Acórdão nº 1497/03.2TACBR.CI de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCALVÁRIO ANTUNES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: 30º,Nº2 DO CP; 24ºE 27º-B DO DL20/90 DE 15/01 105º,107º DO RGIFNA E ARTIGO 113º DA LEI Nº64-A /2008 DE 29/12 Sumário: 1.O tipo de crime abuso de confiança contra a segurança social é autónomo, independente do do crime de abuso de confiança fiscal e um outro destes crimes tutelam bens jurídicos distintos.

  1. Uma vez que a remissão para o crime de abuso de confiança fiscal apenas respeita às penas, não pode de modo algum entender-se que o nº 1 do art. 105º do RGIT se aplicava na totalidade, por força do disposto no art. 107º, aos crimes de abuso de confiança contra a segurança social. Aliás se assim se entendesse, tal consistiria numa quase total despenalização dos factos integradores do crime de abuso de confiança contra a segurança social, pois que com a revogação do nº 6 do referido art. 105º, ficaria totalmente despenalizado (nem contra-ordenação) o abuso contra a segurança social em que a dívida fosse inferior ou igual a 7500€.

  2. A alteração introduzida pelo art.113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ao art.105.º, n.º1 do RGIT, não descriminalizou a não entrega total ou parcial, à segurança social de prestação igual ou inferior a € 7500.

  3. O crime continuado, integra uma unidade jurídica, construída por sobre uma pluralidade efectiva de crimes. Ou seja, perante uma repetição de factos e de resoluções criminosas de significado penal equivalente, com um nexo de continuidade, a ordem jurídica estipula a consideração dessa continuação de delitos como um único facto, no sentido jurídico-penal.

  4. A factualidade provada nos presentes autos apresenta-nos uma perfeita homogeneidade de condutas (omissão de entrega do montante de descontos para a Segurança Social, efectuados aos trabalhadores por conta de outrém) com renovação da resolução criminosa sempre que a ocasião se proporcionou, tendo como motivação subjacente sempre as mesmas dificuldades financeiras da empresa. Nessas circunstâncias, admite-se que o esforço de manter a solvabilidade da empresa, e em última instância a sua sobrevivência, tenha arrastado os agentes para a conduta desviante, em termos de tornar sucessivamente mais difícil e menos exigível contrariar o recurso a esse expediente, diminuindo consideravelmente a culpa.

  5. Estamos assim face a um único crime – um crime continuado. E sendo o crime continuado, o mesmo conumou-se com a não entrega da ultima das prestações devidas, no prazo de 90 dias após a sua dedução.

    Face a tal, dúvidas não existem que a prescrição ainda não ocorreu. Decisão Texto Integral: 24 I. Relatório: O Ministério Público deduziu acusação, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, contra: AD…, casada, empresária, nascida… em… Coimbra, filha de A. e de O… residente … Coimbra; A.

    , casado, administrador, nascido … em …, Coimbra, , titular do B. de Id. Nº … emitido pelo Arq. de Id. de Lisboa em …/84, … Coimbra; AU.

    casado, administrativo, nascido … em… Coimbra, filho de A.. e de O.., residente em… por si e em representação de: F….S.A., sociedade comercial anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …. sob o número…, contribuinte da Segurança Social nº …, titular do N.I.P.C… e com sede … Coimbra; imputando-lhes, pela prática dos factos descritos na acusação pública de fls. 1026 e ss. dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelo art. 27° -B e 24°, nº 1 do Decreto Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro (R.J.I.F.N.A.), ou pelo art. 105°, nºs 1, 2 e 5 e 107° n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho.

    ***O Instituto de Segurança Social formulou um pedido de indemnização civil contra os arguidos, a fls. 1047 e ss., pedindo a condenação dos arguidos no pagamento de quantia de €:126.138,80, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de €:56.684,68 e de juros moratórios vincendos, à taxa legal devida nos termos da legislação especial da segurança social, e até efectivo e integral pagamento, todos calculados de acordo com a legislação especial por dívidas à Segurança Social.

    *** Efectuado julgamento o tribunal decidiu:

    1. Absolver o arguido AU da prática dos factos e do crime de que vinha acusado.

    2. Condenar a arguida AD, pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 30º n.º 2 do CP e nos arts 27° -B e 24°, nº 1 do Decreto Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro (R.J.I.F.N.A.), ou 105º, nºs 1, 2 e 5 e 107° n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de €:4,50, o que perfaz €:990,00, fixando a prisão subsidiária em 146 dias.

    3. Condenar o arguido A., pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo art.º30° n.º 2 do CP e nos arts 27° -B e 24°, nº 1 do Decreto Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro (R.J.I.F.N.A.), ou 105°, nºs 1, 2 e 5 e 107° n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de €:6,00, o que perfaz €:1320,00, fixando a prisão subsidiária em 146 dias.

