Acórdão nº 1735/06.OTMPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Legislação Nacional: CONVENÇÃO DA HAIA SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS, DE 25 DE OUTUBRO DE 1980, APROVADA PELO DECRETO Nº 22/83 DE 11 DE MAIO; REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003 DO CONSELHO, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2003; OTM – ORGANIZAÇÃO TUTELAR DE MENORES, DECRETO-LEI Nº 314/78, DE 27 DE OUTUBRO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 668º, Nº 1, 712º, 716º, 722º, 727º, 729º, 1410º, 1411º Jurisprudência Nacional: SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, 27 DE MAIO DE 2008, WWW.DGSI.PT, PROC Nº 08B1203, 20 DE JANEIRO DE 2009, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 08B2777; TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ACÓRDÃO 56/2002, WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT Sumário : 1. É em função do superior interesse da criança, que especialmente desaconselha o protelamento de situações de facto conflituantes com decisões judiciais, que a lei expressamente impõe o efeito meramente devolutivo aos recursos de decisões proferidas em processos relativos a regulação das responsabilidades parentais e de questões a elas respeitantes.

  1. Não é motivo de nulidade de acórdão proferido num processo de jurisdição voluntária a discordância sobre a forma como são exercidos os poderes de investigação do tribunal.

  2. Nos processos de jurisdição voluntária, são aplicáveis as regras relativas aos poderes dos tribunais de recurso, nomeadamente quanto à ampliação e à alteração da decisão da matéria de facto.

  3. O processo destinado a obter o regresso de uma criança ilicitamente retida num Estado-Membro, previsto no artigo 11º do Regulamento (Código das Expropriações) nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro, não se destina a obter nenhuma decisão sobre a sua guarda, mas a garantir, de forma expedita, a eficácia de uma decisão judicial que decidiu sobre essa guarda.

  4. Estando assente a ilicitude da retenção, os tribunais têm de determinar a entrega imediata da criança, sem que possam discutir a bondade da solução, salvo se ocorrerem as circunstâncias ponderosas que a Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Decreto nº 22/83 de 11 de Maio e o referido Regulamento consideram aptas a fundamentar uma decisão de recusa.

  5. Está fora do âmbito possível do recurso de revista o controlo de uma decisão de recusa ou de entrega com fundamento na maior adequação à protecção dos interesses da criança, apenas susceptível de recurso até à Relação.

    Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Por sentença do Tribunal de Família e Menores do Porto, de 20 de Junho de 2008, de fls. 236, proferida na sequência de requerimento do Ministério Público, apresentado em 24 de Agosto de 2006, ao qual se opôs AA, avó, foi determinada a entrega da menor BB a seu pai, CC, com regresso à Irlanda do Norte, onde o mesmo reside. Foi ainda determinado que “se sensibilize a avó paterna para que proceda à entrega da menor em termos serenos, permitindo-se-lhe, se assim o quiser, acompanhar a menina à Irlanda do Norte, por forma a evitar o máximo de traumas à mesma”.

    Em síntese, o tribunal considerou, com base no disposto na Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Decreto nº 22/83 de 11 de Maio, e no Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, que “há uma situação de retenção ilícita por parte da avó paterna” e que se não verificam “razões legítimas para impedir o regresso da criança para junto do seu pai guardião”.

    Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Fevereiro de 2009, de fls. 650, foi negado provimento ao recurso interposto por AA, quer relativamente à matéria de facto, quer quanto ao direito aplicável, nestes termos: “É no âmbito da aplicação da Convenção de Haia, de 25 de Outubro, de 1980, relativa aos aspectos civis ligados ao rapto de crianças e do Regulamento (CE) n.° 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro, de 2003, que entrou em vigor em 1 de Março de 2005 e revogou o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, que nos devemos situar, por serem aplicáveis ao caso. Face aos mesmos, designadamente o disposto no art.° 11° do citado Regulamento agora vigente (que estabelece condições mais apertadas para uma possível decisão de retenção, do que o art.° 13°, da Convenção citada), qualquer pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda de uma criança, pode pedir às autoridades competentes de um Estado-Membro uma decisão, no caso de deslocação ou retenção ilícita de qualquer criança de um Estado-Membro, para outro Estado-Membro, a fim de obter o regresso da criança em causa.

