Acórdão nº 78/1998.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. Estando demonstrado que a cessão da exploração de parte do estabelecimento — efectuada de acordo com a orientação que se vem verificando nas grandes e médias empresas de transferirem parte das suas competências e funções para empresas especializadas que conseguem obter um melhor aproveitamento dos recursos e meios técnicos utilizados (outsourcing) —, incidiu sobre uma entidade económica que constituía anteriormente uma actividade acessória da empresa cedente, designada por gabinete de contabilidade, mas que estava, e continuou a estar, organizada de modo estável, com capacidade para prestar autonomamente serviços e gerar recursos, é aplicável o disposto no artigo 37.º, n.os 1 e 4, da LCT.

  1. O consentimento por parte do trabalhador não é, nem face ao artigo 37.º da LCT, nem face ao disposto na Directiva n.º 77/187/CEE, requisito de validade ou sequer de eficácia da transmissão, bastando a transmissão de estabelecimento ou de parte deste ou a cessão da sua exploração para que se verifique a transmissão da posição contratual de empregador do cedente para o cessionário.

  2. Não ofende os artigos 2.º e 53.º da Constituição, a concepção acima explicitada quanto ao conceito de «estabelecimento», se aplicado a parte do estabelecimento, e de que para a transmissão da posição da entidade patronal do cedente para o cessionário não é necessário o consentimento do trabalhador Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 23 de Fevereiro de 1998, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, S. A., que, entretanto, alterou a sua denominação para BB – COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES, S. A., e, igualmente, contra CC, S. A., que alterou a sua denominação para CC, S. A., pedindo: (a) a declaração de nulidade ou, pelo menos, a anulação da sua pretendida «transmissão» da primeira para a segunda ré, determinando-se para todos os efeitos, designadamente os da manutenção de todos os direitos e regalias que integravam o seu contrato de trabalho com a primeira ré, continuando esta a ser a sua entidade patronal, com a consequente reintegração nas respectivas categoria e funções; (b) subsidiariamente, a condenação das duas rés a reconhecerem e respeitarem todos os direitos e regalias que tinha imediatamente antes de 28 de Fevereiro de 1997; (c) a condenação das rés na sanção compulsória de 5.000$00 diários, sendo 2.500$00 para o Estado e 2.500$00 para o autor, por cada dia que passe sem que seja dado integral cumprimento ao constante na alínea a).

    Alegou, para tanto e em resumo, que foi admitido ao serviço da primeira ré, em 20 de Maio de 1987, e que, em Fevereiro de 1997, tinha a categoria profissional de escriturário de 2.ª e auferia a remuneração mensal de 182.300$00; sucede que, em 27 de Fevereiro de 1997, a primeira ré comunicou-lhe que, por força da realização da cessão de exploração do estabelecimento de serviços em que se integrava, a segunda ré assumiria a posição da primeira ré no contrato de trabalho, sendo certo que, no dia seguinte, a segunda ré lhe endereçou uma comunicação de teor semelhante; em 28 de Fevereiro de 1997, o autor manifestou por escrito a ambas as rés a sua discordância em relação à pretendida transmissão do seu contrato de trabalho, bem como que considerava que a primeira ré continuava a ser a sua entidade empregadora.

    Aditou que «não houve qualquer “estabelecimento” que fosse transmitido, tal como exige o art. 37.º da LCT, muito menos houve qualquer transmissão global, e nem sequer de uma “unidade produtiva autónoma” com “organização específica”», não se verificando «qualquer transmissão da titularidade das instalações onde o A. e seus colegas prestavam serviço, as quais continuaram a ser da titularidade da 1.ª ré, como também não houve a transmissão de qualquer unidade jurídico-económica».

    A primeira ré contestou, invocando a sua ilegitimidade quanto ao pedido subsidiário e a ineptidão da petição inicial, por contradição daquele pedido com a causa de pedir; mais alegou que ambas as rés dialogaram com todos os trabalhadores antes da celebração do contrato de exploração, designadamente com o autor, que o processo de transferência dos serviços em causa ocorreu em vários países, permitindo à BB concentrar-se nas actividades de extracção, refinação e venda de produtos petrolíferos, que o contrato do autor foi transferido para uma grande empresa, que o contrato de cessão de exploração visava a prestação de serviços de contabilidade geral, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes e controlo de crédito, compras e contas correntes de fornecedores e que, nesse contrato, foram identificadas as unidades de prestação de serviços que integravam o estabelecimento cuja exploração era cedida, as instalações onde operavam, o pessoal abrangido, os bens e o equipamento integrantes do estabelecimento, sendo que o artigo 37.º da LCT deve ser interpretado como incluindo a transferência de parte de um estabelecimento.

