Acórdão nº 546/06.7GTLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGO 61º, Nº 1 D) CPP Sumário: 1. A génese do direito ao silêncio não assenta num intuito de beneficiar o arguido, antes decorrendo do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, facultando ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se auto-incrimine.

  1. Se o uso do direito ao silêncio não poderá em caso algum prejudicar o arguido, também o não deverá beneficiar Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, foi o arguido R... condenado, após julgamento com documentação da prova produzida, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 450 (quatrocentos e cinquenta euros), pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3º, n º 1, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1) Conforme resulta de fls., foi deduzida acusação contra o Arguido: “Pelo exposto, cometeu um crime de condução de veículo a motor sem para tal estar habilitado, previsto e punido pelo artº. 3º nº l, da Lei nº 2/98, de 03 de Janeiro.” 2) O Arguido apresentou a contestação, conforme acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação; 3) Foi realizado Julgamento, onde a final decidiu a Meritíssima Juiz, o que acima se transcreveu; 4) Salvo devido respeito não podemos concordar com tal decisão; 5) Para chegar a esta decisão, entende a Meritíssima Juiz, nomeadamente na parte destinada aos FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS, dar relevância ao depoimento das testemunhas indicadas pela acusação; 6) Considerou a Meritíssima Juiz "a quo" dar como provados, os seguintes factos: no dia 07.10.2006, pelas 13HOO, o arguido conduzia um veículo ciclomotor, sem matrícula aposta, na Rua da Fonte, Mourões, Leiria; fazia-o sem estar habilitado para a condução dessa categoria de veículos pois não possuía licença de condução ou documento equivalente que o habilitasse a conduzir tal espécie de veículo; agiu livre, voluntária, e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; 7) Antes de mais, de todos os factos dados como provados, refere que era o Arguido que conduzia o veículo interveniente no acidente em causa destes autos; 8) Da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, nenhum dos intervenientes do acidente, nem nenhuma pessoa que se encontrava no local, viu o arguido; 9) A Testemunha F..., que foi interveniente no referido acidente e que esteve presente no local, não referiu em momento algum que era o Arguido que conduzia o veículo, nem o reconheceu; 10) Segundo o nosso ordenamento jurídico-penal, a condenação ou absolvição de um arguido é decidida tendo em conta a prova produzida em sede de Audiência de Julgamento; 11) No caso dos presentes autos, não se provou que tenha sido o Arguido a conduzir o veículo, e as únicas pessoas que poderiam confirmar tal facto, não viram o Arguido a conduzir o veículo interveniente no acidente; 12) Referir como referem as testemunhas que sabem que foi o Arguido porque lhes disseram é o mesmo que nada dizer; 13) Tendo em conta o principio “in dubio pro reo”, teria o Arguido que ser absolvido, pois não existe qualquer prova que tenha sido este o condutor do veiculo interveniente no acidente, referenciado nestes autos; 14) O que desde já assim, se requer; 15) E caso este Venerando Tribunal assim não o entender, deverá ser o Arguido absolvido também por outros motivos; 16) Refere o Meritíssimo Juiz "a quo", que o Tribunal fundamentou a Sentença atendendo ao depoimento das seguintes testemunhas: -F... que deu conta de nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação ter sido interveniente num acidente de viação, envolvendo o seu veículo e um veiculo ciclomotor conduzido por um jovem, que era o único ocupante do ciclomotor, sendo que deu conta também que o condutor do ciclomotor foi o único acidentado e o único interveniente a necessitar de tratamento hospitalar e que o mesmo transportado para o Hospital pelos bombeiros e que quando a GNR chegou ao local o condutor do ciclomotor já não estava no local por ter sido transportado para o hospital; 17) Apesar de esta testemunha referir que o veículo ciclomotor conduzido por um jovem, que era o único ocupante do ciclomotor, que foi o único acidentado e o único interveniente a necessitar de tratamento hospitalar, a verdade é que não reconheceu o arguido como sendo o condutor do referido veículo; 18) Com o depoimento acima transcrito, não se provou que era o Arguido quem conduzia o veículo ciclomotor, envolvido no acidente de viação relatado pela testemunha, visto que, a única coisa que se provou foi que o veículo ciclomotor era conduzido por um jovem e que este vinha sozinho; 19) Não se compreende, como pode a Meritíssima Juiz ter decidido que era o arguido o condutor do veículo; 20) Também fundamentou o Tribunal “a quo” a sentença recorrida, no depoimento da testemunha: