Acórdão nº 1929/04.2TBSJM.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - Há enriquecimento sem causa do cliente de instituição bancária que à custa desta se locupleta com 351 000 €, por via do pagamento de cheques que sacou da sua conta bancária sem fundos suficientes, no âmbito de uma operação de descoberto possibilitada por gerente bancário da sua confiança que agiu sem dispor de poderes e que quis antecipar ao cliente os fundos que ele iria obter por via de financiamento já solicitado que o cliente, no entanto, acabou por não aceitar.

II - Os pais do gerente bancário que regularizaram junto da instituição de crédito a referida situação, não se podem considerar sub-rogados pelo credor (sub-rogação voluntária) se não provarem – e deles é o ónus da prova (art. 342.º, n.º 1, do CC) – que a sub-rogação foi expressamente feita até ao momento do cumprimento da obrigação (art. 589.º do CC).

III - No entanto, porque a atribuição patrimonial ou enriquecimento dos réus resultou única e exclusivamente daquela operação, os autores, posto que não sub-rogados, podem obter o pagamento das quantias adiantadas à custa dos réus com base no enriquecimento sem causa (art. 473.º do CC)*.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA e BB, CC e DD demandaram EE e FF e GG e mulher HH deduzindo os seguintes pedidos: - Condenação dos 1ºs RR a pagar aos 1.ºs AA a quantia de 351.000 euros.

- Condenação dos 1.ºs RR a pagar aos 2.ºs AA a quantia de 105.346 euros.

- Condenação dos 1.ºs RR a pagar aos 1.ºs e 2.ºs AA juros de mora à taxa legal sobre as quantias referidas nas precedentes alíneas a) e b) desde a data de entrega daquelas aos 1.ºs RR ou, se assim se não entender, desde a data da citação até integral pagamento.

Mais deve ser declarado: - Que os AA, na proporção os seus direitos de crédito, ficam sub-rogados, nos termos do artigo 606.º do Código Civil, no direito de crédito de que os 1.ºs RR são titulares sobre os 2.ºs RR emergente do contrato-promessa de compra e venda do prédio identificado nesta acção.

  1. Os réus ( quando nos referimos a réus tout court estamos a considerar apenas os 1.ºs RR) eram titulares de conta no B…/SJMadeira; dessa conta foram emitidos cheques sem provisão que foram pagos a descoberto no valor total de 344.618,81€.

    O pagamento a descoberto foi autorizado pelo 2.º A. sem autorização do órgão da instituição de crédito que devia aprovar o financiamento solicitado pelos réus no montante de 448.918,12€.

    Destinava-se o financiamento ao pagamento do preço de moradia de que os réus eram promitentes compradores e os 2.ºs RR promitentes vendedores e ainda ao pagamento de obras de beneficiação.

    O 2.º A, a pedido do réu, adiantou-lhe, no pressuposto de que o financiamento iria ser autorizado, com dinheiro próprio, a quantia de 105.346,11€.

    Certo é que os réus, apesar de terem obtido financiamento no montante de 448.918,92€ noutra instituição de crédito, recusaram-no e não pagaram nem a quantia recebida a descoberto (344.618,81€) nem a quantia adiantada pelo 2.ºA (105.346,11€).

    O descoberto foi regularizado nos seguintes termos: - por depósito em numerário no montante de 61.000€ proveniente da conta dos 1.ºs AA e de 171.000,00€ provenientes de fundos próprios; - por via de financiamento concedido pelo B… por contrato de abertura de crédito no montante de 180.000 euros que foi contraído pelos 1.ºs AA (pais do 2.º

    1. Os pais do 2.ºA (ora 1ºs AA) foram sub-rogados nos termos do artigo 589.º do Código Civil pelo B… na sua posição de credor do descoberto conforme declaração de fls. 32.

    Os autores fundamentaram ainda o seu pedido no enriquecimento sem causa dos réus à custa dos AA para o caso de se entender que não há lugar a sub-rogação, direito de regresso ou mútuo.

  2. Foi proferida decisão de 1ª instância, confirmada pelo Tribunal da Relação, nos seguintes termos: - Condenação dos réus EE e FF a pagar aos autores AA e mulher BB (1ºs AA) a quantia de 351.000€ , acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação, contados à taxa legal.