    Também a segunda ré contestou, tendo invocado, nessa sede, que a primeira ré, no dia 28 de Fevereiro de 1997, lhe cedeu a exploração do estabelecimento de prestação de serviços de contabilidade geral, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes e contratos de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e relatórios financeiros, nele se integrando as instalações, bens, equipamentos e trabalhadores a ele afectos, cessão de exploração que foi efectuada pelo período de sete anos, prorrogável por acordo das partes, e que, em consequência da referida cessão, foi-lhe transmitida a posição que decorria para a BB dos contratos de trabalho, sendo que o autor em nada ficou afectado pela mudança da entidade empregadora, pois continuou a desempenhar o mesmo tipo de tarefas que já exercia, mantendo todas as regalias que usufruía.

    No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial invocada pela primeira ré, tendo esta agravado do decidido (fls. 268), e, relativamente à excepção de ilegitimidade deduzida pela mesma ré, relegou-se o respectivo conhecimento para a sentença a proferir.

    Realizado julgamento, em que as partes acordaram sobre a matéria de facto provada, foi proferida sentença que decidiu absolver as rés, quer do pedido principal, quer do pedido subsidiário.

  3. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.

    É contra esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das conclusões seguintes: «1.º O art. 37.º da L.G.T. consagra um princípio supra-legal ou, pelo menos, contém uma norma imperativa absoluta e tem por escopo principal a defesa dos trabalhadores e a manutenção dos seus vínculos laborais face às vicissitudes da titularidade da empresa.

    2.º Está, porém, hoje — na época da “fragmentação” das cadeias produtivas e da multiplicação das “exteriorizações” — transformado no seu contrário, constituindo-se até num instrumento por excelência da precarização da situação jurídica e dos direitos dos mesmos trabalhadores.

    3.º Assim, de forma a que o citado art. 37.º da L.G.T. se mostre conforme os princípios e preceitos constitucionais da confiança nas relações jurídicas e da segurança no emprego (art.s 2.º e 53.º da C.R.P.), há desde logo que interpretá-lo e aplicá-lo de modo a que o conceito de “estabelecimento”, se aplicado a “partes” de empresa ou de estabelecimento, tenha os mesmos requisitos de autonomia e identidade organizacionais do todo.

    4.º Ora, no caso sub judice, as actividades “transferidas” são precisamente as que não dispunham de qualquer capacidade de gestão e de decisão próprias, não tendo quaisquer poderes de planificação, de gestão de pessoal, de organização de equipes ou de definição de objectivos nem formação específica. Assim, 5.º Face ao art. 37.º da L.G.T., correctamente interpretado e aplicado, quer face às Directivas Comunitárias (7[7]/187/CEE, 98/50/CE e até a actualmente vigente 2001/23/CE), e face à matéria aqui dada como provada, é forçoso concluir que o conjunto de elementos transitados não tinha aptidão para integrar o conceito de “estabelecimento” a transmitir e antes consubstanciou uma mera transmissão de elementos desagregados. Por outro lado, 6.º Tem igualmente de se entender, face aos supracitados normativos legais e comunitários, bem como aos já referenciados preceitos e princípios constitucionais (em particular os art.s 2.º e 53.º da C.R.P.), que não é possível operar-se a cessão da posição contratual da entidade patronal, em caso de transmissão de estabelecimento, sem o consentimento da contra-parte, o trabalhador, 7.º Visto que o Trabalho e, por maioria de razão, o trabalhador não é uma mercadoria e não pode ser transferido de um empregador para outro sem o seu consentimento, 8.º Consentimento esse que — como resulta da matéria de facto provada — manifestamente não existiu na questão sub judice, tendo-se o A. expressa e formalmente oposto ao acto de transmissão logo que da sua verificação tomou conhecimento, 9.º Nem se pode entender que resulta tacitamente demonstrado de qualquer comportamento do trabalhador por conta de outrem que dele depende para subsistir, decorrente da execução do seu contrato e/ou do pagamento da respectiva retribuição e do usufruto das respectivas regalias sociais (assistência na doença ou acidente). Ora, 10.º As RR. não lograram demonstrar a existência de tal consentimento, sendo que era a elas que, nos termos do art. 342.º do Cód. Civil — e até por força do art. 13.º da C.R.P. e do art. 6.º da C.E.D.H. — não era ao A. que incumbia fazer a prova do facto negativo e da inexistência do necessário consentimento, 11.º Como não...

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