Acórdão nº 584/07.2GCETR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: REJEITADO O RECURSO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 392 - FLS. 226.

Área Temática: .

Sumário: I- O MP não pode colmatar as deficiências da acusação do assistente atinentes a qualquer facto, seja reportado aos elementos objectivos, seja ao elemento subjectivo do tipo legal imputado.

II-. A falta de alegação do dolo, mormente num crime essencialmente doloso, não é um pormenor que possa ser tido como implícito, na descrição dos elementos objectivos do tipo.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo comum singular 584/07.2GCETR do Juízo de Instância Criminal, sediado em Estarreja da Comarca do Baixo Vouga Relator - Ernesto Nascimento.

Decisão sumária, artigo 417º/6 alínea b) C P Penal.

  1. Relatório I.1. Remetido o processo à distribuição, foi proferido o seguinte despacho: “o tribunal é o competente.

    Não existem nulidades ou outras questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa e que cumpra conhecer.

    Registe e autue como processo comum com a intervenção do Tribunal singular.

    A assistente B……………. deduziu acusação particular contra C………… imputando-lhe a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º C Penal.

    O MP declarou acompanhar a acusação particular deduzida pelo assistente, tendo, contudo, elaborado nova acusação, a qual consta de fls. 53/55.

    Determina o artigo 311º/2 alínea a) C P Penal que, quando não tenha havido fase de instrução (como é o caso destes autos) o juiz deve rejeitar a acusação “se a considerar manifestamente infundada”.

    Acrescenta o n.º 3 da mencionada disposição legal, no que ora interessa, que para efeitos do disposto no n.º anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: - se não indicar as disposições legais aplicáveis; - se os factos não constituírem crime.

    Da mera leitura da acusação deduzida pela assistente fácil e imediatamente se constata que a mesma não contém factos que possam suportar a condenação do arguido – ainda que todos os que nela constam se venham a provar.

    Na acusação particular não são descritos factos integradores do dolo, designadamente que o arguido conhecia e queria o resultado da sua conduta.

    Estando em falta na acusação o elemento subjectivo do crime e sendo tal elemento essencial, óbvio se torna que mesmo que todos os factos alegados na acusação particular venham a ser julgados provados, o resultado final será absolvição (precisamente por falta do elemento típico subjectivo).

    Atente-se, aliás, que quanto ao crime de injúria a acusação, para além dos factos atinentes ao circunstancialismo de tempo e lugar, se limita a dizer que o arguido “entrou dentro do referido café onde aquela se encontrava atrás do balcão e disse: isto não pode ser assim, você é uma ladra, você é uma ladra”.

    Ora, nos crimes particulares é a acusação particular que define o objecto do processo, estabelecendo desde logo os limites dos factos, crimes e agentes dos mesmos.

    Assim, face ao disposto no n.º 4 do artigo 285º C P Penal, não tendo o assistente descrito factos integradores do dolo e da consciência da ilicitude, não pode o MP colmatar tal deficiência (cfr. neste sentido o acórdão da Relação do Porto de 18.12.2002 in CJ, V, 215).

    De facto, nos termos da disposição legal supra citada, “o MP pode, nos 5 dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importe uma alteração substancial daqueles”.

    Ora, a descrição dos factos atinentes ao elemento subjectivo importa uma alteração substancial dos factos alegados na acusação particular pois aquela, da forma como se encontra deduzida, não permite a imputação de uma conduta ilícita típica ao arguido.

    Assim sendo, conclui-se que a acusação particular deduzida pela assistente é manifestamente infundada por falta de alegação de factos subsumíveis a um tipo legal, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 311º/2 alínea a) C P Penal, rejeito a mesma.

    Atento o disposto na alínea b) do supra citado n.º 2 do artigo 311º C P Penal, rejeito igualmente a acusação deduzida pelo MP pelo crime de injúria.

    Consequentemente, ordeno o arquivamento dos autos.

    Custas a cargo da assistente com taxa de justiça que fixo em 2 UC, artigos 518º e 515º/1 alínea f) C P Penal”.

  2. 2. Inconformado com o assim decidido, interpôs a assistente recurso, pedindo a revogação deste despacho, sustentando as seguintes conclusões: 1. a assistente deduziu a acusação contra o arguido, por crime de injúria sem, expressamente, alegar factos integradores de uma conduta dolosa e ilícita por parte daquele; 2. dando-se conta deste lapso primário o MP, na acusação que deduziu nos termos do artigo 285º/4 C P Penal, concluiu que o arguido “agiu de modo livre, voluntário e consciente, com o propósito, conseguido de vexar, envergonhar e ofender na sua honra e consideração, ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei”; 3. a ilustre Juiz a quo considerou infundada a acusação da assistente por falta de factos e rejeitou a acusação do MP por representar, no seu douto entendimento, uma alteração substancial dos factos e violar, desse modo, o artigo 285º/4 C P Penal; 4. a lei pretende, ao estatuir a disposição, garantir ao arguido a estabilização dos factos que lhe são imputados, de modo a possibilitar-lhe o direito de arquitectar a sua defesa, “de uma vez e não por vezes”; 5. a nossa jurisprudência tem defendido que a acusação do assistente e a do MP, neste tipo de crime, se completam mutuamente, constituindo como que uma só dada a estreita conexão entre ambas; 6. ora, é a partir da acusação que o processo deve manter a mesma identidade factual para que o direito de defesa do arguido não seja surpreendido e, desse modo, a defesa impedida ou, de algum modo, prejudicada; 7. ora, podendo o arguido contestar, apresentar prova ou requerer instrução, em nada a sua defesa se vê prejudicada pela dedução de uma acusação; 8. em todo o caso a acusação deduzida pelo MP não representa qualquer alteração substancial dos factos tratados na acusação a assistente, não violando o artigo 285º/4 C P Penal; 9. essa alteração, que não imputa ao arguido crime diverso (artigo 1º alínea f) C P Penal) constitui, tão só, um aditamento de precisão ou, pretendendo-se, a conclusão para um facto que implicitamente já a continha; 10. por fim, não faria sentido dar preferência ao direito de defesa do arguido – não estando em causa a possibilidade da plenitude do seu exercício – esquecendo o princípio da procura da verdade...

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