V..., que refere que quando chegou ao local do acidente, já não se encontrava no local, o condutor do veículo ciclomotor, supostamente envolvido no acidente de viação; 21) Esta testemunha também não se encontrava no local do acidente, nem encontrou nesse local o condutor do motociclo, quando lá chegou; 22) Pelo que não se compreende, como pode a testemunha dizer que não tem dúvidas quanto à identidade do condutor do veículo ciclomotor, e que essa identidade corresponde ao arguido neste processo; 23) Não se entende como pode a testemunha ter tantas certezas; 24) Pois, analisando o seu depoimento, a testemunha refere que identificou o arguido, apenas no Hospital e não no local do acidente, por o condutor do motociclo já lá não se encontrar; 25) Como pode a testemunha ter tantas certezas, se não presenciou os factos, nem identificou o condutor do veiculo no local da ocorrência, mas antes no hospital, com base na ficha de entrada do paciente? ; 26) A testemunha esclarece que chegaram à identificação do condutor do ciclomotor com base nas declarações de um indivíduo que se identificou como sendo pai do condutor do ciclomotor e forneceu a respectiva identificação; 27) Sucede que, não se logrou provar quem era esse individuo, e se, de facto, se tratava ou não do pai do arguido neste processo; 28) Também este ponto foi incorrectamente julgado, e dai se requer a este Venerando Tribunal, a apreciação da matéria de facto; 29) Também fundamentou o Tribunal “a quo” a sentença recorrida, no depoimento da testemunha: A..., que disse ter corrido na terra que o arguido tinha tido um acidente de ciclomotor; 30) Ora, a testemunha referiu que apenas que “ouviu dizer” que o arguido teve um acidente de mota, mas sem saber precisar onde, nem quando; 31) Pelo que, não se pode compreender como pode a Meritíssima Juiz fundar a sentença, naquilo que a testemunha afirma “ter ouvido dizer”, isto é, num depoimento indirecto da testemunha; 32) Daí que, e como o depoimento das testemunhas foi gravado, se requeira a renovação da prova, nos termos do artigo 4300 do Código do Processo Penal; 33) O que desde já aqui se requer; 34) Atendendo à prova produzida em Audiência de Julgamento, nunca se poderia condenar o Arguido, pois decidir-se como se decidiu, viola as regras elementares do C.P.P. e C.P. aplicáveis ao caso em apreço, nomeadamente o princípio “in dubio pro reo”; 35) Para contrariar o que consta da sentença recorrida, requerer-se a audição do depoimento das testemunhas que se encontra gravado, sendo necessário para o efeito que a secção transcreva tais depoimentos de forma a que esse Venerando Tribunal possa apreciar convenientemente tudo o que se passou nas audiências de julgamento; 36) O que se passou e provou na audiência de julgamento é aquilo que resulta do depoimento das testemunhas inquiridas, e que é aquele que se encontra gravado; 37) No caso dos autos, nenhum dos factos dados como provados, nomeadamente os que se deixaram supra destacados, têm suporte na prova produzida em audiência de julgamento; 38) Provado ficou que o condutor do motociclo já não se encontrava no local do acidente quando ai chegou a G.N.R., e que o condutor do outro veículo envolvido no acidente, não pode identificar o referido condutor, por já não se recordar da sua aparência, estatura, idade, etc; 39) Pelo que, a acusação não conseguiu estabelecer o nexo causal entre a eventual prática do crime descrito na acusação e o agente que o praticou; 40) Assim, não se compreende a sentença de fls.; 41) Daí que, atendendo à prova constante dos autos, o Arguido, R... teria que ser absolvido, pois não existe qualquer prova que tenha sido este o condutor do ciclomotor interveniente no acidente, referenciado nestes autos; 42) Assim, terá de ser considerada nula a Sentença recorrida por falta de fundamentação, no que concerne ao nexo causal entre a eventual prática do crime e o agente que o praticou; 43) Foi o Arguido condenado, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), num total de € 450 (quatrocentos e cinquenta euros); 44) Porém, caso, este Venerando Tribunal, não decida pela absolvição do Arguido, a pena de multa terá de ser substituída por admoestação; 45) A Meritíssima Juiz na ponderação que fez, da eventual substituição da pena de multa por admoestação, entendeu relevar o facto de o Arguido em audiência, ter feito uso do seu direito ao silêncio; 46) Salvo o devido respeito, erradamente, pois certo é, que o arguido exerceu na audiência de discussão e julgamento um direito seu, consagrado no artigo 61º, nº 1, alínea c) do C.P.P., sendo que o direito ao silêncio é uma das mais importantes manifestações do direito de defesa no direito processual moderno; 47) Nestes termos, o exercício do direito ao silêncio, em nada poderá desfavorecer o arguido; 48) Este direito...

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