura acusatória do processo penal português impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e precisão.

II - O requerimento de abertura de instrução (RAI) deduzido pelo assistente deve consubstanciar, materialmente, uma acusação, na medida em que por via dele é pretendida a sujeição do arguido a julgamento, por factos geradores de responsabilidade criminal.

III - A liberdade de investigação do JIC está limitada pelo objecto da acusação.

IV - Se o RAI não contém a narração dos factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, padece de nulidade, de conhecimento oficioso, a impor a inadmissibilidade legal da instrução.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo 361/08.3PAPVZ do .º Juízo Criminal da Póvoa do Varzim Relator – Ernesto Nascimento Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. Requerida a instrução pelo assistente e remetido o processo à distribuição, foi proferido o seguinte despacho: “através do requerimento de abertura de instrução junto aos autos a fls. 171 e ss., o assistente B………., requer a pronúncia de C……….. e D………. pela prática de crime de furto e de receptação.

Dispõe o artigo 287º/2 C P Penal, no que diz respeito ao requerimento de abertura de instrução que o mesmo não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283º/3 alíneas b) e c).

Assim o requerimento de abertura de instrução do assistente, no caso de arquivamento do processo pelo Ministério Público, é que define e limita o respectivo objecto do processo, a partir da sua formulação, constitui uma acusação alternativa, motivo pelo qual e além do mais, deverá dele constar a descrição dos factos que fundamentam a eventual aplicação de uma pena ao arguido e a indicação das disposições legais incriminadoras. Pois e se a instrução requerida pelo assistente se consubstancia numa simples impugnação do despacho de arquivamento decidido pelo Ministério Público, para esse efeito, o meio adequado, seria o da reclamação hierárquica.

Analisando o teor do requerimento em questão verifica-se que o assistente não descreve factos concretos aos arguidos, o seu grau de participação nos crimes imputa que lhes imputa, sendo absolutamente omisso quanto ao elemento subjectivo dos crimes indicados. O assistente limita-se a fazer uma análise circunstanciada dos elementos colhidos no inquérito concluindo existirem indícios suficientes para que tivesse sido deduzida acusação.

Coloca-se assim a questão se, no caso dos autos, deverá haver lugar à notificação dos assistentes a fim de que os mesmos aperfeiçoem o requerimento de abertura de instrução.

De acordo com decidido no douto Acórdão 7/2005, do STJ, "não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º/2 C P Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido".

Ora e na medida em que, como supra referi, o assistente se limita a expor as suas razões de discordância pela decisão de arquivamento proferida pela Digna Magistrada do Ministério Público, fazendo uma análise crítica dos elementos colhidos no inquérito, omitindo a narração, ainda que sintética, da conduta dos arguidos, o seu grau de participação conducentes à aplicação aos arguidos de uma pena, o meio que o assistente deveria ter lançado mão seria o recurso hierárquico e não a abertura de instrução.

Por todo o exposto e ao abrigo do disposto no artigo 287º/3 C P Penal, rejeito o requerimento de instrução do assistente por inadmissibilidade legal da instrução.

Notifique e oportunamente proceda ao arquivamento dos autos”.

