Acórdão nº 392/02.7PFLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO Sumário : I - O caso de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar quando posteriormente à condenação no processo de que se trata, o da última condenação, se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes.

II - A nova redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP, com a supressão do trecho “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, diversamente do que ocorria na redacção anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico sequente a conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida.

III - Como é dominantemente entendido, o momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro, a solene advertência ao arguido.

IV - O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.

V - Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles.

VI - Na determinação da pena conjunta é essencial a indicação de dados imprescindíveis, cuja conformação deverá estar presente desde logo no momento em que se decide avançar para a realização do cúmulo, congregando os elementos indispensáveis constantes de certidões completas, onde se certifiquem, com rigor, os elementos essenciais à realização do cúmulo, procedendo-se à indicação dos processos onde teve lugar a condenação, à enumeração dos crimes cometidos, datas de comissão dos crimes, datas das decisões condenatórias, datas de trânsito em julgado dessas decisões, a indicação das penas cominadas, bem como dados relativos a eventuais causas extintivas de penas aplicadas, e actualmente, por força da inovação do artigo 78.º do CP, referências a penas já cumpridas e respectivo tempo de cumprimento, e mesmo a penas extintas, para as excluir, para além de outros elementos que em cada caso concreto se mostrem necessários, ou relativamente aos quais se colha como aconselhável a sua inclusão.

VII - Para além destes “requisitos primários”, impõe-se a inserção na fundamentação de facto de outros elementos, igualmente factuais, resultantes da análise da história de vida delitual presente no caso, que concita a particular atenção do julgador, determinando inclusive, a realização de uma audiência marcada para o efeito, com observância do contraditório, e que tem por objectivo a aplicação de uma pena final, de síntese, que corresponda ao sancionar de um conjunto de factos cometidos num determinado trecho de vida, interligados por um elo de contemporaneidade, de que o tribunal tem conhecimento apenas mais tarde, que poderiam/deveriam ter sido julgados em conjunto se se mostrassem reunidas as condições para tal.

VIII - Perante concurso de crimes e de penas há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos. Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo condenado é a expressão de uma tendência criminosa ou se a repetição emerge antes de factores meramente ocasionais.

IX - No que concerne à determinação da pena única deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

X - A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

XI - O STJ tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo ficar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efectiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente, seu autor, sob pena de inquinação da decisão com o vício de nulidade, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, als. a), e c), do CPP.

XII - A utilização de fórmulas tabelares, como o “número”, a “natureza”, e a “gravidade”, não são uma “exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito”, mas expressões vazias de conteúdo e que nada acrescentam de útil. A decisão que se limita a utilizar essas fórmulas tabelares para proceder ao cúmulo jurídico de penas anteriores transitadas em julgado, viola o disposto no n.º 1 do art. 77.º, do CP e n.º 2 do art. 374.º, do CPP e padece da nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.

XIII - Se a pena aplicada for declarada extinta, nos termos do art. 57.º, n.º 1, do CP, no termo final do período da suspensão da execução da pena, em virtude de não ter praticado outro ilícito criminal, não haverá lugar a desconto, pois que a Lei 59/2007, de 04-09, apenas alterou o regime do concurso superveniente de infracções no caso de uma pena que se encontre numa relação de concurso se mostrar devidamente cumprida, descontando-se na pena única o respectivo cumprimento, mas não as penas prescritas ou extintas. Estas últimas não entram no concurso, pois de outra forma, interviriam como um injusto factor de dilatação da pena única, sem justificação material, já que essas penas, pelo decurso do tempo, foram “apagadas”.

XIV - Deste modo, não é de operar a inclusão da pena suspensa declarada extinta, por tal “cumprimento” não corresponder a cumprimento de pena de prisão, não estar em causa privação de liberdade e o desconto só operar em relação a medidas ou penas privativas de liberdade.

Decisão Texto Integral: No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 392/02.7 PFLRS, da 1.ª Vara de Competência Mista da Comarca de Loures, foi realizado cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, solteiro, estudante, nascido em 11-11-1985, natural de Cabinda, República de Angola, residente na Avenida ..........., Lote ., . ., Tapada das Mercês, Mem Martins, Sintra, actualmente detido, em cumprimento de pena, no Estabelecimento Prisional de Carregueira.

Por acórdão do Colectivo de Loures de 28 de Maio de 2009, constante de fls. 740 a 743, foi deliberado condenar o arguido, em cúmulo jurídico das penas cominadas em três processos (n.º s 2403/03.0PFLRS, 106/01.9PTLSB e neste processo). na pena única de 13 anos de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls.763 a 773, que remata com as seguintes conclusões: 1 - O recorrente foi condenado em cúmulo jurídico a uma pena única de 13 anos de prisão, a qual é considerada excessiva.

2 - O Tribunal " a quo" apesar de somente enunciar dois processos numa situação de concurso (392/02.7PFLRS - 2 anos de prisão e o 2403/03.OPFLRS - 11 anos de prisão), na decisão acabou por acrescentar um terceiro processo não demonstrando existir qualquer situação de concurso entre os vários crimes (106/01.9PTLSB - 18 meses de prisão em pena suspensa).

3 - Por essa razão o acórdão violou o previsto nos arts. 379°, 97° n° 5, 410 n° 2 a) e c) todos do CPP, devendo o mesmo ser declarado nulo e dado sem efeito.

4 - No entanto mesmo que tivesse demonstrado a situação de concurso entre os vários crimes, este último nunca deveria ter sido ponderado para efeito de cúmulo uma vez que o arguido á data dos factos era inimputável não podendo por isso ter sido condenado por aqueles factos como foi e pelo Tribunal que foi.

5 - Tendo existido um erro manifesto na acusação e condenação daqueles factos ao recorrente.

6 - O recorrente nasceu em 11 de Novembro de 1985, fez 16 anos de idade em 11 de Novembro de 2001, os factos do processo 106/01.0PTLSB ocorreram em 21 de Janeiro de 2001, ora nesta data o recorrente tinha 15 anos de idade, sendo que só agora e na pessoa da sua mandatária se apercebeu na leitura do acórdão a situação de inimputabilidade do recorrente.

7 - Razão pela qual nunca deveria esta pena ser considerada para decisão do cúmulo jurídico violando assim o art. 21° 22°, 29° da CRP.

8 - Na realidade o Tribunal “a quo" limitou-se a fazer a soma aritmética das penas de prisão efectivas, dois anos mais onze anos de prisão, cujo total é treze anos.

9 - A decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares...

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