Acórdão nº 296/05.1.TBVGS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : 1-A desconformidade entre a percepção do sujeito e a realidade, que caracteriza o erro, tanto pode ter a ver com o quid sobre o qual incide o negócio, como sobre o seu conteúdo, isto é sobre o seu regime jurídico (Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2003, 2a edição, Almedina, pg 493).

2-Esta questão tem a sua regulação normativa no art° 251° do Código Civil, onde se dispõe: «O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratório ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do art.º 247º».

Remete, portanto, a lei para o regime do erro na declaração, o tratamento jurídico do erro-motivo.

3-Por sua vez, o art° 247° para o qual o preceito transcrito remete, estatui que: «Quando em virtude de erro, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro».

4-0 erro-motivo (Motivirrtum na terminologia civilista germânica) ou erro-vício não supõe desconformidade entre a vontade real e vontade declarada. O que acontece é que a vontade real formou-se em consequência de um erro sofrido pelo declarante e que, como se ponderou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Janeiro de 1972, se não existisse tal erro, a pessoa não teria pretendido realizar o negócio ou, pelo menos, não nos termos em que o efectuou (BMJ, 213°, 188).

Decisão Texto Integral: Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA e mulher BB e CC, com a adesão dos intervenientes principais DD e mulher EE, propuseram contra a sociedade “R... C..., SA” acção com forma de processo ordinário tendente à execução específica de um contrato-promessa de compra e venda e ao pagamento da parte do preço em falta, no valor de € 114.664,00 e juros vencidos, na importância de € 9.945,92, e vincendos, e indemnização suplementar emergente de mora, calculada à razão de € 15.000,00 por ano e, ainda, aplicação da cláusula pecuniária compulsória à razão diária de € 250,00 acrescida de juros de 5% ao ano.

Alegaram, para tanto, em resumo, que na qualidade de promitentes-vendedores de 5 prédios rústicos, em 10 de Dezembro de 2002 outorgaram com a Ré, enquanto promitente-compradora, contrato-promessa de compra e venda desses prédios, pelo preço de € 140.000,00, de que foi paga como sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 25.336,00, ficando o remanescente para ser pago no acto de celebração da escritura pública de compra e venda, a ser marcada pela Ré até 31 de Março de 2003, o que até hoje não fez, não obstante interpelações várias dos AA., sendo que desde aquela data a Ré tem estado na posse dos prédios, na sequência do que fez inicialmente prospecções de areias em vários locais, prédios que depois foram deixados em estado de abandono com as escavações abertas e havendo eucaliptos em crescimento, que entretanto arderam.

A Ré contestou, fundamentalmente alegando ter celebrado o contrato-promessa de compra e venda dos prédios dos AA. com o objectivo de deles extrair areia e saibro para aplicar na obra do IC1 – troço Mira-Vagos e Vagos-Aveiro e após garantia dos AA. de que os mesmos eram férteis em tal tipo de inertes, e que, feitas as primeiras averiguações, a Ré constatou que tais terrenos não eram arenosos nem saibrosos, imediatamente comunicando aos AA. o erro sobre as características de tais prédios que, por isso, deixaram de lhe interessar.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção improcedentes por não provadas e em consequência absolvidos, a Ré e os Autores, dos pedidos formulados, tendo ainda condenado os Autores como litigantes de má fé na multa de 10 UCs e em igual valor de indemnização a favor da Ré.

Inconformados, interpuseram os Autores recurso de Apelação da referida sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou parcialmente procedente a Apelação, em função do que, manteve a sentença recorrida na parte em que havia julgado improcedente a acção e revogado a mesma na parte em que havia condenado os Autores como litigantes de má fé.

Novamente inconformados, os Autores vieram interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES: 1. Os Recorrentes apelaram para o Tribunal da Relação pugnando pela concretização plena e efectiva justiça que lhes foi negada na Primeira Instância.

