Acórdão nº 1869/06.0TVPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPIRES DA ROSA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1 – Os direitos ( e as liberdades ) de expressão e informação, e de imprensa, constitucionalmente consagrados, não são direitos inteiramente absolutos, vivendo por si e para si como se fossem únicos.

2 - Há outros direitos constitucionalmente assegurados e é no confronto entre todos que tem que definir-se, em concreto, a medida do absoluto de cada qual e a relativização necessária ao respeito pela dimensão essencial de todos e de cada um.

3 – A liberdade de imprensa não é uma criação pela criação, mas uma exigência em ordem à defesa do interesse público e à consolidação da sociedade democrática.

4 – No confronto entre os direitos à liberdade de expressão e informação, exercidos através da imprensa, e outros direitos constitucionalmente consagrados, maxime o direito à integridade pessoal e o direito ao bom nome e reputação, não pode deixar de reflectir-se na verdadeira dimensão do exercício desses direitos – se há um qualquer interesse público a prosseguir, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e a liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais; se o interesse de quem informa se situa no puro domínio do privado, sem qualquer dimensão pública, o direito à integridade pessoal e ao bom nome e reputação não pode ser sacrificado para salvaguarda de uma egoística liberdade de expressão e de informação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA e mulher BB, CC, intentaram, no Tribunal Cível da comarca do Porto, em 21/09/2006, contra DD S.A., EE, FF, GG, acção ordinária, que recebeu na 5ª Vara Cível, 3ª secção, o nº1869/06.0TVPRT, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem aos 1ºs autores a quantia de 50 000,00 euros a cada um, e 25 000,00 à 2ª autora ( acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento ), a titulo de danos não patrimoniais.

Alegaram, em suma: no jornal “24 Horas”, propriedade da 1ª ré, de 10 de Agosto de 2006 foi publicada, na primeira página, com grande destaque e também no seu interior, uma noticia, que continha declarações efectuadas pelo 4º réu, que atingiram de forma grave o bom nome e reputação dos autores; essa situação causou aos autores danos não patrimoniais de que pretendem ser ressarcidos; imputam a responsabilidade pelo ressarcimento dos mesmos ao 4º réu, na qualidade de autor das afirmações difamatórias que foram publicadas, e aos demais réus, respectivamente nas qualidades de proprietária do jornal que publicou as referidas afirmações, de director do jornal que deu cobertura ao teor da noticia e aos termos em que foi publicada, e ao jornalista que fez a reportagem, porque determinaram a divulgação pública, em grande escala de imputações ofensivas da honra e consideração dos autores.

Citados, contestaram apenas os 1º, 2º e 3º réus ( a contestação apresentada pelo 4º réu foi mandada desentranhar por despacho de fls.83 ), dizendo, em resumo: as afirmações alegadamente ofensivas dos autores constituem afirmações feitas por pessoa devidamente identificada no jornal e transcritas como afirmações feitas por essa pessoa, em entrevista que deu ao jornal; não se trata, assim, de afirmações que possam ser imputadas aos jornalistas, ao jornal; para além disso, quaisquer danos, a terem ocorrido, ocorreram antes da publicação em causa, noutras sedes, designadamente judicias; os jornalistas actuaram convencidos da veracidade das afirmações e no âmbito do direito de informar e de liberdade de imprensa.

Concluem pela total improcedência dos pedidos contra si formulados.

Replicaram os autores, concluindo como na petição inicial.

Foi realizada audiência preliminar, com tentativa de conciliação infrutífera e, de imediato, foi elaborado o despacho saneador, com selecção da matéria de facto considerada assente e alinhamento da base instrutória.

Efectuado o julgamento, com respostas nos termos do despacho de fls.463, foi proferida a sentença que julgou a acção parcialmente provada e procedente pelo que, em consequência:condenou todos os réus a pagarem solidariamente as seguintes indemnizações: - ao 1º autor, a quantia de 30 000,00 euros ( trinta mil euros ); - à autora BB, a quantia de 15 000,00 ( quinze mil euros); - à autora CC, a quantia de 5 000,00 ( cinco mil ) euros.

No demais peticionado,absolveu os réus.

Inconformados, interpuseram recurso de apelação os RR DD, Publicações, S.A., EE e FF.

Por acórdão de fls.706 a 724 o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.

Inconformados, os réus/apelantes pedem agora revista para este Supremo Tribunal.

