Acórdão nº 1208/08.6TDLSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 103.º N.º1 DO RGIT E 68º,Nº1 DO CPP Sumário: 1.

O assistente assume no processo penal português uma relevância jurídica estruturalmente relevante, na perspectiva dogmática e também em temos de política criminal, na medida em que estamos na presença de um colaborador do Ministério Público, com direitos e deveres próprios, mas a cuja actividade se subordina na intervenção processual que aquele, como titular da acção penal, executa.

  1. A figura do assistente, embora sustentada de alguma forma no conceito de ofendido, não pode ser com este confundido.

    Daí que para além das pessoas a quem a leis especiais conferirem esse direito, podem constituir-se assistentes no processo penal, os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos .

  2. O conceito de ofendido, para efeitos de legitimidade para constituição como assistente, coincide com o conceito consagrado no CP para aferir da legitimidade para apresentar queixa.

  3. Tem-se verificado um alargamento jurisprudencial do entendimento da legitimidade para a constituição de assistente, para além da natureza individual ou supra-individual do bem jurídico tutelado pela incriminação dos vários tipos de crime, reconhecendo-se que, em determinados tipos de crime público que protegem bens eminentemente públicos (v.g., desobediência, denúncia caluniosa, falso testemunho, abuso de poder, falsificação de documentos), o legislador pretendeu também tutelar bens jurídicos de natureza particular.

  4. No caso em apreciação, como resulta do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público e também é referido pelo despacho sub judice, a factualidade dos autos é susceptível de, em termos meramente abstractos, reconduzir-se à previsão do artigo 103°, n°1, alinea a), do Regime Geral da Infracções Tributárias (aprovado pela Lei n°15/2001, de 05 de Junho), que respeita ao crime de fraude fiscal.

  5. O crime de fraude fiscal é um crime de perigo que é dirigido a uma diminuição das receitas fiscais ou à obtenção de um benefício fiscal injustificado. O bem jurídico especialmente protegido com tal crime é a ofensa ao património ou erário público. São os interesses do Estado, na sua vertente vulgarmente denominada por Fisco ou Fazenda Nacional, entendido como sistema dinâmico de obtenção de receitas e realização de despesas.

    Nestes crimes não são visíveis quaisquer bens jurídicos de natureza particular.

  6. Não assiste, assim, razão aos recorrentes quando pretendem intervir nos autos como assistentes, por virtude de os interesses protegidos pela infracção em apreciação no inquérito assumirem uma dimensão pública cujo interesse jurídico-penal não foi pelo legislador excepcionado em termos de ser admitida a intervenção de outros que não o próprio Estado.

    Decisão Texto Integral: 18 I. RELATÓRIO.

    No processo de inquérito n.º 1208/08.6TDLSB.C1 foi proferido despacho que indeferiu o requerimento efectuado por AF e AF para se constituírem como assistentes Não se conformando com a decisão, vieram interpor recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos: 1ª Os presentes autos iniciaram-se com base numa certidão extraída dos autos de inquérito com o n°. 1/08.7TDLSB, os quais correram termos no DIAP-Lisboa, nele se dando conta da eventual prática de crime de fraude fiscal p.p. pelo disposto no artigo 103 n°. 1 alínea a) do RGIT, por factos denunciados por MF e AF contra LL.

    1. Tal certidão foi remetida aos Serviços do M.P. do Tribunal Judicial de Alcanena em 04..2008, tendo sido delegadas competências na Direcção de Finanças de ….

    2. Afirma-se em tal despacho que na referida denúncia consta eventual sonegação de bens à herança aberta por óbito de AAA falecido em 3/--/2002, e bem assim ocultação de factos e valores relativos a rendimentos obtidos por delapidação do património familiar da família M…, os quais deveriam ter sido declarados à Administração Fiscal.

    3. Do documento de fis. 119 a 112 foram identificados como sujeitos passivos do imposto devido pela transmissão, dos bens de AAA: a) — O cônjuge sobrevivo, MF b) — AF (descendente) c) - AF (descendente) d) — LL (descendente e denunciado) 5ª Constataram os Serviços da Administrativos Fiscais que no mês do falecimento de AAA, bem como no mês imediatamente anterior (Maio e Junho de 2002) aquele era titular de créditos junto do BCP que ascendiam a 747.640,07 €, sendo que esta verba deveria ter sido objecto de liquidação e da correspondente inclusão na relação de bens, sendo que tal omissão acarretou uma vantagem ilegítima de cerca de 53.059,86 €, factuai.idade essa subsumível no artigo 103 n°. 1 alínea a) do RGIT.

    4. Tal procedimento criminal por crimes fiscais encontra-se prescrito decorridos que sejam 5 anos, o que nos termos do artigo 21 do RGIT se verifica nos presentes autos reportados a 23/12/2002.

    5. Pela Exma. Procuradora foi determinado arquivamento dos autos por tal motivo de prescrição, mas não todos os efeitos daí recorrentes.

    6. Na parte final destes seu despacho a Exma. Procuradora mandou dar cumprimento do artigo 277 no. 3 e 4 do C.P.P. e ainda que se extraísse certidão de fis. 146 a 151 dos autos e deste despacho devendo a mesmo ser remetida ao Serviço de Finanças de … a fim de ser liquidado imposto adicional em causa.

    7. Sendo certo não ter havido qualquer sonegação de bens e valores à relação de bens apresentada pela cabeça de casal, que não intervieram em qualquer fase processual.

    8. Foram os 3 participantes, AZ., MF e AF do douto despacho emitido pela Exma. Procuradora nos termos do art°. 277 do C.P.P. e para, querendo, requererem a abertura da instrução, nos termos do artigo 287 no. 1 alínea b) do mesmo diploma, tendo para o efeito se se constituir Assistente.

    9. Apenas os participantes, MF e o AF se constituíram Assistente e requereram a abertura da instrução.

      l2ª Viria o MM°. Juiz “a quo” a considerar-se que se estava perante um eventual ilícito fiscal previsto no art°. 103 n°. 1 alínea a) do RGIT, sendo que o interesse, na concreta determinação dos factos fiscalmente relatados, é, nesta perspectiva, o erário público, não podendo os participantes ser considerados como ofendidos.

    10. Em qualquer dos enquadramentos processuais sobressai a aplicação do artigo 103 n°. i alínea a) do RGIT à eventual prática do crime de fraude fiscal.

    11. Nenhum dos participantes e nem se quer o denunciado LL foram constituídos arguidos, sem embargo de todos os herdeiros de AAA onde estes se incluem, serem sujeitos passivos no campo de eventual ilicitude criminal fiscal, que, aliás, não se verifica.

    12. O denunciado LL foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 277 no. 1, bem como para o...

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