Acórdão nº 6/08.1TTPTG.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : 1. Resultando dos factos materiais fixados pelas instâncias que a autora, na execução da sua actividade, estava sujeita à autoridade e direcção do réu, verificando-se uma relação de dependência da conduta da trabalhadora na execução da prestação laboral em relação às ordens ou orientações determinadas pelo empregador, é de concluir que a relação contratual entre eles estabelecida como contrato de avença preenche os requisitos de um contrato de trabalho, sendo certo que, nos contratos de execução continuada, havendo contradição entre o tipo contratual inicialmente acordado e o realmente executado, prevalece a execução assumida, efectivamente, pelas partes.

  1. A relação contratual estabelecida entre a autora e o empregador, que as instâncias qualificaram como contrato de trabalho, está ferida de nulidade, porque ajustada fora das situações legalmente previstas, em violação dos artigos 14.º, n.º 1, e 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, normas de inquestionável natureza imperativa.

  2. Tendo-se concluído que a relação contratual estabelecida entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho, não tem aplicação, no caso sujeito, o disposto no n.º 6 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 19 de Dezembro de 2007, no Tribunal do Trabalho de Portalegre, AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra o ESTADO PORTUGUÊS (Ministério da Justiça), pedindo que, declarado (i) «que a relação contratual estabelecida entre as partes consubstancia um contrato de trabalho», (ii) «que tal contrato, não obstante estar ferido de nulidade, produz efeitos como se fosse válido, em relação ao tempo durante o qual esteve em execução», (iii) «que aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho se aplicam as normas sobre cessação do contrato», (iv) e «que a sua cessação, por declaração unilateral do Réu, tem os efeitos de um despedimento ilícito», (iv) o réu fosse condenado a pagar-lhe: a) as retribuições correspondentes a subsídio de férias e de Natal não pagas, no valor de € 12.469,90; b) a quantia de € 1.870,96, relativa ao período correspondente à licença por maternidade que não gozou, por força da cessação do contrato; c) uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base, por cada ano completo ou fracção de antiguidade; d) o ressarcimento dos danos não patrimoniais, no valor de € 10.000; e) as retribuições que deixou de auferir, desde a data da cessação do contrato até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare que tal cessação tem os efeitos de um despedimento; f) juros legais, desde a data da citação até integral pagamento.

    Alegou, em suma, que, em 7 de Janeiro de 2002, celebrou com o Instituto de Reinserção Social (actualmente, Direcção-Geral de Reinserção Social) um contrato de prestação de serviços em regime de avença, o qual, após sucessivas prorrogações, vigorou até 31 de Dezembro de 2006, data a partir da qual o réu operou a respectiva cessação, mediante comunicação datada de 16 de Outubro de 2006, sendo que, pese embora a designação adoptada, atenta a forma de execução, a relação estabelecida deve ser considerada como um contrato de trabalho, embora ferido de nulidade, daí que se tenha verificado um despedimento ilícito, com todas as consequências legais.

    O réu contestou, excepcionando a incompetência do tribunal, em razão da matéria, por entender que o contrato em causa tem natureza administrativa e que a sua apreciação e interpretação compete aos tribunais administrativos; mas, ainda que assim não fosse, sempre competiria ao tribunal cível conhecer do pedido fundado em alegado incumprimento de um contrato de prestação de serviços; por impugnação, aduziu que a execução do contrato celebrado não ocorreu da forma alegada e, mesmo que se configurasse um contrato de trabalho, este carecia de autorização por parte do Ministério das Finanças, o que sempre determinaria a sua invalidade.

    A autora respondeu, reafirmando que o contrato em causa é um contrato de trabalho e, como tal, o tribunal do trabalho é o competente para dirimir o litígio.

    Após a realização do julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando que a relação contratual estabelecida entre a autora e o réu tem a natureza de um contrato de trabalho, que, não obstante ferido de nulidade, produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução e que aos factos extintivos do mesmo, antes da declaração da sua nulidade ou anulação, se aplicam as normas sobre a cessação do contrato de trabalho, tendo condenado o réu a pagar à autora € 29.678,36, a título de subsídios de férias e de Natal, diferença de licença por maternidade, indemnização e compensação, com juros, contados à taxa legal, desde 21 de Dezembro de 2007 e até integral pagamento.

  3. Inconformado, o réu apelou para o Tribunal da Relação de Évora, que julgou improcedente o recurso de apelação e confirmou a sentença recorrida, sendo contra esta decisão do Tribunal da Relação que o réu agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes: «I – Contrariamente ao doutamente decidido pelas instâncias, entendemos que não estamos perante um contrato de trabalho, mas sim de prestação de serviç[o], em virtude da actividade da trabalhadora (psicóloga); II – Não se extrai da matéria de facto assente que a A. elaborasse as avaliações psicológicas em obediência a ordens emanadas da sua superiora hierárquica, mas sim com autonomia técnica, derivada dos seus conhecimentos técnicos e intelectuais; III – A recorrida foi contratada pelo Instituto de Reinserção Social através de uma carta/convite para prestação de serviços de técnico superior, convite que a mesma aceitou, com prestação de serviços; IV – A entender-se que estamos perante um contrato de trabalho, o mesmo tem de declarar--se nulo, por força do disposto no n.º 6 do art. 10.º do DL 184/89, de 2 de Junho; V – Não podendo ser reconhecidos à recorrida, por efeito da nulidade, quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios supervenientes à extinção do contrato, VI – Pelo que o douto Acórdão recorrido violou o regime fixado pelo Decreto-Lei n.º 184/89, designadamente o disposto no seu art. 10.º; VII – Termos em que deve ser concedida a revista, julgando a presente acção improcedente.» A recorrida contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

  4. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede: – Se a relação jurídica estruturada pelas partes como contrato de prestação de serviço em regime de avença se desenvolveu nesses precisos termos, ou se, pelo contrário, a configuração que realmente assumiu impõe que seja qualificada como contrato de trabalho [conclusões I) a III) e VII), na parte atinente, da alegação do recurso de revista]; – Se, configurando-se um contrato de trabalho, o mesmo é nulo, por força do disposto no n.º 6 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, não podendo ser reconhecidos à recorrida, por efeito da nulidade, quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios supervenientes à extinção do contrato [conclusões IV) a VI) e VII), na parte atinente, da alegação do recurso de revista].

    Corridos os «vistos», cumpre decidir.

    II 1.

    O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: a) A autora é licenciada em psicologia; b) Em 7/1/2002, a autora e o então IRS – Instituto de Reinserção Social celebraram um acordo, que designaram por «contrato de prestação de serviços em regime de avença» onde fizeram constar, além do mais, as seguintes cláusulas: 1.ª Objecto do contrato — O primeiro outorgante (IRS) contrata o segundo outorgante (autora) para desenvolvimento da actividade de psicólogo, designadamente elaboração de perícias de personalidade, diagnóstico de...

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