Acórdão nº 104/08.1GBMDL.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 388 - FLS 227.

Área Temática: .

Sumário: I - O crime de ameaça não exige a intenção do agente vir a concretizar a ameaça nem que, em concreto, chegue a provocar medo ou inquietação.

II - A expressão “Quando te agarrar para os lados da .......... faço-te as contas” utilizada de forma séria, no contexto de uma discussão, é susceptível de preencher o tipo legal do crime de ameaça.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo comum singular 104/08.1GBMDL do .º Juízo de Mirandela Relator - Ernesto Nascimento.

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I.1. Remetido o processo à distribuição, foi proferido o seguinte despacho: “o MP deduziu acusação contra B………., imputando-lhe o facto de se ter dirigido a terceira pessoa com as seguintes expressões: “quando te agarrar para os lados da ………. faço-te as contas”.

Em consequência, imputa ao arguido a prática de um crime de ameaça, p. e p. no artigo 153º/1 C Penal.

Cumpre apreciar: consagra o artigo 311º/2 alínea a) C P Penal, que, se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada.

Por sua vez, na alínea d) do n º 3, do citado preceito, consagra-se que, para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada, se os factos não constituírem crime.

O crime imputado ao arguido é o de ameaça, p. e p. no artigo 153º/1 C Penal.

São elementos constitutivos de tal ilícito: a) a existência de uma ameaça; b) que a mesma configure a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor; c) e que seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar-lhe a liberdade de determinação.

A ameaça traduz-se no anúncio de um mal futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente.

O mal ameaçado tem de configurar em si mesmo um facto ilícito típico de natureza criminal, daqueles que estão previstos no referido preceito legal.

Por outro lado, é necessário que a concretização futura do mal dependa da vontade do agente, aferida segundo a perspectiva do homem comum, tendo em conta as características individuais do ameaçado.

Finalmente, a ameaça terá de ser apta a afectar a paz individual ou a liberdade de determinação da pessoa a quem se dirige.

No caso dos autos, a expressão que se imputa ao arguido é a seguinte: “quando te agarrar para os lados da ………. faço-te as contas”.

Objectivamente, tais palavras significam o que significam, ou seja, que o arguido iria “fazer as contas” ao participante.

E não conseguimos objectivamente vislumbrar na expressão em causa, que concreto mal é que o arguido anunciou ao participante, que tipo de ilícito está subjacente às palavras proferidas pelo arguido.

Tais palavras, na sua objectividade, não anunciam qualquer concreto mal configurador da prática de um crime contra os valores tipificados no tipo legal em causa.

E se isto é assim objectivamente, e parece-nos não pode deixar de o ser, nem sequer o Ministério Público se “atreveu” a fazer uma apreciação subjectiva das palavras proferidas pelo arguido, identificando o concreto mal que aquele terá querido anunciar com as mesmas.

E pensamos bem ter andado o Ministério Público ao não o fazer, pois que, as palavras em causa não permitem, com a objectividade necessária e exigível, identificar um concreto mal que o arguido tenha querido anunciar.

As palavras imputadas ao arguido dizem apenas o que dizem e o que podem de uma forma minimamente objectiva dizer, sobre elas não se nos afigurando legítimo especular ou subjectivar (nunca podendo o arguido vir a ser condenado por anunciar um mal que objectivamente não está nas suas palavras, e que alguém, na sua pura subjectividade, delas possa ter retirado ou concluído, sob pena de assim não sendo, entrarmos num “terreno perigosíssimo”, de possíveis condenações, não pelo que disse, e quis efectivamente dizer quem o disse, mas por aquilo que terceiros achem ter o mesmo querido dizer, e sem a mínima correspondência objectiva nas palavras ditas).

Dando-se como provada a factualidade constante da acusação, sempre absolveríamos o arguido do crime de que vem acusado, porque as palavras que lhe são imputadas não configuram o anúncio de um mal futuro, que configure a prática de um ilícito previsto no crime em causa, não sendo a factualidade constante da acusação susceptível de configurar a prática de um ilícito criminal, designadamente, o de ameaça, p. e p. no artigo 153º/1 C Penal, em consequência do que, não faz sentido receber-se a acusação e submeter-se o arguido a julgamento pelos factos em questão.

Pelo exposto, rejeito a acusação, por manifestamente infundada.

Consequentemente, julgo extinta a instância cível, por impossibilidade superveniente da lide – artigo 71º/1, a contrario, C P Penal, e 287º alínea e) C P Civil, ex vi do artigo 4º C P Penal.

Sem custas criminais.

Custas cíveis pelo demandante cível, com taxa de justiça reduzida a metade.

Notifique”.

  1. 2. Inconformado com o assim decidido, interpôs recurso o Magistrado do MP, pedindo a revogação deste despacho e a sua substituição por outro que receba a acusação pública, sustentando as seguintes conclusões: 1. as expressões “quando te agarrar para os lados da ………. faço-te as contas” dirigidas pelo arguido à vítima, na sequência de um desentendimento, com a intenção de o assustar e lhe provocar um sentimento de insegurança e intranquilidade, tendo presente as regras da experiência comum e a normalidade do acontecer, traduzem a ameaça de que se irá futuramente atentar contra a integridade física ou a saúde do destinatário das expressões; 2. “tudo o que não seja execução eminente ou em curso – caso de uso de violência – é futuro, em termos de anúncio de causação de um mal. É indiferente que a expressão usada seja “agora”, “hoje”, amanhã ou para o ano. Futuro é todo o tempo compreendido naquele em que é proferida a expressão que anuncia o mal que o seu autor diz que será causado, não acompanhada, esta, de actos correspondentes à sua simultânea ou absolutamente imediata concretização.” – Argumentos extraídas do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo 1798/07-12, de 07.01.2008, www.dgsi.pt/jtg e que, com a devida vénia, fazemos também nossos; 3. não resultando da acusação o relato de qualquer facto que represente qualquer acto do arguido que traduza a vontade de imediata concretização desse mal...

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