Acórdão nº 678/1999.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : 1.

De acordo com o art. 1287º do CC, o possuidor tem a faculdade de adquirir o direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, o que significa que, havendo na posse uma actuação correspondente ao direito de propriedade ou a outro direito real, é o direito possuído que pode ser adquirido por usucapião, e não outro.

  1. Na dúvida quanto aos termos em que se processa a posse, mas sendo seguro que há a intenção de se exercer um direito real, deve concluir-se que se quer possuir em termos de direito de propriedade.

  2. Sobre uma água existente ou nascida em prédio alheio podem constituir-se dois tipos distintos de situações: o direito de propriedade, sempre que, desintegrada a água da propriedade superficiária, o seu titular pode usá-la, fruí-la e dispor dela livremente; o direito de servidão, quando, continuando a água a pertencer ao dono do solo ou de um outro prédio, se concede a terceiro a possibilidade de aproveitá-la, em função das necessidades de um prédio diferente.

  3. Existe, porém, uma profunda diferença entre estes dois direitos, tanto no seu conteúdo como na sua dimensão ou extensão: no primeiro caso há um direito pleno e, em princípio, ilimitado, sobre a coisa, que envolve a possibilidade do mais amplo aproveitamento, ao serviço de qualquer fim, de todas as utilidades que a água possa prestar; o segundo apenas possibilita ao seu titular efectuar o tipo de aproveitamento da água previsto no título constitutivo e na estrita medida das necessidades do prédio dominante.

  4. Para a aquisição do direito por usucapião – trate-se da aquisição da propriedade ou de servidão – é ainda necessário, além dos demais exigidos por lei, estoutro requisito: a construção de obras visíveis e permanentes, no prédio onde existe a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio.

  5. Com esta exigência adicional, que não seria necessária à face dos princípios gerais, visou o legislador excluir da usucapião, em matéria de águas, situações de posse equívoca.

  6. Provado que a autora, uma Freguesia, vem procedendo, através do seu órgão executivo (a Junta de Freguesia), desde há mais de 20, 30 e mais anos, à captação de água de uma nascente no prédio dos réus, construindo para o efeito, nesse mesmo prédio, várias obras, que são visíveis de todos, apresentam carácter permanente e revelam a captação e posse da água nesse prédio; que desde então vem usando e fruindo de forma diversificada e ilimitada – para abastecimento das populações de vários lugares da freguesia, de uma escola, do edifício onde está instalada a Junta de Freguesia, do salão paroquial, da Igreja e do cemitério – essa água, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de a ninguém prejudicar e de estar a exercer um direito próprio, deverá concluir-se que vem exercendo sobre a água da dita nascente uma posse em termos de direito de propriedade, tendo adquirido por usucapião esse direito de propriedade sobre ela.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

    A JUNTA DE FREGUESIA DE ...

    intentou, em19.06.98, no 3º Juízo Cível da comarca de Vila Nova de Famalicão, contra AA e mulher BB, a presente acção com processo ordinário, dizendo fazê-lo por si e em representação da FREGUESIA DE ...

    , e pedindo 1.º - Que os réus sejam condenados: a) a reconhecer que a autora FREGUESIA DE ... é proprietária dos prédios identificados nos arts. 10.º e 39.º da petição inicial; b) a restituir à autora FREGUESIA DE ... a parcela de terreno ocupada, livre e desocupada e no estado em que se encontrava; c) a retirar a vedação que os réus ali implantaram com o intuito de a fazer propriedade sua; d) a reconhecer que a autora FREGUESIA DE ... é legítima proprietária das águas de nascente que brotavam no prédio denominado “Barroca, Bouça do Monte ou de S. João”; e) a abster-se de praticar quaisquer actos ou omissões que perturbem ou impeçam a livre utilização dessas águas pelas autoras.

    1. - Subsidiariamente – para o caso de se não lograr fazer prova dos factos relativos à propriedade da parcela de terreno que liga a poça ao caminho público, bem como das águas – que os réus sejam condenados a reconhecer que: f) se encontra constituída por usucapião uma servidão de passagem a pé ou de carro, sobre o prédio dos réus e a favor do prédio das autoras; g) se encontra constituída por usucapião uma servidão da água a favor das autoras, tendo em vista destinar tal água ao uso público e nas instalações das autoras mencionadas no art. 39.º da petição.

    2. - Ainda subsidiariamente – para o caso de se não provarem os factos relativos aos pedidos supra, ou algum deles – sejam os réus condenados a reconhecer que os moradores dos lugares da Barroca, Passal ou Igreja e Monte podem usar a identificada água para uso e gastos domésticos, bem como a reconhecer o atravessamento reconhecido que se dirige à fonte e, em consequência, a desobstruírem tal atravessadouro, retirando o portão e o tranqueiro e limpando o acesso de entulhos, pedras, terra e tudo o mais que impeça ou dificulte tal acesso.