    - Condenação dos mesmos réus a pagar aos autores CC e mulher DD a quantia de 105.346,11€, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a citação contados à taxa legal.

    - Absolvição dos réus EE e FF do mais que lhes pediam os autores.

    - Absolvição dos réus GG e mulher HH do mais que lhes vinha pedido pelos autores 4.

    A sentença de 1ª instância considerou o seguinte: - Os réus, tendo em vista obter financiamento para aquisição de moradia, pediram a concessão de mútuo ao Banco …. pela agência onde 2.º A era gerente o qual, sem para tal estar autorizado mas convicto de que o empréstimo solicitado de 448.918,12€ iria ser concedido, permitiu o levantamento a descoberto de cheques emitidos pelo réu marido de conta sita na dita agência no montante de 344.618,81€ - O Banco … não deixa de ficar vinculado à operação de descoberto realizada pelo seu gerente ainda que este tenha actuado sem autorização e, por isso, a referida instituição de crédito constituiu-se credora do financiamento concedido por descoberto em conta.

    - O valor do descoberto permitiu aos réus pagarem o preço da moradia prometida comprar e também suportar as obras de beneficiação.

    - A reposição do descoberto foi efectuada, no que respeita à quantia de 351.000€ referida em 27 e 28 infra da matéria de facto, pelos 1ºs AA (pais do 2ºA) sendo 170.000€ por meio de fundos próprios e 180.000€ por via de contrato de abertura de crédito, liquidando-se, assim, o débito do 2.ºA (gerente do Banco) para com a instituição de crédito face à operação de descoberto que assumiu realizar sem autorização da entidade própria da instituição de crédito.

    - O Banco … sub-rogou os 1ºs AA (pais do 2.ºA) na quantia de 180.000€ (artigo 589.º do Código Civil) por força do qual os réus são devedores da referida quantia.

    - Quanto aos 171.000€ com os quais foi pago o restante descoberto a sub-rogação encontraria o seu fundamento no artigo 592.º do Código Civil (sub-rogação legal) só que esta, para ser admissível, pressupõe, nos termos do preceito, ou que o terceiro que cumpre a obrigação tenha garantido o cumprimento, o que não é o caso, ou que esteja “ directamente interessdo na satisfação do crédito”; no entanto, não sendo interesse directo o mero interesse afectivo ou moral do “solvens”, não têm os autores, com base neste fundamento, direito ao recebimento da aludida quantia porque o seu interesse é apenas afectivo, resulta da mera vontade de auxiliar o filho envolvido na referida operação de descoberto pela qual se tornou responsável perante a instituição de crédito onde trabalha.

    - Quanto ao mútuo com base no qual os 2.ºs AA reclamam dos réus 105.346,11€ - prosseguiu a sentença do círculo judicial de Oliveira de Azeméis - é ele inexistente, pois tal quantia foi entregue no âmbito da operação de descoberto em conta, não se preenchendo os elementos constitutivos do mútuo.

    - No entanto, com base no enriquecimento sem causa tais quantias - 105.346,11€ e 170.000,00€ - são devidas aos autores.

    A decisão de 1ª instância foi confirmada pelo Tribunal da Relação.

  3. O réu EE recorre do acórdão invocando, em síntese, as seguintes razões:

    1. Que o acórdão não se pronunciou, no que respeita aos quesitos 11, 21, 22, 23 e 24 da base instrutória ( infra 18, 27, 28, 29 e 30) sobre a contradição que encerra as respostas, pois o valor somado das respostas aos quesitos excede o valor que os próprios consideram ter pago.

    2. Que uma tal omissão implica violação do dever de apreciação de todas as questões traduzindo tal omissão nulidade da decisão recorrida.

    3. Que, face à prova produzida, por inexistência de prova documental não se pode saber quer a proveniência do dinheiro depositado em numerário ou por transferência bancária, salvo prova testemunhal que o acórdão referencia.

    4. Que ocorrem contradições entre os fundamentos e a decisão pois se é aceite que...

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