Acórdão nº 1902/08.1TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 345 - FLS 186.

Área Temática: .

Sumário: I - O enriquecimento sem causa tem como pressupostos: a existência de um enriquecimento, a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem e a ausência de causa justificativa para o mesmo.

II - Todos estes pressupostos têm que ser provados por quem quer prevalecer-se de tal figura jurídica (por quem nela fundamenta sua pretensão).

III - Na demonstração do terceiro pressuposto, tal ónus da prova não pode levar a exageros que tornem insustentável a tarefa da parte que invoca o enriquecimento sem causa, por serem incontáveis as situações da vida real que podem integrar tal figura.

IV - Não há causa justificativa para a transferência de fundos de investimento, feita pelo autor para uma sua conta quando os fundos de investimento em questão só são reembolsáveis no final do período de vencimento convencionado e não se prova que na base daquele acto esteve um acordo entre as partes de aquisição onerosa, pelo réu, desses fundos, tendo, além disso, o autor interpelado o réu para que lhos restituísse (transferindo-os para uma conta sua) ainda dentro do prazo de imobilização dos mesmos.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Pc. 1902/08.1TBSTS.P1 – 2ª Secção (apelação) _______________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Ramos Lopes Des. Cândido Lemos * * * Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B………. instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra C………., ambos devidamente sinalizados nos autos, pedindo que este seja condenado a restituir-lhe, por meio de transferência para a conta que indica, a quantia de € 12.692,64, correspondente a 2.400 UPs, acrescida de juros vencidos, a liquidar em execução de sentença, e na quantia de € 20 por cada dia de atraso, a contar da citação até efectiva transferência.

Alegou, para tal, que era titular de Fundos de Investimento Imobiliário, na D………., que em conversa que teve com o réu lhe disse que não podia movimentar esses Fundos, que este sugeriu que transferisse tais Fundos para uma conta dele (réu) e que depois já a poderia movimentar, que ele, autor, assim fez, tendo ido com o demandado ao Banco e aí transferiu aqueles Fundos para uma conta de activos financeiros do mesmo, que apesar do réu lhe ter dito que se ele quisesse lhe daria de imediato o dinheiro desses Fundos a verdade é que não lhe entregou qualquer quantia, que posteriormente, na sequência de informação do gestor da sua conta de que poderia transferir de novo os ditos Fundos para a sua conta, ele, demandante, solicitou ao réu para que procedesse a tal transferência, o que este não fez até ao presente, apesar de lhe ter enviado uma carta registada com A/R, em 10/01/2008, concedendo-lhe o prazo de 15 dias para que o fizesse.

O réu contestou dizendo, no essencial, que adquiriu ao autor os Fundos que este refere na petição, mas apenas pelo valor do investimento, ou seja, por € 12.000,00, já que o lucro de € 692,64 que então apresentavam poderia alterar-se até final do período obrigatório de imobilização daqueles (tratava-se de Fundos que só podiam ser resgatados no final do período de subscrição), que foi por isso que o autor procedeu à transferência alegada naquele articulado e que, como acordado entre ambos, entregou-lhe em pagamento, aquela importância de € 12.000,00 em notas do Banco Central Europeu, não havendo, assim, qualquer locupletamento da sua parte à custa do demandante.

Pugnou, por isso, pela improcedência da acção e requereu a condenação do autor em multa e indemnização, esta a liquidar em execução de sentença, por litigância de má fé.

Notificado da contestação, também o autor requereu a condenação do réu como litigante de má fé, pretendendo a sua condenação em multa e em indemnização não inferior a € 2.500,00.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar e não foram seleccionados os factos assentes nem os controvertidos, por simplicidade da causa.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento no termo da qual, após produção da prova, foi proferido despacho de fixação dos factos provados e não provados, sem reclamação das partes (que não estiveram presentes à leitura do mesmo).

Foi depois proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido.

Inconformado com tal decisão, interpôs o autor o presente recurso de apelação, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões: “1ª. Apesar de se considerar permitirem os factos, dados como provados e não provados, a procedência da acção, ainda assim, para boa decisão, entende-se que, na sequência do ponto 3), o ponto 4), decorrente do alegado em 16º da contestação do R., deverá ter resposta diversa; 2ª. Por não se vislumbrar testemunho no sentido do que se deu como provado; 3ª. Entendendo-se, com todo o respeito, dever ser dada resposta negativa, ou, quando muito, resposta no sentido de que “a única possibilidade de movimentação de tais fundos era para uma conta também de activos financeiros”, sendo esta factualidade a mais consentânea com o depoimento da testemunha E………., funcionário da D………., com quem o assunto foi tratado, com o depoimento gravado em CD áudio, conforme assinalado em Acta, de 13/02/2009, com a referência 3971597; 4ª. A presente acção segue a tramitação do processo comum; 5ª. O A. demonstrou que ocorreu a transferência dos valores; 6ª. O pagamento alegado pelo R. não foi provado; 7ª. Não sendo indiferente a qualificação pelo R. da relação em apreço, considerando, dessa forma, uma compra e venda – arts. 874º e 879º do Código Civil; 8ª. Invocando a existência de uma causa que não ficou provada; 9ª. O que equivale a ausência de causa, cujas aplicações foram, assim, indevidamente recebidas, conforme o disposto no art. 473º do Código Civil, que se considera violado.

Termos em que, (…), requer (…) seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, (deve) julgar-se a acção procedente, (…)”.

O réu não apresentou contra-alegações.

Foram dispensados os vistos.

* * *II. Questões a apreciar e decidir: Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (arts. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3 do CPC, na redacção actual, dada pelo DL 303/2007, de 24/08, aqui aplicável, atenta a data da propositura da acção) e que este Tribunal não pode conhecer de matéria nelas não incluída, a não ser em situações excepcionais, as questões que importa apreciar e decidir neste acórdão são as seguintes: 1ª. Saber se o ponto 4) dos factos dados como provados na 1ª instância deve ser alterado no sentido pretendido pelo apelante, ou seja, se deve ter uma das respostas propostas na 3ª conclusão das alegações daquele.

  1. E saber se a sentença recorrida deve ser revogada, declarando-se procedente a pretensão do autor, por verificação «in casu» dos pressupostos (ou requisitos) do enriquecimento sem causa.

* * *III. Factos dados como provados na 1ª instância: Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos [a negrito vai assinalado o ponto da matéria de facto que o apelante impugna]: 1) No dia 12/06/2007, o autor transferiu da sua conta AF …………….. – conta de activos financeiros – para a conta do réu AF ……………. – conta de activos financeiros – pela operação de transferência de unidades de participação entre contas de Fundos, em quantidade de 2.400, no montante de € 12.692,64.

2) Por carta datada de 10/01/2008, registada com aviso de recepção, o autor solicitou ao réu que, no prazo máximo de 15 dias, procedesse à transferência dos € 12.692,64 com juros que, entretanto, se venceram.

3) No dia referido em...

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