Acórdão nº 3310/08.5TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelJAIME FERREIRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: REVOGADA Legislação Nacional: ARTºS 29º E 32º DA LUCH; 483º DO C.CIV.; ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA Nº 4/2008 Sumário: I – Do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2008, publicado no D. R., 1ª série, de 4/04/2008, resulta, no que respeita ao seu âmbito, que nele apenas se teve como único objecto “a apreciação da questão da licitude da conduta do Banco recorrente. De fora do âmbito desse acórdão ficaram as questões relativas aos demais pressupostos da obrigação de indemnizar”.

II - Face ao teor do dito Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, um Banco comete um acto ilícito ao negar, ao portador/legítimo beneficiário, o pagamento dos cheques que lhe tenham sido apresentados a pagamento no prazo de oito dias (previsto no artº 29º da LUCH), com fundamento em «falha ou vício na formação da vontade», considerando que, nos termos do artº 32º da LUCH, a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo legal de apresentação do cheque.

III - Sendo assim, deve esse Banco responder por perdas e danos perante a legítimo beneficiário do cheque, nos termos do artº 483º, nº 1, do C. Civ. e de direito em geral.

IV - Porém, para que assim possa acontecer é também necessário que de tal conduta do Banco tenha resultado um dano para o beneficiário do cheque.

V - Como resulta do próprio Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2008, “a recusa do pagamento constitui o banco sacado, desde que verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, na obrigação de indemnizar o tomador do cheque. Como já resultou do que atrás se disse, a responsabilidade pelo não pagamento do cheque relativamente ao tomador não é contratual…- valem aqui as regras gerais da responsabilidade civil, mormente os artºs 483º, nº 1, 562º e 563º do C. Civ.” – Ponto II.B.5 do Acórdão.

VI - Assim sendo, no caso de um Banco sacado agir de forma ilícita e culposa para com um portador/legítimo beneficiário de um cheque que o apresenta a pagamento no prazo legal, não o pagando, com fundamento na sua revogação pelo sacador, para responder perante o portador, nos termos do artº 483º, nº 1, do C. Civ., terá de dar origem a um dano ao portador do cheque, que poderá efectivamente corresponder ao montante do cheque ou não.

VII - Porém, deve entender-se que só assim será se o banco sacado tiver meios financeiros à sua disposição, colocados pelo sacador na conta sacada, e deles não se servir, podendo e devendo fazê-lo.

VIII - Já assim não será se na conta sacada não houver ou não existirem esses meios, uma vez que o saque de um cheque sobre uma dada conta bancária pressupõe a existência de saldo na mesma – é o que resulta do artº 3º da LUCH: “o cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e em harmonia com uma convenção expressa ou tácita, segundo a qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos por meio de cheque”.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I No 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, a sociedade comercial “...”, com sede na Rua ..., Marcos de Pedrulha, Eiras, Coimbra, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra o “Banco ...

”, com sede na Avenida..., em Lisboa, pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 11.909,25, acrescida de juros de mora vincendos até efectivo pagamento, à taxa legal, calculados sobre o montante de € 11.530,00.

Alega para tanto e em resumo que, no exercício da sua actividade comercial, em 28/09/2007 vendeu à sociedade “Construções ..., S.A.”, um balde de 80 centímetros, pelo preço de € 2.117,50, para pagamento do qual esta sociedade, através do Presidente do seu Conselho de Administração, preencheu, subscreveu e entregou à A. um cheque do mesmo valor, datado de 26/11/2007 e sacado sobre uma conta existente na Ré, cheque este que, apesar de ter sido apresentado a pagamento em 27/11/2007, foi devolvido pelo Serviço de Compensação do Banco de Portugal, no dia 28/11/2007, com a menção de «falha ou vício na formação da vontade».

Que, ainda no exercício da sua actividade comercial, celebrou com a dita sociedade “Construções ..., S.A.”, um contrato de aluguer de uma máquina escavadora pela renda mensal de € 4.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal, tendo esta sociedade utilizado a dita máquina entre Agosto e Dezembro de 2007, e que para pagamento de parte das rendas, que ascenderam ao valor global de € 24.200,00, a mesma sociedade preencheu, subscreveu e entregou à A. um cheque sacado sobre uma conta na Ré, datado de 5/11/2007, no montante de € 9.413,00, o qual foi apresentado a pagamento dentro do prazo legal, tendo sido devolvido pelo Serviço de Compensação do Banco de Portugal em 7/11/2007, com a menção de «falha ou vício na formação da vontade».

