Acórdão nº 110/08.6TBAND-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTS.186, 188, 189 DO CIRE Sumário: I – O termo “documentado”, constante do nº2 do art.188 do CIRE deve ser interpretado extensivamente, reportando-se, não apenas à prova documental, mas à prova em geral, a efectivar por qualquer meio admissível em direito.

II- Porque a não documentação do parecer no incidente de qualificação da insolvência a que alude o artº 188 nº2 do CIRE não respeita à essência do acto mas antes à prova dos factos nele invocados, e podendo esta ser efectivada por outros meios probatórios que apenas surjam supervenientemente, a não junção de «documentos», hoc sensu, ali referidos não acarreta qualquer invalidade do mesmo.

III - Atentos, vg. os princípios da imediação e da oralidade, a decisão sobre a matéria de facto apenas pode ser alterada se os elementos probatórios invocados pelo recorrente apontarem, de uma forma inequívoca e irrefutável, no sentido por ele pretendido, quer porque os invocados pelo julgador não têm nitidamente a força que ele lhe atribui, quer porque a sua interpretação dos mesmos viola as regras da lógica e da experiencia comum.

IV – Provado qualquer um dos factos índices do nº2 do artº 186º do CIRE a insolvência tem inelutavelmente de ser qualificada de culposa; já a prova dos factos do nº3 apenas faz presumir a culpa grave, importando, para aquela qualificação, que se prove ainda o nexo de causalidade entre tal actuação culposa e a criação ou agravamento da situação de insolvência.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

  1. Por apenso aos autos principais que declararam a sociedade, A...., insolvente, a ilustre Administradora de Insolvência emitiu parecer nos termos dos artigos 188.º e 191.º do CIRE.

    Alegou, para o efeito e em síntese: Que existem indícios que clamam a conclusão de existir incumprimento de contabilidade organizada – 186º nº2 al. h) do CIRE.

    Que a insolvente não se apresentou à insolvência, emergindo a presunção de culpa do artº 186º nº3 al.a).

    Tal parecer foi corroborado pelo parecer do Ministério Público no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa, nos termos conjugados dos artigos 186.º, n.º 2 e 3 e 18.º, n.º 1 e 3, al. b) daquele diploma.

    Citado, B....

    , na qualidade de (ex-)Presidente do Conselho de Administração da insolvente, contestou a qualificação da insolvência como culposa.

    Alegando, em suma, que: - O parecer não é fundado em provas credíveis; - A sociedade foi vítima de vários actos de vandalismo e de destruição de documentos que não podem ser imputáveis ao opoente.

    - A responsabilidade pela não entrega das declarações fiscais em tempo e manutenção de uma contabilidade organizada se deve ao contabilista C....

    (TOC da insolvente), que não foi capaz de organizar as contas respeitantes aos anos de 2005, 2006 e 2007 de forma a que fossem aprovadas pelo ROC.

    - Que o dossier fiscal foi integralmente disponibilizado à A.I.

    - O opoente contratou a firma de contabilidade Contimbra para realizar uma auditoria de contas, a fim de “colocar a contabilidade da empresa em dia, como é de direito”.

    - Os suprimentos realizados pelo opoente à insolvente mostram-se contabilisticamente bem inscritos; - Nunca se opôs à declaração da insolvência da A....; Concluiu pela qualificação da insolvência como fortuita ou pela redução do tempo de inibição decretado.

  2. Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que: Julgou incidente de qualificação da insolvência como culposo, e, em consequência:

    1. Determinou que B.... na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da insolvente A....., seja afectado por tal qualificação.

    2. Decretou a sua inabilitação para o exercício específico do comércio durante um período de 5 (cinco) anos e para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de uma sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.

    3. Determinou a perda de quaisquer créditos por si reclamados sobre a massa insolvente ou por si detidos e na sua condenação na restituição de bens ou direitos que, se for o caso, haja recebido em pagamento desse créditos.

  3. Inconformado recorreu o opoente.

    Rematando as suas alegações coma as seguintes conclusões: 1. O parecer da administradora de insolvência deve ser fundamentado e documentado.

  4. Da análise do parecer da administradora de insolvência, não consta qualquer documento que instrua a factualidade descrita no mesmo.

  5. a não documentação do parecer da administradora da insolvência, nos termos do art. n.º 188.º n.º 2 do CIRE, por lhe ser exigível para sustentar a fundamentação a ele associada, configura uma nulidade, por violação expressa de uma disposição imperativa, com as demais consequências legais, ferindo todos os actos subsequentes, nomeadamente a valoração factual e a própria sentença.

