Acórdão nº 422/08.9TBSCD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: REVOGADA Legislação Nacional: ARTS.342, 343 Nº1, 346, 1261, 1263, 1287, 1305, 1550 DO CC, 4 Nº2 A) CPC Sumário: I –Na acção negatória de servidão, o autor só carece de provar a sua propriedade, competindo ao réu a prova da constituição da servidão.

II – Demonstrada pelo réu a existência da servidão ( os respectivos factos são relativamente a ele constitutivos), é ao autor quem tem de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito.

III – A constituição da posse pressupõe a prática reiterada de actos materiais sobre a coisa, exercida com carácter duradouro, susceptível de revelar intensidade e/ou permanência, não bastando actos fugazes, ocasionais ou casuais.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I.RELATÓRIO A....

, B....

, C....

e mulher D.....

, vieram propor acção declarativa com processo na forma sumária contra E....

e mulher, F....

e G....

, pedindo que sejam os Réus condenados a reconhecerem o direito de propriedade da herança ilíquida e indivisa deixada por óbito de H...

, cujos Autores são os únicos herdeiros do mesmo, sobre o prédio de pinhal sito no lugar de ......, freguesia de ......, concelho de ......, inscrito na referida freguesia sob o artigo 000......º, e que não assiste qualquer direito aos Réus de, sobre o mencionado prédio, de forma subterrânea ou a descoberto, introduzirem ou fazerem passar qualquer tubo ou outro material para condução e aproveitamento de águas, que não lhes assiste qualquer direito de servidão sobre aquele prédio, não tendo os Réus qualquer direito de passagem, de pé, de carro e tractor sobre o mesmo, e os Réus condenados a retirarem o tubo de PVC que introduziram no prédio pertencente à Herança em causa, bem como a absterem-se de passar ou fazer trânsito de pé e/ou com gado sobre o mesmo.

Alegam para o efeito os Autores que o identificado prédio confina com os prédios inscritos na matriz predial rústica sob os artigos 111......º e 222......º, também da freguesia de ......, que há alguns anos são possuídos pela Ré G... e explorados pelos seus pais, tendo aqueles constatado que em meados do ano transacto – em relação à data da propositura da acção – a existência no prédio da Herança, e sem que sobre ele aos Réus assista qualquer direito de transporte de águas, de um tubo em PVC proveniente de uma nascente dos segundos identificados prédios, tendo as obras e o encanamento do dito tubo sido realizados às ocultas e sem conhecimento dos Autores. Referem ainda que os mesmos Réus abusivamente e sem autorização dos Autores, têm efectuado trânsito e pé e de tractor sobre o prédio da Herança, sem que lhes assista qualquer direito de passagem sobre o mesmo.

Citados, contestaram os Réus, que admitiram a colocação do tubo de PVC, mas referindo que a mesma foi antecedida de autorização, há cerca de dez anos, pelo autor da herança. Alegam ainda que, para acederem aos seus prédios, sempre iniciaram a travessia pelo prédio da Herança, no sentido sul - norte, flectindo depois para nascente, e não pelo caminho que os Autores mencionam na sua petição inicial, há mais de vinte anos, à vista de toda a gente, de forma pacífica e sem que alguém jamais se haja oposto a tal passagem.

Foi proferido despacho saneador, seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, que não sofreu reclamação.

Realizado o julgamento, veio oportunamente a ser proferida decisão que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou os Réus: a) “A reconhecerem que não lhes assiste qualquer direito de sobre o prédio da herança, indicado em 2. dos factos provados, e de forma subterrânea ou a descoberto, introduzirem ou fazerem passar qualquer tubo ou outro material para condução e aproveitamento de águas que nascem nos prédios descritos em 4. e 9. dos factos provados; b) A retirar o tubo PVC que introduziram no referido prédio da herança”, c) Julgando improcedentes, por não provados, os demais pedidos formulados pelos Autores, tendo as custas sido fixadas na proporção de metade para Autores e Réus.

