Acórdão nº 1362/06.1TBVCD.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ROCHA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - Afastada, por não provada, a culpa efectiva de qualquer dos condutores intervenientes no acidente, nem sendo caso de culpa presumida, entra em funcionamento o art. 506.º do CC, tanto mais que, da petição, nada permite concluir que o pedido de indemnização não foi considerado para a hipótese de responsabilidade pelo risco.

II - No caso ajuizado, tendo em conta as características dos veículos intervenientes no acidente, é de concluir que contribuíram, em igual medida, para a produção dos danos verificados.

III - Desde que a violação do direito de propriedade e a decorrente privação do uso derivem da prática de acto ilícito, a par do pedido de reivindicação, nos termos do art. 1311.º do CC, pode ser formulado o pedido de indemnização, como forma de repor a situação anterior e de reparar os prejuízos decorrentes da privação, como ocorre quando esta atinge bens imóveis.

IV - Se se provar que a indisponibilidade foi causa directa de prejuízos resultantes da redução ou perda de receitas, da perda de oportunidades de negócio ou da desvalorização do bem, não se questiona o direito de indemnização atinente aos lucros cessantes.

V - Mas mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, o lesado deve ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição ou de disposição. A simples falta de prova (ou de alegação) desses danos concretos não conduz necessariamente à denegação da pretensão indemnizatória.

VI - Sem embargo da prova que possa ser feita da total ausência de danos, não deve descartar-se o recurso à equidade para encontrar, no balanceamento dos factos e das regras de experiência, um valor razoável e justo. Não é imprescindível que o lesado invariavelmente alegue e prove a existência de danos efectivos.

VII - Sempre que, fazendo apelo ao critério actualizador prescrito no art. 566.º, n.º 2, o juiz atribuir uma indemnização monetária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão da 1.ª instância, não pode, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante juros moratórios desde a citação, por força do disposto na 2.ª parte do n.º 3 do art. 805.º, referido ao n.º 1 do art. 806.º, todos do CC.

VIII - Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória, no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado), poderá funcionar automaticamente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I.

AA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra R... Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe as quantias de € 8.282,17 pela reparação do veículo, € 38.444,88 pela privação do uso da viatura, acrescida diariamente da quantia de € 78,14 até à cessação da privação do uso, € 572,00 por 492 dias de seguro obrigatório, acrescida do valor do seguro pago desde a data da interposição da acção até à cessação da privação do uso, e € 2.500,00 a título de indemnização por danos morais, quantias estas acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data do acidente até à data da interposição da acção, no montante de € 2.685,06, e dos vincendos desde a citação até efectivo pagamento, bem como da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829°-A, n° 5, do Código Civil.

Alegou que, no dia 28.11.04, teve lugar um acidente, no qual intervieram os veículos com as matriculas ...-...-..., pertencente ao A., por ele conduzido, e ...-...-..., pertencente à Associação H... dos B... V... de Vila do Conde, conduzido por BB, e que teve a sua origem no facto de o UN, que circulava pela Rua ..., no sentido norte/sul, sem sinais de emergência ligados (luminosos e/ou sonoros), ter ultrapassado uma fila de trânsito, indo embater no TI que, circulando na mesma rua e no mesmo sentido de marcha, pretendendo virar à esquerda, tinha iniciado a referida manobra, encontrando-se, nesse momento, atravessado no caminho do UN.

O TI sofreu danos, cuja reparação orça em € 8.282,17, encontrando-se o A. privado de o utilizar até à sua reparação, certo que, não dispondo de mais nenhum para as suas deslocações profissionais e pessoais, teve e tem de recorrer a boleias de colegas de trabalho, o que lhe causou um prejuízo que computa em € 78,14 diários, acrescendo que, para o período de 17.11.04 a 16.05.05, liquidou o seguro automóvel obrigatório, no montante de € 193,54, tendo usufruído do veículo apenas durante 11 dias, sofrendo, assim, um prejuízo de € 181,71 por 169 dias de seguro pago e não usufruído, tendo, ainda, pago, no período de 17.05.05 a 16.11.06, de seguro a quantia de € 193,54, do qual não usufruiu, sofrendo um dano desse valor e, no período de 17.11.05 a 16.05.06, pagou de seguro a quantia de € 253,53, tendo já decorrido 138 dias, o que totaliza um dano de € 196,75.

