Acórdão nº 838/05.2TTCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - O art.º 59.º, nº 1, al. a) da CRP confere um direito fundamental aos trabalhadores que se cifra em eles, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, serem retribuídos pelo seu trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual.

II - Este princípio está ancorado no princípio, mais amplo, da igualdade, consignado no art.º 13.º da CRP e, dada a sua natureza, não obstante a respectiva inserção no Título III, postula não só uma natureza negativa (no sentido de proibição da respectiva violação), como ainda uma aplicabilidade directa em moldes similares aos direitos, liberdades e garantias incluídos nos Títulos I e II da sua Parte I, impondo-se a sua aplicação e vinculatividade às entidades públicas e privadas, como comanda o nº 1 do art.º 18º.

III - Neste contexto, vem sendo defendido que quando se deparam situações em que se patenteia, sem mais, que um dado trabalhador não beneficiou de um aumento salarial idêntico àquele que foi conferido a outros trabalhadores que na mesma empresa desempenham tarefas absolutamente semelhantes em qualidade, quantidade, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade, têm a mesma categoria profissional e detêm as mesmas qualificações profissionais, só pela circunstância de ele pertencer a uma organização sindical que não assinou o acordo de empresa ou não ser sindicalizado, tal implicava a postergação do direito consignado no art.º 59.º, nº 1, al. a) da CRP.

IV - Contudo, como decorre do apelo à paridade de circunstâncias, mister é que a razão da diferenciação resida, tão só, no facto de o trabalhador não beneficiado pelos aumentos em condições idênticas às desfrutadas por outros não ser associado da organização sindical ou das organizações sindicais que outorgaram o acordo de empresa, ou não ser sindicalizado.

V - Não se pode afirmar a violação do princípio de «para trabalho igual salário igual», quando na acção apenas se apurou que determinado trabalhador (que o A identifica), aufere retribuição de valor superior à auferida pelo A e tem a mesma antiguidade na empresa que ele, mas nenhuma outra circunstância de identidade entre ambos se provou, como sejam, a categoria profissional e as condições, qualidade e quantidade de trabalho e de desempenho de funções desse trabalhador.

VI - Nos termos do n.º 3 do art.º 23.º do CT incumbe a quem alegar a discriminação, fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, cabendo ao empregador provar que as condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1 daquele artigo, consagrando, assim, uma inversão da regra geral do ónus da prova estabelecido no art.º 342.º do CC, de sorte a fazer impender sobre a entidade empregadora a prova de que o tratamento desfavorável conferido ao trabalhador se não fundou naqueles factores, antes tendo esse tratamento justificação bastante, dotada de plausibilidade.

VII - Assim, não se pode afirmar a existência de discriminação do A relativamente ao pagamento dos prémios de produtividade, por o mesmo ser membro de uma estrutura de representação colectiva de trabalhadores ou por ter dado faltas pelo exercício de actividades enquanto representante dos trabalhadores, quando dos autos resulta que a R. demonstrou que tais prémios foram conferidos de harmonia com o desempenho profissional justificado dos trabalhadores e não foi com esteio nessas situações que processou ao A. aqueles prémios.

VIII - A concessão de aumento salarial que a R. atribuiu aos seus trabalhadores associados dos sindicatos federados na confederação sindical que veio a celebrar um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho com a R. ou que, não o sendo, vieram a aderir a esse instrumento, resultaram dessa mesma forma de normação privada, necessariamente de âmbito mais vasto de que aquele meramente incidente sobre os ditos valores.

IX - Não existe discriminação do A por a R. não lhe ter concedido aumentos salariais nos anos de 2003, 2004 e 2005 quando está demonstrado que a R procedeu a esses aumentos salariais por força do acordo de empresa celebrado com diversas associações sindicais, aumentos esses que resultaram da aplicação de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho celebrado entre si e a FETESE e outros sindicatos, instrumento esse que a R aplicou aos trabalhadores filiados nas associações sindicais outorgantes e a todos os restantes trabalhadores que a ele pretendessem aderir, mediante declaração para o efeito e, está, ainda, demonstrado que o A era filiado num sindicato que com a R mantinha um outro instrumento de regulamentação que entendeu não aderir aquele e, ele próprio, não aderiu à sua aplicabilidade.

Decisão Texto Integral: 1.

No 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Coimbra instaurou AA contra C... – I... de C..., S.A.

