Acórdão nº 162/2001.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010
Data | 01 Março 2010 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A responsabilização, principal e agravada, do empregador pressupõe, para além da violação, por este, das regras de segurança no trabalho, a existência de um nexo causal entre essa violação e o acidente.
II - O ónus de alegação e prova dos factos demonstrativos de que houve inobservância culposa das regras de segurança no trabalho por parte do empregador (ou seu representante) e de que a inobservância foi causal do acidente recai sobre quem desses factos quer tirar proveito.
III - O termo “representante”, a que alude o art. 18.º, n.º 1, da LAT, aplica-se às pessoas que gozem de poderes representativos de uma entidade patronal e actuem nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes da sociedade, cujas características preenchem as próprias do mandato, e ainda quem no local de trabalho exerça o poder directivo.
IV - Tendo o encarregado geral e o encarregado de segurança da Ré omitido, perante incêndio que deflagrava num silo da fábrica daquela, o chamamento dos bombeiros e tendo, ao invés, permitido aos trabalhadores da Ré, entre eles o Autor, que fossem os mesmos a tentar apagar o fogo, bem sabendo que não tinham formação para o efeito e nem sequer usavam roupas apropriadas, temos por verificada a omissão das regras de segurança no trabalho em matéria de incêndios, previstas nos arts. 8.º, n.º 1 e 2, als. i), j) e o) do DL n.º 441/91, de 14 de Novembro, na redacção dada pelo DL n.º 133/99, de 21 de Abril.
V - No quadro das funções que aqueles encarregados assumiam – e dado que não vem demonstrado que os órgãos representativos da Ré tenham assumido ou avocado para si a liderança do combate ao incêndio – cabia-lhes assumir poderes de actuação e decisão no que concerne a medidas a adoptar com vista ao combate ao incêndio e à preservação da segurança dos demais trabalhadores e à defesa dos bens da Ré.
VI - Nesta medida, tais encarregados participavam do poder directivo próprio da sua entidade empregadora, sendo que não vem demonstrado que hajam contrariado instruções que, a esse respeito, lhes tivessem sido dadas pela Ré, daí que os seus apontados comportamentos traduzam actos da própria Ré, que a vinculam e responsabilizam e que impõem se conclua pela violação culposa, por esta, através dos ditos “representantes”, das apontadas regras legais de segurança no trabalho.
VII - No juízo de preenchimento do nexo causal entre a violação das regras de segurança no trabalho e o acidente de trabalho, como pressuposto da responsabilização a título principal e agravado do empregador, há que fazer apelo à teoria da causalidade adequada, consagrada no art. 563.º, do CC, teoria segundo a qual para que um facto seja causa de um dano é necessário que, no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo.
VIII - Tendo a Ré, através dos seus “representantes”, omitido o chamamento dos bombeiros para que fossem estes a combater o incêndio que, há várias horas, deflagrava num dos silos da fábrica, e tendo esperado que fossem os trabalhadores da empresa, entre os quais se contava o Autor, a combater tal incêndio, sendo que esses trabalhadores não usavam roupas adequadas para o efeito e não dispunham de formação em matéria de combate a incêndios, temos por verificado o nexo causal entre tal violação e o acidente, traduzido na explosão de chamas provindas do silo e que vieram a atingir o Autor, quando este colaborava no combate ao incêndio, deitando água, com uma mangueira, para dentro do silo.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – Tendo havido acordo judicialmente homologado apenas quanto à responsabilidade infortunística da Companhia de Seguros M… C…, SA (ver auto de fls. 150 e 151 e despacho homologatório de fls. 210), o autor AA propôs a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra a ré BB, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 55.000,00 a título de danos morais, a pagar-lhe os montantes correspondentes às diferenças entre a pensão já fixada e a totalidade da remuneração, que até à data de entrada da petição contabiliza em € 25.535,68, e a pagar-lhe, a título de pensão anual, o valor correspondente às diferenças entre o montante que o Autor receberá anualmente da seguradora a título de pensão e o valor correspondente à totalidade daquelas que seriam as suas remunerações anuais devidas e anualmente actualizáveis e cujo montante será liquidado em sede de execução de sentença.
Alegou, para o efeito, em síntese: No dia 24 de Fevereiro de 2000, foi vítima de um incêndio que deflagrou num silo da fábrica onde trabalhava para a ré.
Nesse dia, não pôde iniciar o seu trabalho na prensa, tendo o encarregado da fábrica mandado que ele fosse ajudar os colegas a apagar o foco de incêndio, mandando-o subir para a pá mecânica com uma mangueira, tendo ordenado a F… S… que manobrasse a máquina e fizesse subir a pá ao máximo de altura possível, devendo então o autor apontar a mangueira para dentro do silo, através da porta que fica a meio.