    3. - Por fim, pede que os réus sejam também condenados a pagar-lhes uma indemnização a liquidar em execução de sentença.

      Alega, como fonte aquisitiva do invocado direito de propriedade sobre os prédios e sobre a água, factos demonstrativos da prática de actos materiais de posse, durante mais de 30 anos, de forma continuada, pública, pacífica e de boa fé, e imputa aos réus a prática de actos violadores desse direito.

      Os réus contestaram, impugnando a versão dos factos alegados pelas autoras, e deduziram reconvenção, em que formularam o pedido de condenação destas: a) a reconhecer que o terreno onde dizem que a poça está construída é parte integrante do prédio dos réus, que as mesmas descrevem no art. 1.º da petição inicial; b) a reconhecer que o terreno onde construíram e implantaram os depósitos de recolha e distribuição de água, a cabine eléctrica, os postes para sustentação de fios eléctricos, o poço de exploração de água e a estação de tratamento de água, bem como o terreno por onde correm os tubos de condução da água, desde a mina até ao depósito de 12.000 litros, é parte integrante do mesmo prédio dos réus; c) a reconhecer que tais construções, implantações e exploração não lhes foram consentidas pelos anteriores e actuais proprietários do prédio em causa e são, por isso, abusivas; d) a destruir e a retirar do prédio dos réus todas as descritas obras que nele fizeram e a deixar o mesmo prédio completamente limpo de quaisquer coisas ou materiais, inclusive dos tubos de condução de água; e) a aterrar o poço que construíram no terreno do leito da poça, de forma a colocar o mesmo terreno no estado em que antes se encontrava; f) a reconhecer que os réus têm o direito de vedar o seu prédio pelos limites da actual vedação e a absterem-se de impedir ou perturbar tal vedação por qualquer meio; g) a reconhecer que junto e a confrontar com o prédio dos réus aqui em causa não possuem qualquer porção de terreno ou qualquer prédio; h) e a reconhecer que as eventuais servidões de recolha e uso da água da mina dos réus e do eventual direito de servidão de passagem sobre o prédio dos réus do caminho para a poça e vice-versa, se extinguiram pelo não uso.

      As autoras replicaram à matéria da reconvenção, concluindo pela sua improcedência e pedindo a condenação dos réus como litigantes de má-fé.

      Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente, nos termos que constam a fls. 572/597.

      Em sede de recurso de apelação interposto pelos réus, a Relação do Porto, por acórdão de 16.05.2007, a fls. 729/748, anulou a sentença e ordenou a repetição do julgamento quanto aos factos aí mencionados.

      Repetido o julgamento, foi proferida nova sentença com a seguinte decisão: 1.º - Julgou a acção procedente e condenou os réus: a) a reconhecer que a FREGUESIA DE ... é proprietária do prédio identificado nos arts. 10.º e 11.º da petição inicial; b) a restituir à autora FREGUESIA DE ... a parcela de terreno ocupada, livre e desocupada e no estado em que se encontrava; c) a retirar a vedação que eles, réus, ali implantaram com o intuito de a fazer propriedade sua; d) a reconhecer que a autora FREGUESIA DE ... é legítima proprietária da água da nascente que brota no prédio dos réus denominado “Barroca ou Bouça do Monte de S. João”; e) a absterem-se de praticar quaisquer actos ou omissões que perturbem ou impeçam a livre utilização dessa água pela autora.

      f) a pagarem às autoras indemnização a liquidar em execução de sentença.

    4. - Julgou a reconvenção improcedente e absolveu as autoras do pedido reconvencional contra si deduzido.

      Desta sentença interpuseram os réus recurso de apelação.

      E a Relação do Porto, em acórdão de 09.02.2009, procedeu a algumas correcções e aditamentos à matéria de facto e julgou a apelação parcialmente procedente, decidindo: 1. Revogar a sentença recorrida na parte em que reconheceu o direito de propriedade da autora FREGUESIA DE ... sobre a água nascida no prédio dos réus; 2. Declarar que se encontra constituída, a favor da autora FREGUESIA DE ..., servidão sobre a água nascida no prédio dos réus, destinada ao uso das povoações de Passal ou Igreja, Barroca e Monte, que abrange as infra-estruturas ali construídas pela autora para melhorar a captação e condução da referida água, designadamente a mina, o poço de vigia e a poça referidos nos itens 17), 18) e 19) dos factos provados; 3. Condenar os réus a absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem ou impeçam o exercício daquela servidão e consequente utilização da água da nascente pela autora; e 4. Confirmar em tudo o mais a sentença recorrida.

      Do acórdão que assim decidiu recorrem agora, de revista, os réus e as auto-intituladas autoras.

      Os primeiros finalizam a sua minuta de recurso com a enunciação das seguintes conclusões: 1º - As autoras não têm direito de...

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