Alegando a fls.827, CONCLUEM os recorrentes, em resumo: a - por omissão de pronúncia, o tribunal a quo violou o disposto nos arts.668º, nº1, al. d ) e 660º, nº2, ex vi do art.716º, todos do CPCivil, quando ignorou a matéria incorporada nos pontos 19 e 20 das alegações na apelação sobre a violação dos princípios que presidem à atribuição de uma indemnização por danos e o disposto no art.563º do CCivil, limitando-se a tecer o seu entendimento acerca do que constitui o direito de informar; b – e igualmente omitiu pronúncia sobre a questão colocada quanto à violação pela 1ª instância do disposto no art.496º do CCivil, porque excessivo e manifestamente desadequado o montante indemnizatório de 50 000,00 euros fixado pelo tribunal; c – pelo facto de ter julgado improcedente a reapreciação da matéria de facto, o tribunal recorrido não se encontrava legitimado a não emitir um juízo sobre o valor da indemnização atribuída, no montante de 50 000,00 euros, pois que são coisas substancialmente distintas; d – o tribunal recorrido faz uma distinção entre aquilo que considera ser o bom do mau jornalismo ( distinção que a lei não faz ), como se o direito de informar se reduzisse apenas às notícias que fazem pensar, como se entrevistas sobre lazer, coisas simples da vida como a moda ou a sociedade, não se enquadrassem naquilo que as sociedades de hoje consideram ser o papel da comunicação; f – tal entendimento sobre o direito de informar viola aquilo que a liberdade de imprensa tem de mais sagrado: o direito à informação e a liberdade de expressão tal como previstos na Constituição; g – a notícia publicada é uma entrevista prestada por GG e não uma notícia em que os recorrentes dissessem que o irmão do maestro GG agiu assim ou assado nas partilhas – o 24 Horas foi apenas repositório daquilo que o maestro quis dizer sobre os actos do irmão ; h – e, em igualdade de circunstâncias, quis publicar a versão dos factos do autor ( que este não quis fornecer ) e publicou ( mesmo ) a versão dos factos que o Advogado do A. quis dar e deu; i – e tal facto releva do ponto de vista do estabelecimento da autoria do facto lesivo – o órgão de informação não profere uma declaração putativamente ofensiva; quem insulta/difama ( ou o pode fazer ) é o entrevistado, único responsável pelas palavras proferidas; j – e relevaria quanto à determinação da culpa, em função do que, por exemplo, o órgão de comunicação fez para cumprir o dever de ouvir ( ou tentar fazê-lo ) o visado; l – e relevará ainda quanto ao quantum indemnizatório; m – o art.37º da Constituição da República, que consagra a proibição constitucional de toda e qualquer forma de censura aponta no sentido de que se não devem permitir limitações à liberdade de expressão para além das que foram necessárias à convivência com outros direitos, nem impor sanções que não sejam requeridas pela necessidade de proteger os bens jurídicos que, em geral, se acham a coberto da tutela penal; n – faltando uma norma de colisão de dois direitos com igual força constitucional, procura-se proteger o núcleo de cada um deles através da aplicação simultânea de vários princípios: a ponderação de bens, a proporcionalidade, a concordância prática e o efeito recíproco; o – é inconstitucional a (des)harmonização defendida na decisão recorrida, pois tem como consequência prática a total e completa supressão de um dos dois direitos em concurso – a liberdade de expressão e o direito à informação; p – e é inconstitucional ( e ilegal ) porque afirma o primado do direito à reserva da vida pessoal sobre o direito à liberdade de expressão e informação; q – o texto aqui em questão move-se naquilo que é o legítimo exercício da liberdade de expressão e do direito à informação, constitucionalmente garantido aos recorrentes e infra-graduado na decisão contra o disposto nos arts.2º, 3º, 18º, 37º e 38º da Constituição; r - e mantém-se dentro dos limites consentidos pela liberdade de expressão, da livre crítica e do direito à informação; s - é uma entrevista de uma destacada figura pública, as palavras são uma fiel transcrição das palavras do entrevistado, os recorrentes estavam, como estão, convencidos de que o teor afirmado pelo entrevistado era verdadeiro e, em boa fé, tinham razões para acreditar nisso, está por isso excluída a ilicitude; t – a decisão recorrida violou as disposições constitucionais citadas, bem como os arts.2º e 22º, al. a ) da Lei de Imprensa; u – tratando-se de uma entrevista, o jornal não é responsável civilmente enquanto publica a afirmação no exercício do direito de um...

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