Acórdão nº 12/04.5GCVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS. 223.º, N.ºS 1 E 3, AL. A), 204, N.º 2, AL. A) E 22 DO CP E127º,380º,410º,412ºE 428º DO CPP Sumário: 1 A documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.

2 Considerando que a gravação da prova foi efectuada num único CD e que a pouca extensão da gravação das provas em causa permite localizar com alguma facilidade os excertos das passagens que ilustram o ponto de vista do recorrente, o Tribunal da Relação, por uma questão de economia processual , mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, considera-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, que o recorrente impugna.

3 A convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

  1. Importa ainda aqui deixar claro que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa ), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária).

  2. Existe tentativa de extorsão quando o agente, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, pratica actos idóneos, em termos de causalidade adequada, segundo a experiência comum, a constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete para a vítima ou para outrem, um prejuízo, o qual não vem a verificar-se por circunstâncias alheias à vontade do agente.

    Decisão Texto Integral: Relatório Pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos A.

    e Maria.

    imputando-se-lhe a prática dos factos constantes da acusação de fls. 136 e ss dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, e, consequentemente, a prática, em co-autoria material, de um crime de extorsão, p.p. pelos art.º 223, n.º 1 e 3, al. a), 204, n.º 2, al. a) e 22 todos do CP.

    B mulher C. deduziram, a folhas 157 e ss, pedido de indemnização civil contra A. e Maria a sua condenação na quantia de global de € 7.420 (sete mil quatrocentos e vinte euros) a título de danos morais sofridos e ainda as despesas atinentes à constituição de advogado, imputáveis à actuação dos arguidos.

    Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal singular, por sentença proferida a 28 de Maio de 2009, decidiu: - absolver a arguida Maria da prática do crime de extorsão na forma tentada que lhe vinha imputado; - condenar o arguido A. pela prática, em autoria material e na forma tentada de um crime de extorsão, p.p. pelas disposições conjugadas dos art.º 233, n.º 1 e 3, al. a), 204, n.º 2, al. a) e 22 do CP, na pena de três (3) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual periodo; - julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por B. e mulher C. e consequentemente condenar o demandado A. a pagar-lhes a quantia de € 4.000 (quatro mil euros), sendo € 2.000 (dois mil euros) para cada um dos demandantes, a título de danos não patrimoniais, e ainda o que se vier a fixar em liquidação de sentença, quanto ás despesas relativas à constituição e pagamento de honorários a advogado, até ao valor peticionado.

    - absolver a demandada Maria do pedido de indemnização civil contra si deduzido.

    Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A. , concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. - O recorrente foi condenado pela prática em autoria material e na forma tentada de um crime de extorsão, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 233.º,n.º 1 e 3, al.a), 204.º, n.º2 , al.a) e 22.º do CPenal, na pena de três (3) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período; Assim como condenado em custas do processo, 2. cremos com todo o respeito pela mesma que o Tribunal “a quo” fez erróneo enquadramento dos factos ao direito, por ter feito errónea apreciação da prova, e por isso julgou incorrectamente os factos.

  3. ‑ Deu o Tribunal a quo como provado que o arguido no dia … de … de 2003, em hora não concretamente apurada se deslocou à residência dos ofendidos B e C., sita… em Viseu, e perguntaram pelos mesmos à sua empregada Z. que os informou que estavam ausentes ao que responderam, em tom intimidativo, que “era melhor aparecerem, pois caso contrário seria pior”.

  4. ‑ Diz a douta sentença que de seguida, colocaram na porta da residência o papel junto aos autos a fls.5, com os seguintes dizeres: Agradeço que me contactem hoje seja a que hora for com urgência. A. Tel: … 5. O arguido usa esta expressão como natural, sem qualquer sentido intimidatório ou ameaçador.

  5. Basta atentar ás declarações prestadas pela empregada em apreço, Z., para concluir‑se pela errónea interpretação e valoração de tal prova, e errónea decisão sobre estes pontos da matéria de facto.