Que por carta de 1/02/2008, que a A. enviou ao Réu, foi este informado de que tais cheques se destinavam ao pagamento de dívidas à A. e foram-lhe entregues por um administrador das sociedades que emitiram e subscreveram esses cheques, pelo que a A. não aceitava a razão invocada para o não pagamento dos ditos cheques, solicitando ao Réu o pagamento dos mesmos. Que os motivos subjacentes à devolução dos cheques eram falsos; que o banco Réu devolveu os cheques sem se ter certificado da existência de justa causa para a sua devolução; que até hoje os montantes titulados pelos cheques se encontram por pagar, sendo a sua cobrança inviável; e que o banco é responsável, conforme jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 28 de Fevereiro de 2008, pelo ressarcimento do prejuízo que sofreu, correspondente ao valor dos cheques acrescido de juros de mora à taxa legal desde a sua data de vencimento, nos termos do artº 483º do C. Civ., do artº 32º da L.U. s/Cheques, e do artº 14º do Dec. nº 13.004, de 12/01/1927.

II Contestou o Réu impugnando, por desconhecimento, a matéria de facto alegada e atinente aos contratos celebrados entre a Autora e os sacadores dos cheques, e invocando que inexiste nexo causal entre a recusa motivada de pagamento do cheque e o prejuízo, uma vez que as contas sacadas não tinham provisão para pagamento dos cheques, que, assim, sempre veriam o seu pagamento recusado.

Mais alega que o eventual prejuízo, a existir, não pode corresponder ao montante titulado pelos cheques, estando limitado aos incómodos, despesas acrescidas, lucros cessantes e, no limite, acrescido risco na cobrança da quantia, sendo que a Autora nada alegou quanto a estes.

Invoca que, face ao contrato de mandato que celebrara com o sacador se encontrava vinculada a respeitar a instrução que recebeu, sob pena de responder pelos prejuízos decorrentes desse incumprimento contratual; e que o portador dos cheques se não enquadra no domínio subjectivo de aplicação da norma ínsita no art. 32º da LU, pelo que não está preenchida a previsão do art. 483º, nº1, do Código Civil, e que nem sequer se verificou nenhuma ordem de revogação, antes uma ordem de não pagamento motivada em falta ou vício de vontade, que constitui justa causa, abstractamente considerada, de não pagamento dos mesmos, incumbindo à Autora a prova da inveracidade da causa motivadora do não pagamento dos cheques.

Concluiu pela improcedência da acção.

III A Autora apresentou articulado de resposta na qual impugnou a factualidade invocada na contestação e reiterou a responsabilidade do Réu pelo pagamento do valor correspondentes aos cheques.

IV Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade adjectiva da acção, tendo sido seleccionada a matéria de facto alegada e tida como relevante para efeitos de instrução e para a discussão da causa.

Também aí foi fixado o valor da acção em € 11.909,25.

Seguiu-se a realização da audiência de julgamento, com gravação da prova testemunhal produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação.

V Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção procedente, com a condenação do Réu no montante do pedido.

VI Desta sentença interpôs recurso o Réu, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.

Nas alegações que apresentou o Apelante concluiu, com utilidade, do seguinte modo: 1ª – A Apelada não tem o direito em que pretende assentar os alicerces da responsabilidade civil da Apelante, isto é nos artºs 483º, nº 1, CC; 29º e 32º da LU s/Cheques; e artº 14º do Dec. nº 13004.

2ª – Não tem esse direito desde logo porquanto a segunda parte do artº 14º do Dec. nº 13004 se encontra tacitamente revogado, atendendo a que o Estado Português não formulou qualquer reserva ao artº 32º da LU, o qual, ao entrar em vigor no ordenamento jurídico interno afastou o regime daquela norma que até aí vigorava.

3ª – Depois, porque o interesse que o artº 32º da LU visa salvaguardar é apenas e tão somente o interesse do portador do cheque, mas enquanto sujeito cambiário integrado na cadeia cambiária, cadeia esta à qual é totalmente alheia a Apelada que não é obrigada cambiária.

4ª – Acresce que o presente caso não se enquadra na previsão da norma do artº 32º da LU, porquanto não se verificou no caso concreto nenhuma revogação dos cheques.

5ª – O que se passou foi, ao invés, uma ordem de não pagamento dos cheques dirigida pela sacadora à Apelante, com fundamento em falta ou vício da vontade que, abstractamente considerada, é uma justa...

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