2. Pese embora o Tribunal da Relação de Coimbra, tenha decidido a nosso ver e muito bem quanto à questão da injusta condenação dos AA. como litigantes de má fé, revogando-a., já quanto à questão controvertida relacionada com o contrato promessa manteve a posição já assumida pela Primeira Instância, absolvendo a agora Recorrida, dos pedidos. Ao decidir desta forma, com o devida vénia, não esteve bem, pelo que os Recorrentes não se conformam com a dimensão da decisão relativa ao alegado erro vício..

3. Neste sentido, duas questões são fundamentais para a boa decisão da causa, quanto ao contrato em apreço, nomeadamente 4. Quanto à primeira, relacionada com a Vontade Real , refere o douto Acórdão que: a “Possibilidade, ou, não, de atender à vontade real dos intervenientes do contrato-promessa quanto à finalidade a que a Ré destinava os prédios rústicos objecto desse contrato (extracção de areia e saibro para a as Obras do IC1 que lhe haviam sido adjudicadas), finalidade essa completamente omissa no texto do documento;” ( sublinhado e bold aposto pelos Recorrentes) 5. Nesta conformidade, e sempre com o devido respeito, não se compreende como pode o douto Acórdão afirmar que a finalidade do contrato promessa era completamente omissa no texto do documento, quando é certo e cristalino que, a finalidade do contrato era pura e simplesmente a compra e venda dos cinco imóveis rústicos, tendo a Recorrida tecido e urdido um muito criativo manto de dúvidas incompreensíveis e muito tardias porque só foram ensaiadas aquando da elaboração e apresentação da contestação, quanto à vontade real das partes na celebração do negócio? 6. O Tribunal da Relação de Coimbra exarou no Acórdão recorrido, que :“ (…) comprovada a vontade real concordante das partes quanto ao móbil da celebração do contra-promessa, ou seja extracção dos prédios em causa de areia e saibro (…), após informação dos AA. de que tais prédios eram férteis nesse tipo de inertes, circunstância essa essencial para contratar (…).” 7. Perante esta hipótese, importa questionar: se no entender da Primeira Instância e da Relação, essa circunstância fosse essencial para contratar, porque estranho e incompreensível desígnio é que a Recorrida não incluiu uma cláusula nesse mesmo sentido, tanto mais que foi ela a autora exclusiva da redacção do contrato promessa destes autos)? 8. Note-se que, relativamente aos dezoito contratos de compra e venda do direito de extracção de saibros de que juntou cópia, a Recorrida, não hesitou em expressar tal vontade de forma clara e inequívoca! 9. Ora se no contrato dos autos (que é de promessa de compra e venda de 5 terrenos rústicos e não é nenhum contrato de compra e venda do direito à extracção de saibros) a Recorrida nada disse, mais do que presumir é afirmar pura e simplesmente e de forma categórica, que a Recorrida queria todas e quaisquer faculdades, utilidades e rendimentos de que os tais cinco prédios são capazes de proporcionar ao respectivo proprietário! A não se entender assim, qualquer promitente comprador poderia a todo o momento vir dizer que não queria cumprir o contrato promessa de compra e venda de terrenos, porque os mesmos não tinham, platina, ouro, petróleo ou diamantes, etc., ou que não lhe estimulava a criatividade, etc.. e o comércio jurídico seria um caos à mercê de qualquer ensaio de esperteza.

10. É que, in casu, a Recorrida limitou-se apenas a pensar, redigir e apresentar aos ora Recorrentes um contrato promessa de compra e venda de 5 terrenos rústicos, devidamente por ela clausulado e assinado, onde alegadamente teria omitido de caso pensado a referida mas não idoneamente demonstrada intenção de extracção de areia/saibros. Então uma entidade experiente como a Recorrida inequivocamente é, se fosse séria a alegação de tal intenção, não deveria ter feito todos os exames e análises necessárias aos cinco terrenos se fosse essa a sua circunstância essencial para contratar? 11. È nosso entender, que o Tribunal perante alegações de factos que nem sequer revelam o mínimo esboço no teor do contrato dos autos e que só por perícia poderiam ser provados, contentou-se apenas com a prova testemunhal feita por empregados (obviamente comprometidos, em cooperação e exclusividade financeira) da Recorrida! E tudo isto – repete-se -, sem que do texto do contrato...

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