Acórdão nº 566/06.1TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : - A prova testemunhal relacionada com convenção contrária ao conteúdo da escritura pública é de ter como admissível quando complementar (coadjuvante) de um elemento de prova escrito que constitua um suporte documental suficientemente forte para que, constituindo a base da convicção do julgador, se possa, a partir dele, avançar para a respectiva complementação.

- Existindo um princípio de prova escrita suficientemente verosímil, fica aberta a possibilidade de complementar, mediante testemunhas, a prova do facto contrário ao constante da declaração confessória, ou seja, de demonstrar não ser verdadeira a afirmação consciente e voluntariamente produzida perante o documentador.

- Provada a declaração (de pagamento da totalidade do preço de alienação de quotas na escritura de formalização do contrato de cessão), mas sabido que o foi por razões de conveniência, sem reflectir a concreta realidade do conteúdo do negócio, saber em que medida ela pode ser vinculativa é também um problema de interpretação sobre a vontade das partes relativamente à coincidência ou divergência da declaração com a produção de algum efeito jurídico.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA instaurou acção declarativa contra BB pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 14. 963,94€, acrescida dos juros de mora já vencidos bem como nos juros de mora legais vincendos sobre aquela quantia e até integral e efectivo pagamento, com fundamento em que no dia 24-01-2000 cedeu (vendeu) ao Réu e a um terceiro a quota que detinha na sociedade “CC - Cozinhas e Equipamentos para o Lar, Lda.”, pelo preço global de 4.000.000$00, tendo-se o Réu responsabilizado pelo pagamento do respectivo preço, mediante entrega de 1 000 000$00 na data da celebração da escritura, 1 000 000$00 até ao dia 31-12-2000 e 2 000 000$00 até ao dia 31-12-2001, tudo conforme estabelecido no contrato-promessa escrito, sendo certo que o Réu não efectuou o pagamento da segunda e terceira prestações.

O Réu contestou alegando, no essencial, que, tal como se diz na escritura pública que titulou a cessão de quotas, o pagamento foi, então, integralmente efectuado, tendo o Autor dado quitação do mesmo, encontrando-se o preço da cessão integralmente pago.

Proferiu-se despacho saneador, com fixação da matéria de facto assente e elaboração da base instrutória, que não sofreram reclamações. Teve lugar audiência da discussão e julgamento com gravação do depoimento de parte do Réu e dos depoimentos testemunhais prestados e respondeu-se à base instrutória sem qualquer reclamação.

A acção foi julgada procedente e o Réu BB condenado a pagar ao Autor a quantia global de €14.963.94 acrescida dos juros de mora, à taxa legal vencidos e vincendos até integral pagamento, contados desde 31-12-2000 sobre a quantia de 4.987,98€ e desde 31-12-2001 sobre a quantia de 9.975,96€; Foi ainda o mesmo Réu condenado, como litigante de má fé, no pagamento da multa de cinco UC.

O Réu apelou, com inteiro sucesso, pois que a Relação revogou o sentenciado e absolveu-o do pedido, assim como da condenação por litigância de má fé.

Agora é o Autor que pede revista, arguindo a nulidade do acórdão e visando a reposição da decisão da 1ª instância ou, assim não entendendo, a condenação do R. no pagamento de esc. 500.000$00, tudo a coberto da seguinte síntese argumentativa: 1. O Tribunal da Relação conheceu do recurso interposto pelo R. da sentença proferida em 1ª instância, não obstante o Recorrente não ter especificado nas conclusões apresentadas quais as normas jurídicas que considera violadas, nem o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, nem ter posteriormente procedido a tais especificações.

  1. Nos termos do disposto no art. 685º-A do C.P.C. o Tribunal da Relação não devia ter conhecido do aludido recurso pelo que o acórdão proferido deve ser julgado nulo nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 668º do C.P.C., por aplicação da alínea c) do n.º 1 do art. 722º do C.P.C..

  2. O Tribunal da Relação fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do art. 393° do C.C., ao considerar que contra uma confissão com força probatória plena não pode ser produzida prova testemunhal.

  3. Com efeito, nos termos defendidos pelo Prof. Voz Serra "afigura-se razoável que se permita a prova por testemunhas contra ou além do conteúdo do documento quando essa prova seja acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção que com ela se quer demonstrar, afastando-se assim os perigos que a simples prova testemunhal implicaria".

  4. E, para além disso, tem sido jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal que é admissível prova testemunhal tendo por objecto convenções contrárias ao conteúdo de documentos quando haja um princípio de prova escrita legitimando a admissibilidade de prova testemunhal complementar.

  5. Ora, no caso sub judice, existe indubitavelmente um princípio de prova escrita que efectivamente legitima a aludida admissibilidade de prova testemunhal, ou seja, resulta claramente dos documentos juntos aos autos - contrato-promessa de cessão de quotas e minuta de escritura de cessão de quotas - que as partes convencionaram uma forma específica de pagamento do preço estipulado contrária à que consta da escritura pública.

  6. E, para além disso, resultam clarividentes um conjunto de circunstâncias que, igualmente de forma indubitável, tornam verosímil a convenção que se quer demonstrar com a prova testemunhal.

  7. Com efeito, para além do teor dos referidos documentos, a convenção havido efectivamente entre as partes no que toca à forma de pagamento do preço, torna-se claramente verosímil face ao teor das declarações do próprio cessionário, a saber, declarações que não mereceram total credibilidade para o tribunal, mormente a declaração de que o preço foi liquidado no acto da escritura através da entrega de um cheque no valor de Esc. 1.000.000$00 e Esc. 2.500.000$00 em numerário, face ao desconto de Esc.500.000$00.

  8. Torna-se claramente verosímil face à real e efectiva diferença que acarretava para o cessionário o facto de na escritura de cessão de quotas ficar a constar, ou não, que o preço se encontrava totalmente liquidado.

  9. Torna-se claramente verosímil face às relações de confiança que efectivamente, e até àquela data, existiam entre as partes.

  10. Face ao que deve a prova testemunhal no presente caso ser admitida, tanto mais quando se trata de prova produzida por depoimento claro e isento da testemunha indicada quer pelo A. quer pelo R., a qual teve...

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