Acórdão nº 365/06.0TBALSB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I) - O negócio consigo mesmo, também apodado na doutrina portuguesa de autocontrato, e acto jurídico consigo mesmo, tem na sua base a emissão de uma procuração, o que coloca a questão dos poderes representativos, convocando o normativo do art. 258º do Código Civil.

II) – O Código Civil adoptou como regra a proibição do negócio consigo mesmo, abrindo, no entanto, três excepções no sentido da validade; quando uma disposição especial da lei permita o negócio; quando o representado o consinta, em determinados termos, e quando “o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses”.

III) – Se a outorga de poderes representativos implica uma relação de fiducia do representado no representante, confiando aquele que os seus interesses são eficazmente defendidos, mais exigente deve ser a actuação do representante a quem, além da representação, são conferidos poderes para negociar consigo mesmo, sendo aqui claro que, a um tempo, representa o emitente da procuração e ele mesmo – clara situação de autocontrato.

IV) – A lei exige o assentimento para o autocontrato e, como é inerente ao acto jurídico unilateral (procuração), [onde avulta o cariz intuitu personnae e a confiança no representante], o representado confia na sua honesta actuação, já que colocou nas mãos do representante a condução do negócio, em que este está duplamente interessado, pelo que o risco de actuação lesiva (tendência para o auto-favorecimento) não é de somenos, dada a possibilidade de existirem interesses conflituantes.

V) - O representante deve agir com imparcialidade, probidade, moralidade e fidúcia, zelando os poderes que lhe foram conferidos pelo representado.

VI) – O conflito de interesses pode decorrer de excesso ou abuso de representação, não podendo o representante, mesmo no caso de assentimento do representado, agir de modo egoísta acautelando apenas os seus próprios interesses por lhe competir a defesa dos interesses do outro contraente que representa.

VI) – Da conjugação dos arts. 268º e 269º do Código Civil, resulta que o negócio celebrado com abuso de representação é ineficaz em relação ao representado, a menos que este o ratifique.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, instaurou em 7.4.2006, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Albergaria-a-Velha – 2º Juízo – acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra: BB e mulher CC, Alegando, em resumo, que, em 26 de Setembro de 1988, emitiu uma procuração a favor do Réu, pela qual lhe conferiu poderes para proceder às partilhas por falecimento de seu pai DD, mas aquele abusou de tais poderes, tendo-se aproveitado da sua debilidade física e psíquica e outorgado escritura em que adjudicou todos os bens à Ré mulher, irmã da Autora, não tendo ela recebido quaisquer tornas, além de que os valores aí declarados para os bens estão muito aquém do seu valor real, tendo o Réu beneficiado, dolosamente, a esposa, sendo o negócio ineficaz em relação a si.

Concluiu, pedindo que seja declarada a ineficácia do negócio consubstanciado nessa escritura em relação à Autora (fls. 2 a 5).

Os Réus apresentaram contestação, invocando a falta de atribuição de valor à acção e impugnando parte dos factos alegados, dizendo, em síntese, que o Réu não abusou dos poderes que lhe foram conferidos por tal procuração, nem a Autora estava incapacitada física ou psiquicamente na altura, tendo-lhe sido dado conhecimento da realização da escritura poucos dias após, sendo que foi ela que combinou com a irmã Ré que todos os bens seriam adjudicados a esta, dizendo que as tornas já se encontravam pagas, como efectivamente sucedia, nunca tendo questionado a validade e eficácia de tal escritura nos quinze anos seguintes após a sua celebração, pelo que a acção deverá improceder (fls. 22 a 26).

A Autora havia, entretanto, indicado o valor da acção e, após notificação da contestação, apresentou novo articulado a reafirmar a sua versão e a impugnar o alegado pelos Réus (fls. 15 e 37).

No prosseguimento dos autos, foi dispensada a realização de audiência preliminar em consequência do que foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto relevante tida por assente e a provar, de que não houve reclamação, mas, oficiosamente, teve lugar uma correcção à redacção do quesito 18.º da base instrutória – cfr. despacho de fls. 57.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova testemunhal nela produzida, finda a qual, foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fls. 245 e 246, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.

*** Foi proferida a sentença – fls. 251 a 253 verso – na qual se julgou a acção improcedente e, em consequência, foram os Réus absolvidos do pedido.

*** Inconformada, a Autora recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por Acórdão de 21.4.2009 – fls. 292 a 296 – negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

*** De novo inconformada, a Autora recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: l. Parece que a ninguém se deve oferecer dúvidas para os fins da procuração consistiam em permitir, sem a intervenção da Autora, a venda de bens mas com equilíbrio das prestações, ou seja, por preços equilibrados e justos e na determinação deles, ninguém melhor do que o Réu, que vive na zona onde se situam os bens, saberia “movimentar-se”.

  1. Aliás, se esta questão fosse destituída de interesse, a 1ª instância não teria deferido a perícia.

  2. Então para que serviu a perícia? 4. “Vender” os bens por um preço muito interior ao real, não pode, evidentemente, deixar de constituir abuso de representação que existe sempre que o representante utiliza conscientemente os...

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