  1. 2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o assistente, apresentando as seguintes conclusões: 1. não concorda o recorrente com o despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução por este apresentado com fundamento na inadmissibilidade legal do mesmo; 2. no despacho recorrido é referido que o assistente, ora recorrente, deveria ter feito uso da intervenção hierárquica em vez da abertura de instrução, uma vez que no requerimento de abertura de instrução é uma “... impugnação do despacho de arquivamento decidido pelo Ministério Público ... "; 3. a intervenção hierárquica e a abertura de instrução são dois meios de reacção à decisão de arquivamento do Ministério Público; 4. sucede que, com a abertura de instrução não pretendeu o assistente, ora recorrente, suprir falhas na investigação feita pelo Ministério Público, mas antes sujeitar a posição deste a comprovação judicial demonstrando a discordância com essa mesma decisão; 5. optou bem o assistente ao fazer uso da abertura de instrução uma vez que é o meio de reacção adequado uma vez que o que pretendia era a fiscalização judicial da decisão de arquivar pelo Ministério Público, bem como demonstrar a possibilidade de aplicação de uma pena aos arguidos, por existirem indícios suficientes a serem comprovados e concretizados em sede instrutória; 6. no despacho recorrido é referido que "o assistente não descreve os factos concretos aos arguidos, o seu grau de participação nos crimes que lhes imputa, sendo absolutamente omisso quanto ao elemento subjectivo dos crimes indicados "; 7. sucede que o assistente, ora recorrente, concretizou os factos que a serem provados através das diligências requeridas consubstanciam a prática dos crimes imputados aos arguidos, tais factos constam dos artigos 7° a 11°, 13° a 18°, entre outros do requerimento de abertura de instrução; 8. ainda que do requerimento de instrução constem sobretudo indícios da prática dos crimes imputados aos arguidos alicerçados em factos já comprovados pelo inquérito, o que é certo é que esses indícios a serem comprovados em sede de instrução colocariam o juiz de instrução em posição de pronunciar os arguidos; 9. refere o Ac. do Tribunal de Lisboa de 21MAR2001 que a principal diferença entre a acusação e requerimento de abertura de instrução pelo assistente, é que, enquanto na primeira se indicam, necessária e unicamente, factos precisos que se reputam já indiciados, no segundo podem indicar-se factos hipotéticos que se deseja sejam averiguados em sede instrutória! Foi exactamente isto que o Recorrente fez; 10. dos factos constantes do requerimento de abertura de instrução constam factos que a serem comprovados preenchem os elementos objectivos e subjectivos dos crimes de furto e receptação imputados aos arguidos. Pelo que não vinga o argumento usado pelo Exmo. Juiz a quo para rejeitar o requerimento de abertura de instrução com base nesse fundamento; 11. ao não admitir esse requerimento de abertura de instrução, o Tribunal recorrido violou, entre outros, os artigos 287° e 283°/3 aIínea b) C P Penal e o artigo 32º da Constituição da República, uma vez que restringiu ao assistente a garantia constitucionalmente prevista de um controlo judicial da actuação do Ministério Público.

  2. 3. Na resposta a Magistrada do MP pugnou pelo não provimento do recurso.

  3. Subidos os autos a este Tribunal, pronunciou-se o Sr. Procurador Geral Adjunto, igualmente, no sentido da improcedência do recurso.

    No cumprimento do estatuído no artigo 417º/2 C P Penal, nada mais foi acrescentado.

    Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

  4. Fundamentação III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.

    No caso presente, de harmonia com as conclusões apresentadas, suscita o recorrente para apreciação, tão só, a questão de saber se o requerimento de abertura de instrução que apresentou satisfaz ou não, as exigências contidas no artigo 283º/2 alíneas b) e c), aplicável ao caso, por força do artigo 287º/2, ambos do C P Penal.

  5. 2. Para um completo e cabal esclarecimento, apreciação e decisão, no entanto, desde já, passamos a transcrever o que dos autos consta com relevo: discordando do despacho de arquivamento proferido findo o inquérito, o assistente veio requerer a abertura da Instrução, nos moldes e com os fundamentos seguintes: “(…) 2. O assistente apresentou queixa contra desconhecidos no dia 19MAR2008 uma vez que nesse dia, por volta das 7horas, verificou que o seu automóvel se encontrava com o vidro da porta de frente direita e da mala partidos.

    1. E que haviam subtraído do seu carro os objectos que se encontram descritos no auto de denúncia.

    2. O inquérito foi encerrado com despacho de arquivamento que considerou que "não foi possível apurar como e em que circunstâncias foram os bens subtraídos parar ao veículo dos arguidos e se estes serão autores do crime de furto ou de receptação".

    3. Salvo o devido respeito, discorda o assistente de tal decisão.

      Senão vejamos, 6. No dia 19MAR2008, o assistente apresentou queixa contra desconhecidos.

    4. Alguns dias depois, no dia 24MAR, o assistente teve conhecimento através do seu irmão, que entretanto falara com um seu conhecido, E………., e que sabia do paradeiro do material furtado, que os objectos que tinham sido subtraídos do seu automóvel se encontravam no interior do veículo de marca Opel, modelo ………., de cor vermelha, matrícula UH-..-.. pertencente ao aqui arguido D………. .

    5. Na verdade, o E………. à data dos factos encontrava-se a construir uma...

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