    4. Condenar a arguida F… S. A., pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 30° n.º 2 do CP e nos arts 27° -B e 24°, nº 1 do Decreto Lei nO 20-A/90, de 15 de Janeiro (R.J.I.F.N.A.), ou 105°, nºs 1, 2 e 5 e 107° n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 350 dias de multa, à taxa diária de €:5,00, o que perfaz €:.1750,00.

    5. Condenar os arguidos AD. A.e F…SA.. no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça individualmente devida pelos arguidos AD.. e F….. em 2 UCs e a devida pelo arguido A… em 1 UC, em virtude da confissão feita 8art.º 344° do CPP, com procuradoria no mínimo (cfr. arts. 513°, n.ºs1 e 3,514°, n.ºs1 e 2, ambos do Cód. de Proc. Penal e arts.82, 85°, n.º1, al.b), 89°, n.º1 al d)e 95°, todos do Cód. das Custas Judiciais), e o acréscimo de 1% nos termos do n.º3 do art.13° do DL n.º 423/91, de 30 de Outubro.

    6. absolver o arguido AU… do pedido de indemnização civil contra ele deduzido.

    7. julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido contra os arguidos AD…A… e F…, S. A. e condená-los solidariamente no pagamento à demandante civil da quantia de €:126138,80, acrescida de juros de mora no montante de €:56684,68, vencidos até Agosto de 2005 e vincendos até efectivo e integral pagamento, todos calculados de acordo com a legislação especial por dívidas da segurança social.

    8. custas civis por demandante e demandados na medida do decaimento, que se fixa em 1/4 para a primeira e em ¾ para os demandados.

    ***2. Não concordando com a decisão, a arguida F…S.A., interpôs o presente recurso, formulando nas respectivas motivações, as seguintes (transcritas) conclusões: 1. A redacção do artigo 105º do RGIT dada pela Lei 64-A/2008 de 29.12 veio introduzir uma nova condição objectiva de punibilidade do crime o que induz a aplicação do regime mais favorável.

  6. O artigo 107º do RGIT, inalterado com a Lei 64-A/2008 de 31/12, remete para as penas previstas nos nºs 1 a 5 do artigo 105º do mesmo diploma sendo que as preditas penas só são aplicáveis caso a não entrega de valores seja superior a €7500 avalizando assim a interpretação gramatical da arguida.

  7. Do ponto de vista do elemento racional, a intenção do legislador queda-se no simples facto de pretender que não cheguem aos tribunais litígios que envolvam montantes significativamente baixos optando pela sua resolução em sede de procedimento administrativo mediante a instauração do competente processo contra-ordenacional.

  8. Basta atentar, em abono do propugnado, na revogação expressa do nº6 do artigo 105º do RGIT que já previa uma hipótese de descriminalização da conduta mediante o “ressarcimento” do Estado pelo pagamento. Com esta alteração legislativa, é manifesta a intenção do legislador em optar ab initio pela descriminalização da conduta ao prever um limiar mínimo de punibilidade seja mais elevado.

  9. No que ao elemento sistemático diz respeito parece incontroverso que vários elementos fácticos estribam a interpretação propugnada pela recorrente: (1) a manifesta interdependência sistemática entre ambos os preceitos ao postular que o tipo de abuso de confiança em relação à segurança social não tem sequer autonomia face ao tipo de abuso de confiança fiscal no que à definição de penas diz respeito; (2) a redacção “minimalista” do artigo 107º em que faz remissão expressa do seu regime para o artigo 105º; e (3) o tratamento sistemático conferido pelo legislador ao incluir ambos os tipos no mesmo título do diploma normativo.

  10. Abordando o elemento histórico, é patente que sempre existiu uma opção legislativa em encarar os dois tipos legais em apreço como “homogéneos”, como se comprova, de resto, pela primitiva redacção do RJIFNA em que nem sequer existia autonomia e os diversos comportamentos estavam subsumidos a um único tipo de abuso de confiança.

  11. A alteração do artigo 105º influi inequivocamente na interpretação do artigo 107º devendo-se considerar que qualquer pena só possa ser aplicável desde que verificada a nova condição objectiva de punibilidade naquele inserta, isto é, que a não entrega de verbas retidas, total ou parcialmente, seja superior a €7500, o que in casu nunca aconteceu na salvaguarda do artigo 105º/7 do RGIT.

  12. Assim, a interpretação a dar do cotejo dos artigos 105º/1 e 107º/1 do RGIT deveria ter corrido no sentido de que a conduta imputada à arguida encontra-se descriminalizada.

  13. O crime em causa não pode ser considerado de execução continuada, uma vez que foram feitos pagamentos à Segurança Social em diversos meses interpolados como é referido na douta acusação. Tal conduta...

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