    Ora, como resulta da factualidade assente e tendo presente a decisão tomada pelo Tribunal irlandês referido acima, torna-se claro que a retenção, por parte da avó paterna, da menor BB em território nacional, contra a vontade expressa do titular do direito de guarda da mesma, seu pai, configura uma retenção ilícita, para efeitos de aplicação do citado normativo legal, sendo que, o titular desse direito de guarda solicitou o regresso da criança dentro do prazo de um ano, tendo em conta a altura em que a entrega da filha lhe foi recusada, pela avó paterna que a trouxe para Portugal, apenas para passar uma férias.

    O indicado Regulamento reforça o principio de que o tribunal deverá ordenar o imediato regresso da menor, limitando ao estritamente necessário as excepções estabelecidas pelo art.° 13°, al. b), da citada Convenção, estas dirigidas às situações em que o regresso da criança a leve a ficar sujeita a perigos de ordem fisico-psíquica ou numa situação intolerável. Com efeito, nos termos do Regulamento, mesmo que tais perigos se verifiquem, deverá obrigatoriamente ser ordenado o regresso, desde que as autoridades do respectivo Estado-Membro de origem garantam através de medidas adequadas a protecção da criança, após o seu regresso (In casu, tais perigos não se mostram perspectivados, pelo que, desnecessário se torna exigir essa garantias).

    As disposições do Regulamento prevalecem sobre as da Convenção e o que se verifica é que, com aquele, se procurou reforçar a ideia de cooperação entre os tribunais dos respectivos Estados-Membros, sem, todavia, esquecer ou colocar em segundo plano o que de mais importante se impõe em toda esta problemática – o superior interesse da criança. Esta, aliás, deverá ser sempre ouvida, pelo tribunal a quem o pedido de regresso é dirigido, a não ser que se considere inadequado em função da sua idade ou grau de maturidade (nº2, do citado art.° 11°). No caso, em apreço, verifica-se que tal audição não teve lugar, o que se compreende, face à idade da menor. Mas, o seu pai foi ouvido, embora por telefone.

    A menor é órfã de mãe, mas não é órfã de pai, a quem foi confiada a sua guarda. Este tem emprego estável e nada resultou provado que ponha em causa o seu carácter. Revela vontade de ter consigo a filha, para quem terá pensado um projecto de vida a seu lado, acompanhando o crescimento e desenvolvimento da mesma. Conta, para isso, com a ajuda dos avós maternos da criança, em casa de quem vive, na Irlanda.

    Por outro lado, não resultaram apurados factos que, objectivamente, permitam concluir pela existência de risco ou perigo para a menor em viver com o pai, conforme foi determinado pelo Tribunal irlandês.

    Assim, não encontramos fundamento para ir contra o que se mostra decidido pelo Tribunal a quo, que devidamente ponderou e decidiu pelo regresso da menor.” 2. AA recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso veio a ser admitido por ter sido deferida a reclamação que apresentou contra o despacho de não admissão de fls. 723, baseado no disposto no nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil.

    Nos termos do despacho de fls. 726, o recurso foi admitido por estar em causa uma “decisão proferida no âmbito (…) de processo de jurisdição voluntária, correspondendo à aplicação de lei estrita, a Convenção e Regulamento (…), ambos tendo como finalidade proscrever o uso de meios de auto-tutela em matéria de exercício do poder paternal (…). O (…) acórdão [da Relação do Porto de 3 de Fevereiro de 2009, agora recorrido] é exemplo de decisão que (…) ‘não emerge propriamente de um juízo de equidade, isto...

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