Por não se conformar com tal decisão, na parte em que ficaram vencidos, dela interpuseram os Autores recurso de apelação para este Tribunal da Relação, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: - “A ACÇÃO É DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA ESPECIALMENTE COMPETINDO AO RÉU A PROVA DOS FACTOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO A QUE SE ARROGA (…); - A RÉ CONTESTANTE NÃO ALEGOU QUALQUER FACTO CONDUCENTES À DEMONSTRAÇÃO DA AQUISIÇÃO 00 PRÉDIO (AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA OU TRANSLA1WA) NEM ALEGOU QUALQUER TITULO DE ONDE A MESMA SE PRESUMISSE; - (…) NEM PROVARAM COMO ADQUIRIRAM A POSSE DO PRÉDIO, NEM SE TENDO ASSENTE O SEU INICIO; - ASSIM, O TRIBUNAL NÃO PODE TER POR PROVADA A ACESSÃO NA POSSE (ART. 1256° DO C. CIVIL)…; - A RÉ COMO LHE COMPETIA, NÃO ALEGOU QUAISQUER SINAIS DE ONDE SE INFERISSE, INEQUIVOCAMENTE, A PASSAGEM DE PÉ, DE CARRO OU TRACTOR; - NÃO DEFINIU UM CAMINHO, A SUA LOCALIZAÇÃO, EXTENSÃO E PROJECÇÃO E OS SINAIS DE PASSAGEM NO LEITO (TERRA BATIDA, TRILHOS, ETC) QUE FOSSEM VISÍVEIS E PERMANENTES DE FORMA A ATESTAR QUALQUER SERVIDÃO; - A AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO NÃO PODE SER SUPRIDA POR QUALQUER CONSIDERAÇÃO OU VIZUALIZAÇÃO DE QUALQUER PERCURSO EM SEDE DE INSPECÇÃO JUDICIAL E ILUSTRADO A FLS. 64 SOB PENA DE VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO DISPO5ITIVO, NOS TERMOS DO ART.664°DOC.P.CIVIL; -A POSSE RELEVANTE DEVE SER PÚBLICA. PACÍFICA. ININTERRUPTA E CONTÍNUA. POIS SÓ UMA PRÁTICA REITERADA DOS ACTOS MATERIAIS PODE CONDUZIR A SUA AQUISIÇÃO NOS TERMOS DO ART.° 1263° AL C) DO C. CIVIL; - PERANTE A FACTUALIDADE PROVADA NA RESPOSTA AOS QUESITOS 5° E 9° A ALTERNÂNCIA DA UTILIZAÇÃO INCULCA MAIS UMA ACTUAÇÃO DE VIZINHANÇA E MERA TOLERÂNCIA PESSOAL E MENOS UMA RELAÇÃO (REAL) DE SERVENTIA; - DEU-SE COMO PROVADA UMA POSSE PÚBLICA, MAS APENAS SEM OPOSIÇÃO DOS AA; - ERA MISTER DEMONSTRAR UMA POSSE CONSTITUÍDA SEM OPOSIÇÃO DE UM NÚCLEO DE PESSOAS OU INTERESSADOS, NÃO SE PODENDO CONCLUIR QUE SE PROVOU UMA POSSE PACÍFICA, QUE NÃO O FOI, ACABANDO OS AA. POR PROPOR A ACÇÃO; - (…) APENAS SE APUROU QUE, NA AUSÊNCIA DE DOCUMENTO COMPROVATIVO DA DATA DE AQUISIÇÃO DO PRÉDIO PELOS RR., A MESMA (POSSE) OCORREU HÁ CERCA DE 12 /14 ANOS (À DATA DO JULGAMENTO) E NÃO À DATA DA CITAÇÃO; - E O TRIBUNAL NÃO PODE TER DADO COMOPROVADO O LAPSO DE TEMPO DE 15 ANOS E A BOA-FÉ; - OS RR. NADA ALEGARAM QUANTO AO ELEMENTO INTENCIONAL, OU SEJA, O INTUITO DE FAZEREM A PASSAGEM COM A CONVICÇÃO DE EXERCEREM UM DIREITO DE SERVIDÃO (ANIMUS POSSIDERE); - A SENTENÇA NÃO PODIA TER DADO COMO PROVADA A EXISTÊNCIA DA SERVIDÃO DE PASSAGEM E A ACÇÃO DEVERIA TER SIDO JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE.

Não foram apresentadas contra - alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO 1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].

Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente se, face à matéria dada como comprovada, devia ser reconhecido que aos Réus não assiste qualquer direito sobre o prédio da herança representada pelos Autores, designadamente direito de servidão de passagem, condenando-se estes a absterem-se de passar ou fazer trânsito a pé ou de carro sobre aquele prédio.

  1. FUNDAMENTO DE FACTO Pela primeira instância foram julgados provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação por via do presente recurso: 1. No dia 28 de Fevereiro de 2005 faleceu, intestado, H......, no estado de casado com a autora A...., em primeira e únicas núpcias de ambos, tendo deixado como únicos herdeiros a sua mulher e os autores filhos C...... e B...... – al. a) dos factos assentes.

  1. A herança aberta por óbito de H...... ainda se encontra ilíquida e indivisa, fazendo parte do acervo hereditário o prédio de pinhal, sito no lugar de ......, freguesia de ......, Concelho de ......, o qual se encontra inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 000...... – al. b) dos factos assentes.

  2. Por si e pelos seus maiores de quem houveram, têm os autores limpado o mato, apanhado a caruma e resinado os pinheiros no referido prédio, há mais de 40 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma contínua, sem intenção de prejudicar ou lesar direitos de outrem e na convicção de exercerem um verdadeiro direito de propriedade – al. c) dos factos assentes.

  3. A norte do prédio dos autores e a confinar com este, a ré G... (adiante 2ª ré) é possuidora de um terreno de cultura e pinhal e mato, sito aos ......, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 111......º da freguesia de ......, o qual é, há já alguns anos...

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