Acórdão nº 1172/06.6TTCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | SOUSA PEIXOTO |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : 1. Não constitui justa causa de despedimento a conduta do trabalhador que se traduziu em ter retirado da caixa do empregador a quantia de € 2.000,00, em troca de um cheque de igual montante, como era habitual fazer-se na empresa, apesar de, por lapso, ter depositado o cheque na sua conta pessoal e não na conta do empregador, como era sua intenção, lapso esse que espontaneamente corrigiu três dias depois, através de uma transferência bancária da sua conta para a do empregador.
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O atraso na entrega dos talões comprovativos do depósito e da transferência bancária não assume gravidade suficiente para justificar o despedimento.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Na presente acção, proposta no Tribunal do Trabalho de Coimbra por AA contra o Centro Social de T... do M...
, a autora pediu que o despedimento de que foi alvo por parte do réu fosse declarado ilícito, por falta de justa causa, e que o réu fosse condenado a indemnizá-la por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados, bem como a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora, e ainda a quantia de € 330,00, a título de trabalho suplementar.
Na contestação, o réu reconheceu que a autora era credora da quantia de € 219,00, a título de trabalho suplementar, e sustentou a licitude do despedimento.
Realizado o julgamento, sem gravação da prova, foi proferida sentença que, reconhecendo a ilicitude do despedimento, condenou o réu: i) a indemnizar a autora por todos os danos não patrimoniais causados pelo despedimento, em montante a liquidar em execução de sentença; ii) a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria profissional; iii) a pagar à autora as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, caso tais montantes não tenham sido entretanto já pagos, em cumprimento do decidido nas providências cautelares; iv) a pagar à autora a quantia de € 219,15 a título de trabalho suplementar, acrescida de juros de mora, à taxa legal.
O réu apelou da sentença, mas o recurso não obteve êxito, dado que o Tribunal da Relação de Coimbra manteve a decisão da 1.ª instância.
Mantendo o seu inconformismo, o réu interpôs recurso de revista, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
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O primacial conceito que se encontra em discussão é o de justa causa de despedimento, i.e., se o comportamento da trabalhadora é susceptível de integrar o âmbito de previsão do artigo 396.º do CT.
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As várias alíneas do seu n.º 3 deverão ser concretizadas face ao estatuído no n.º 1 de molde a que se afira da inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, cominando com a sanção do despedimento aquelas situações que, por razões imputáveis ao trabalhador, se degradam de tal modo que não poderão ser mantidas.
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Assim, quanto à alínea a) "desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores", temos que incumbe ao trabalhador cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, desde que, naturalmente, se não mostrem contrários aos seus direitos e garantias (artigo 121.º 1 d) do CT).
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A Autora violou este dever legalmente consagrado, desobedecendo de forma ilegítima a reiteradas ordens emanadas pela Direcção do Centro Social, dado que inexistia qualquer fundamento em que a trabalhadora pudesse ancorar a sua recusa, revelando-se os documentos imprescindíveis para a descoberta da verdade material.
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O facto de a Autora ter apresentado junto da instituição bancária um pedido de cópia do talão comprovativo do depósito do supra aludido cheque na sua conta pessoal, bem como da transferência bancária a favor do CSTM (pontos 22, 23 e 41 dos factos provados), não prova que esses documentos não se encontravam na disponibilidade imediata da trabalhadora, visto que F) Quando um cliente efectua um depósito e/ou uma transferência é sempre emitido em duplicado um talão comprovativo dessa mesma operação destinando-se um ao banco e outro ao respectivo cliente, pelo que o pedido dirigido ao banco constituiu um expediente dilatório.
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Entendeu o tribunal que "a autora não exteriorizou a intenção de incumprir"; porém, a violação dos deveres legais poderá operar-se não só por acção, mas também por omissão e, no caso em apreço, houve um comportamento reiteradamente omissivo.
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No que respeita à alínea e) "lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa", diga-se que esta norma consagra aqueles casos em que a decisão do despedimento se justifica pela gravidade de um comportamento culposo do qual brote a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho.
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Ora, esta impossibilidade verifica-se quando ocorre uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito daquela a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta deste último.
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Entendendo o douto tribunal que somente constitui justa causa de despedimento a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa, em situações do jaez da presente jamais se verificaria essa lesão, precludindo-se a possibilidade de despedimento lícito (ainda que, por exemplo, um trabalhador retirasse € 10,00 numa semana, € 20,00 noutra e assim por diante).
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Não se revela necessária a ocorrência de danos patrimoniais para que se verifique a aludida justa causa, atendendo a que as consequências dos actos praticados pela trabalhadora, que impossibilitam a manutenção da relação laboral, consubstanciam-se na quebra de confiança.
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O artigo 396.º, n.º 3, alínea e) do CT abrange os casos, como o presente, em que a infidelidade patrimonial se reconduz a uma lesão patrimonial de valor diminuto ou onde nem se apura em concreto qualquer prejuízo patrimonial.
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Revela-se insustentável a permanência da trabalhadora ao serviço da recorrente, dado que não logrará a Direcção do Centro Social atribuir-lhe uma qualquer tarefa – designadamente no âmbito da sua categoria profissional (Chefe de Serviços) – sem que, de imediato, se gere um clima de desconfiança quanto à forma como a mesma será desempenhada e quanto à probidade da sua conduta.
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Foram, assim, violados o n.º 1 do artigo 396.º do CT, bem como as alíneas a) e e) do n.º 3 do mesmo normativo, além da alínea d)...
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