, acção de processo comum, solicitando que fosse declarada a nulidade da sanção de oito dias de suspensão que lhe foi aplicada pela ré e que esta fosse condenada: – – a pagar ao autor as diferenças salariais nos exactos termos e percentagem que aplicou aos demais trabalhadores correspondentes aos aumentos salariais referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005; – a reconhecer que, a partir de 1 de Janeiro de 2003, o período normal de trabalho era de 35 horas, em consequência lhe devendo pagar € 2.121,86, a título de trabalho suplementar, bem como, ao mesmo título, o valor que se viesse a apurar em sentença; – a pagar ao autor o valor que era devido por referência ao que era pago ao trabalhador BB; – a pagar ao autor € 10.000, a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, em síntese, invocou que: – – ele, autor, admitido ao serviço da ré em 1 de Janeiro de 1982, detendo actualmente a categoria de oficial principal, praticando um horário semanal de 39 horas – entrando às 8 horas e saindo às 17 horas, de segunda-feira a quinta-feira, e entrando às 8 horas e saindo às 16 horas à sexta-feira –, aufere o salário base de € 806,96, acrescidos de € 165,12, a título de anuidades, € 22, a título de subsídio de transporte, e da remuneração de trabalho nocturno, em valor variável, quando prestado, sendo que as relações de trabalho são regidas pelo acordo colectivo de trabalho subscrito entre a Federação dos Sindicatos de Cerâmica, Cimento e Vidro de Portugal e a C...

, acordo esse publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 40, de 29 de Outubro de 1983, com as actualizações publicadas no mesmo Boletim, números 22, de 15 de Junho de 1984, 43, de 22 de Novembro de 1985, 43, de 22 de Novembro de 1988, 27, de 22 de Julho de 1991, 39, de 22 de Outubro de 1991, 19, de 22 de Maio de 1995, e 26, de 15 de Julho de 1995; – a ré instaurou ao autor um processo disciplinar, referindo, na nota de culpa, que este, em 10 de Dezembro de 2002, quando integrava um «piquete» de greve, impediu o acesso às instalações daquela, tendo, para o efeito da imputação ao autor de tal comportamento, utilizado meios de «vídeo-vigilância», o que era proibido por lei; – o autor não impediu quem quer que fosse de ir trabalhar no dia da greve; – na sequência do processo disciplinar, a ré impôs ao autor a pena de oito dias de suspensão com perda de retribuição, vindo-lhe, por isso, a descontar € 259,22; – o autor foi o único trabalhador da ré que esteve no «piquete» de greve a quem foi instaurado processo disciplinar, pelo que a sua punição foi abusiva; – a ré não aplicou ao autor o mesmo aumento que aplicou a mais de 90% dos seus trabalhadores nos anos de 2003, 2004 e 2005, tendo a actuação dela sido devida a motivos persecutórios que defluem das circunstâncias de ele ser membro da comissão de trabalhadores e delegado sindical e, sendo filiado no Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas de Coimbra e Leiria, lhe exigir que assinasse uma declaração de aceitação de uma convenção colectiva diferente daquela que foi firmada com aquele sindicato e que se encontrava em revisão, sendo que outros sindicatos acordaram com a ré aumentos salariais, para os mencionados anos, de, respectivamente, 3,75%, 3,8% e 2,8%; – foi assim que, nos indicados anos, trabalhadores com a categoria profissional do autor viram os seus salários ser fixados, na remuneração base, em € 949, € 986 e € 975,57, enquanto que aquele auferia a remuneração base de € 806,96; - também a ré não paga ao autor prémio de produtividade, com o pretexto de este ter dado faltas no âmbito da actividade desenvolvida em representação dos trabalhadores, o que é retratado pelo facto de ao trabalhador BB, que detém a mesma categoria e antiguidade do dito autor, lhe ter pago salários, diuturnidades e prémios mais elevados; – a ré não cumpriu o acordo celebrado entre ela e a Federação dos Sindicatos de Cerâmica, Cimento e Vidro de Portugal, acordo esse que visava, a partir de 1 de Janeiro de 2003, reduzir o período de trabalho semanal para 35 horas, continuando o autor, mesmo a partir daquela data, a laborar durante 39 horas semanais, o que implicou que este prestasse, pelo menos, 211 de trabalho suplementar, no valor de € 2.121,86, que a ré nunca pagou, não obstante terem sido reclamados; – a ré, ao perseguir, discriminar e punir injustamente o autor, causou neste humilhação, vendo a sua saúde ser afectada.

Contestou a ré, impugnando grande parte da factualidade aduzida pelo autor e defendendo, em síntese: – – a validade do processo disciplinar e a justeza da sanção aplicada; – a não discriminação salarial do autor, pois que a federação sindical a que o autor pertence não efectuou acordo quanto aos aumentos...

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