Em virtude do acidente, sofreu angústia e sofrimento, o que lhe provocou inquietações durante o sono e constantes preocupações com o facto de ter podido perder a vida, revivendo constantemente a sensação da violência e da surpresa do sinistro.

A R. contestou, negando os factos alegados pelo A. quanto ao circunstancialismo em que ocorreu o acidente e imputando-lhe a culpa dele, alegando que ele se encontrava parado numa fila de trânsito e decidiu efectuar, sem fazer qualquer sinal, uma mudança de direcção à esquerda, invadindo o corredor de circulação da esquerda, no momento em que o UN, que tinha assinalado a marcha de urgência (sonora e luminosa), pois transportava um paciente em estado grave, se encontrava a ultrapassar essa fila de trânsito, utilizando a faixa de rodagem reservada ao sentido contrário. Por fim, disse que a reparação do TI é excessivamente onerosa, na medida em que essa reparação foi estimada em € 15.000,00 e o valor venal do veículo é de € 13.000,00 e o dos salvados de € 4.100,00, sendo, por isso, face ao binómio valor da reparação/valor venal, economicamente inviável.

O A. replicou, pugnando pela versão dos factos apresentada na petição inicial.

Seleccionou-se a factualidade assente e elaborou-se a base instrutória, que não foi objecto de reclamação.

Procedeu-se a julgamento e o autor apresentou alegações quanto ao aspecto jurídico da causa.

Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. a pagar ao A.: A quantia de € 1.500,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da decisão até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado; A quantia de € 8.282,17, a título de indemnização pelos danos sofridos pelo veículo automóvel com a matrícula ...-...-..., acrescida dos juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado; A quantia de € 12.500,00 a título de indemnização pelo dano da privação do uso do TI, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da presente sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado.

Absolveu a R. do demais peticionado pelo autor.

Inconformada, a R. recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que julgou a apelação parcialmente procedente e alterou a sentença, em conformidade com a repartição da culpa, condenando a R. a pagar ao A.: A quantia de € 750,00 (50% de € 1.500,00) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da decisão até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado; A quantia de € 4.141,08 (50% de € 8.282,17), a título de indemnização pelos danos sofridos pelo veículo automóvel com a matrícula ...-...-..., acrescida dos juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado; A quantia de € 3.690,00 (50% de € 7.380,00), a título de indemnização pelo dano da privação do uso do TI, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da presente sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado.

Irresignados, tanto o A. como a R. pedem revista.

A R. formulou as seguintes conclusões: É certo que o condutor do TI realizou uma manobra de mudança de direcção à esquerda. Assim, para a realização dessa manobra, teria esse condutor que sinalizar previamente a referida manobra, aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível do eixo da faixa de rodagem e só efectuar a manobra depois de verificar que dessa manobra não surgia nenhum embaraço para o trânsito; Entendemos assim que, à falta de prova efectiva desta matéria de facto, sempre se terá de concluir que o condutor do TI não respeitou as normas legais e os deveres de cuidado subjacentes à execução daquela manobra; Efectivamente, apenas se provou que o TI seguia lentamente numa fila de trânsito, de trânsito lento com paragens momentâneas, e que pretendia virar à esquerda para a Rua ...., ocupando parcialmente o corredor de circulação da esquerda e, nesse momento, é em batido pela viatura com a matricula ...-...-...; Não se provou nem que o condutor do TI tenha aproximado o veículo do eixo da faixa de rodagem, nem que o mesmo tenha...

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