  6. ‑ Diz a empregada Z. ( depoimento prestado e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal durante dez minutos ‑ é o que consta da acta, não podendo nós referir em concreto por não constar da acta os precisos Mbs‑ arguindo desde já caso Vs. Excelências considerarem da necessidade de precisar os Mbs, como nulidade ‑ negrito nosso) Quando cheguei vi primeiro o papel e ele disse, ele compareça que é melhor para ele. Ia com um senhor idoso, a mulher e um miúdo com 8 ou 9 anos. Eu disse o S. não está. A Srª procuradora indaga a empregada: Ele não quis saber dos pais do S. A Z. responde: Não, não, só o S 8. ‑ Vê‑se que o depoimento desta testemunha, indicada pela própria acusação, Z, não foi devidamente valorado, tendo‑o sido de forma incorrecta, assim como outros factos.

  7. ‑ O arguido, acompanhado da esposa também arguida, do sogro e de um filho com 8 ou 9 anos de idade, não foi à procura dos ofendidos B. e mulher, mas sim do filho destes, S. Foi por isso erroneamente valorado este depoimento.

  8. ‑ O S. filho dos ofendidos que segundo a versão do arguido teria violado a filha dos arguidos, sendo certo que tal versão não aconteceu, mas foi sempre nessa pressuposição que o arguido agiu revoltado e magoado e por isso desorientado nas suas atitudes e comportamentos de pai ferido.

  9. ‑ Atente‑se que a testemunha da acusação Z. e isto quanto, à intimidação perpetrada pelo arguido aos ofendidos, o seguinte: Nunca mais o vi à porta, e acrescentou que a ofendida C. andava preocupada com o filho.

  10. Quando lhe é perguntado se deixaram de comer, ela que é funcionária diz: Não sei deixava‑lhe lá a comida...

  11. De acordo com a empregada dos ofendidos, a preocupação destes era com o filho S 14. - A instâncias do advogado dos ofendidos este pergunta: Eles tinham receio que lhes acontecesse a eles também ( referia‑se a algum mal que pudesse acontecer‑lhes perpetrado pelo arguido) , a testemunha respondeu: Acho que sim. E o advogado insiste: Eles tiveram receio? A testemunha em apreço 8 de acusação) responde: Sim, do S. Eles tinham medo que o S saísse a rua. Iam, com ele.

  12. ‑ Mas se atentarmos ao depoimento do S, ver‑se‑á que eles, os ofendidos pais deles não o acompanhavam na rua. Diz expressamente S: Os meus pais não têm por norma acompanhar‑me. Por norma não saem comigo. Os meus pais pediam‑me que não andasse de mota, não andasse sozinho. ( depoimento prestado segundo a acta que nos foi facultada pelo Tribunal, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal durante dez minutos) 16. Dizemos nós os ofendidos preocupados com o filho faziam‑lhe as recomendações que todos os pais fazem aos filhos, in casu a um filho menor.

  13. ‑ Deu o Tribunal como provado que o arguido exigiu dos ofendidos efectuassem um depósito de 20 a 30 mil contos ou em alternativa uma hipoteca de um imóvel.

  14. ‑ Não levou em conta que antes demais na reunião tida em …. ( lª reunião) os ofendidos como resulta dos seus depoimentos, aceitaram assumir as responsabilidades pelos actos dos filhos, não tendo o arguido referido qualquer valor, pedindo antes que eles vissem que responsabilidades deviam assumir.

    Não teve em conta o Douto Tribunal que o arguido agiu sempre no ambiente psicológico de forte emoção acreditando que a filha foi violada. ‑ Logo afastando a consciência da ilicitude do acto.

  15. Para proteger a filha de sequelas e ou traumas futuros e não a querendo expor na praça pública, como refere no seu interrogatório o arguido: Não queria ver a minha filha no correio da manhã. (depoimento prestado em CD1‑ de 0,000 MBS a 0,212 Mbs).

  16. ‑ Resulta do próprio depoimento do ofendido a instâncias da Exma Srª procuradora: Quem teve receio com a expressão do Sr. A? ( a expressão segundo o próprio ofendido foi; não teria mais sossego na vida) o ofendido responde: Perplexo. Foi-nos dito que estávamos perante uma pessoa irascível. A Srª procuradora pergunta: teve receio físico? Resposta: Tive para além do receio de eventuais danos patrimoniais.

  17. ‑ A Douta sentença refere nos factos provados que perante tais afirmações os ofendidos levantaram‑se e retiraram‑se do local, tendo o arguido dito, em tom intimidatório “o senhor não me vire as costas porque senão é pior”.

  18. ‑ Ora o tom...

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