  6. O dever de colaboração determinada pela alínea i) do n.2 do art.º 186 do C.I.R.E., após ter sido requerido a instâncias da administradora da insolvencia, foi cumprido pelo Sr. Administrador da insolvente Sr. B.....

  7. O TOC interno da empresa, Dr. C...., foi contratado em 2005.

  8. Toda a documentação fiscal requerida aquando da fiscalização das finanças foi entregue à DGCI.

  9. O recorrente não confessou em momento algum a inexistência de toda a documentação contabilística.

  10. o requerimento de declaração de insolvência deu entrada no Tribunal em 22.01.2008.

  11. A aprovação das contas da empresa referentes aos anos de 2006 não foi recusada pela administração da empresa.

  12. O presidente do conselho de administração sempre diligenciou com todos os meios ao seu alcance pela organização da contabilidade da empresa 11- O administrador da insolvente impulsionou a regularização da contabilidade, contratando técnicos para o efeito, solicitando auditorias em relação à contabilidade .

  13. O Sr. B.... sempre disponibilizou os documentos contabilísticos que tinha em seu poder, 13. O dossier fiscal não foi pedido ao TOC nem pela Administradora nem pela sua colaboradora.

  14. O dossier fiscal ficou junto com os documentos que estavam na posse da administradora da insolvência 15 -Todos os factos contabilísticos da empresa estavam documentados e lançados informaticamente pelo TOC 16 . A prova da não disponibilização e inexistência de documentos contabilísticos trata-se da prova de um facto negativo. Sendo aquela de realização difícil ou impossível parte daquele sobre quem recai a presunção legal, o ónus da prova conhecerá uma inversão. Isto é: em face da presunção legal da existência do facto, bastará ao administrador negar tal facto, cabendo à administradora de insolvência ou ao Tribunal, o dever de provar quais os documentos contabilísticos concretos em falta.

  15. Entre 2005 e 2007, o Sr. B.... participou criminalmente às autoridades, que a sede da insolvente foi alvo de actos de vandalismo, dos quais desapareceram documentos da contabilidade referente ao ano de 2004, que prejudicaram a elaboração das contas dos anos subsequentes.

  16. Houve responsabilidade pela não encerramento das contas, imputável ao TOC da empresa, Dr. C....pelo incumprimento da sua legis artis .

    19 - Não se verifica a existência de um nexo de causalidade entre as situações previstas no parecer , por referencia ao art. 186.n.º 2 al h), e a ocorrência ou agravamento da insolvência, 20 Não se verifica um nexo de causalidade entre a actuação do administrador da empresa insolvente e a situação de insolvência, por não poder ser imputável responsabilidade ao sr. B.....

  17. O Presidente do Conselho de Administração da insolvente desconhecia a real situação de ruptura financeira e económica que a empresa ultrapassava 22. Para se considerar um incumprimento definitivo do dever de apresentação à insolvência, há que atender primeiramente a todas as circunstâncias que conduziram a essa declaração, e em especial, aos factos conhecidos pelo administrador da insolvente e à alteração imprevista das condições com que até então a empresa se deparava 23- O momento a partir do qual se pode fixar um prazo em que se torna exigível a apresentação do devedor à insolvência ( neste caso, 60 dias nos termos do art. 18.º do CIRE), é o momento em que a empresa se torna insusceptível satisfazer obrigações, que pelo seu significado, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento para o obrigado o impedem de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.

  18. O momento em que a insolvência se tornou evidente deve ser fixado com rigor em 23.11.2007, data em que a insolvente se viu, pela primeira vez, impossibilitada de pagar as prestações, ao seu único financiador, o “D....

    ”.

    25-Em consequência, é a contar do dia 23.11.2007, que decorrem os 60 dias para o devedor ( o ora recorrente) se apresentar à insolvência.

  19. Tendo ficado a devedora impossibilitado de se apresentar à insolvência voluntariamente por força de requerimento anterior, a não oposição do administrador na qual declara expressamente” aceito a insolvência”, dentro do prazo legal de oposição, configura uma manifestação pragmática de aderir à insolvência, ou seja, declarar-se insolvente de forma voluntária.

  20. Não se verifica a existência de um nexo de causalidade entre o facto previsto na alínea a) do n.º 3 art.186.º do CIRE e a agravação da insolvência, pelo que tal não deverá considerado provado.

  21. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª Nulidade do parecer da Sra. Administradora da insolvência por falta de documentação.

    1. Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    2. Julgamento do incidente em função dos factos apurados.

  22. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    Invoca o recorrente a nulidade do parecer da Sra. Administradora da insolvência por falta de documentação.

    Nos termos do artº 188º do CIRE: Nº1 «Até 15 dias depois da realização da...

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