A determinada altura, uma massa imensa de poeiras em chamas desabaram no interior, tendo a "explosão" de poeiras em chamas, que saiu de dentro do silo, apanhado seis trabalhadores, incendiando-os, entre eles o autor.
Para além dos danos físicos, o autor passou a padecer de distúrbios de sono, pânico, choro, ansiedade incontrolável, insónias, irritabilidade, desinteresse pelo que o rodeia e despersonalização.
A ré, ao enviar o autor para o combate ao incêndio, bem sabendo que não dispunha de formação adequada, não tinha equipamento próprio e roupa de protecção, sem que tivesse chamado os bombeiros, agiu com negligência grosseira e foi, nesses moldes, que violou as regras mínimas de segurança e higiene no trabalho.
A ré contestou, alegando que, aquando da deflagração do incêndio, alguns dos trabalhadores, por sua iniciativa, começaram a deitar água para dentro do silo.
Quando o encarregado da fábrica foi chamado, contactou com o Engenheiro S… F… pondo-o a par da ocorrência.
Este Engenheiro deslocou-se à fábrica e assumiu toda a coordenação dos trabalhos de limpeza, dando ordens para introduzir mais água dentro do silo.
Mais tarde, este Engenheiro, sem se certificar que o fazia em segurança, deu ordens para abrirem a porta do silo e é quando se dá a explosão. Nega que o acidente tenha ocorrido devido à falta de condições de segurança no trabalho ou a uma actuação grosseiramente negligente da sua parte, pois que os administradores da ré não ordenaram ao autor ou demais trabalhadores que fossem apagar o fogo.
Concluiu pela sua absolvição do pedido.
Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que decidiu absolver a Ré BB, S.A. da totalidade dos pedidos contra ela formulados pelo Autor.
Inconformado, o A. apelou, tendo a Relação de Lisboa julgado procedente o recurso, revogado a sentença e condenado a ré a pagar ao autor: “- Uma pensão anual e vitalícia, com efeitos desde 20 de Agosto de 2002, e devidamente actualizada nos termos legais, cujo montante corresponde ao valor da pensão fixada a cargo da seguradora e o valor da retribuição anual do autor à data do acidente, ou seja € 11.855,55, acrescida dos juros de mora sobre as prestações em atraso, calculadas à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento (art.° 135, do CPT), relegando a respectiva liquidação para a execução de sentença - A quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais”.
II – Dessa decisão interpôs a R. a presente revista em que formulou as seguintes conclusões: 1ª. O acórdão recorrido labora num erro crasso quando considera que o acidente ocorreu porque foram violadas as normas de segurança por parte do recorrente.
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A este Supremo Tribunal compete aplicar o regime jurídico que julgue mais adequado aos factos fixados pelo Tribunal Recorrido.
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Os factos fixados pelo Tribunal Recorrido são os mesmos que tinham sido fixados pela 1ª Instância, uma vez que o Autor AA quando recorreu para a Relação de Lisboa não sindicou a matéria de facto.
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O Tribunal do Trabalho do Barreiro alicerçou a sua convicção, na matéria que respeita à forma como ocorreu o acidente, nos depoimentos das testemunhas A… U…, D… S…, R… Q… e L… S…, todos eles coincidentes no facto do Administrador da Recorrente, Senhor D… O…, ter passado pelo local, por volta das 10 horas, e falado com o Eng°. S… F…, Director de Manutenção e Segurança, a quem perguntou se era necessário chamar os bombeiros, tendo aquele respondido “que não era preciso, pois estava tudo controlado”. O sublinhado é nosso (cfr. a fundamentação do despacho que respondeu à Base Instrutória) 5ª. Assim sendo, a matéria de facto está definitivamente julgada e é insindicável por este Supremo Tribunal (art°. 729°, n° 2 do C.P.C.).
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Por conseguinte, o Tribunal da Relação faz uma errada interpretação da prova e consequentemente da aplicação do direito, designadamente do art.° 18° da LAT, quando menciona que “a actuação da Ré configura uma elementar omissão dos seus deveres de diligência e cuidado, infringindo de forma grosseira as regras de segurança ....”. O sublinhado é nosso.
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A Recorrente fez o que lhe competia, de acordo com o critério do “bonus paterfamilias”, quando perguntou ao seu Director de Manutenção e Segurança se era necessário chamar os Bombeiros, tendo aquele respondido que não, porque o foco de incêndio estava controlado, razão pela qual ficou plenamente convencida que de facto assim era, não admitindo sequer outra possibilidade que não fosse essa.
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A Recorrente, através do seu Administrador D… O…, não omitiu os deveres de diligência e cuidado que lhe são imputados pelo acórdão recorrido, uma vez que diligenciou junto do seu Director de Manutenção e Segurança sobre se era ou não necessário chamar os bombeiros...
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