Acórdão nº 1082/04.1TBVFX.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A responsabilidade da BRISA por danos sofridos pelos utentes das auto-estradas de que esta é concessionária situa-se no campo da responsabilidade extracontratual.

  1. Devendo considerar-se a auto-estrada uma coisa imóvel, sobre a qual – com todo o contexto envolvente, os acessórios de que a concessionária é detentora, integrando vedações, estruturas para a cobrança das portagens, placas de sinalização, separadores de sentido de trânsito, sinalização de emergência, etc. – detém um poder de facto, com o dever de a vigiar, a BRISA responde por culpa presumida, nos termos do n.º 1 do art. 493º do Cód. Civil.

  2. Ponto é que se possa afirmar a existência de um nexo de causalidade entre a coisa, a auto-estrada, e o dano, sendo, pois, necessária a constatação de um defeito, de uma anomalia ou anormalidade no seu funcionamento, v.g.

    , um defeito de construção, de manutenção, de sinalização ou de iluminação. A existência de um destes vícios objectivos faz presumir não só a culpa da concessionária como também a ilicitude (violação de um dever), já que estamos perante deveres de agir para evitar danos para terceiros e, portanto, perante delitos de omissão, sendo que a violação do dever é aqui elemento da ilicitude.

  3. Ao lesado caberá provar, num plano puramente objectivo, a existência do vício e o nexo de causalidade entre este e o dano.

  4. O art. 12º, n.º 1 da Lei 24/2007, de 18 de Julho – que faz recair sobre a concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança nas auto-estradas, em caso de acidente rodoviário – tendo natureza interpretativa, não veio dirimir a querela sobre a natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade civil, não podendo ver-se em tal norma a clarificação como contratual da natureza dessa responsabilidade.

  5. A formação de um lençol de água no pavimento da auto-estrada, em condições de fazer com que os veículos entrem em hidroplanagem por falta de aderência dos pneumáticos, constitui um evento que obriga a concessionária a tomar as medidas necessárias para evitar a causação de danos aos condutores, designadamente pela sinalização adequada do local.

  6. O ónus da prova da formação de um lençol de água, em condições de provocar a entrada em hidroplanagem do veículo sinistrado e o consequente despiste para fora da via – matéria cuja objectiva demonstração era, no caso concreto, necessária para que pudesse presumir-se quer a violação, pela BRISA, do dever de assegurar a circulação em condições de segurança, quer a culpa na violação desse dever – impendia sobre os lesados, os autores. Não provada, por estes, a anomalia, nem, consequentemente, o nexo de causalidade entre esta e o dano, não chega a colocar-se a questão da ilicitude da conduta da ré nem a sua culpa na produção dos danos verificados.

  7. Para haver obrigação de indemnizar, nos termos do art. 483º do CC, exige-se, além do mais, a prática de um acto ilícito ou antijurídico, que se revela ou através da violação de um direito de outrem ou através da violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.

  8. Neste segundo tipo de ilicitude, para que o lesado tenha direito à indemnização, é necessária a verificação de três requisitos: a) que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal, ou seja, a não adopção de um comportamento definido em termos preciso pela norma; b) que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada; c) que o dano se tenha registado no âmbito do círculo de interesses privados que a lei visa proteger.

  9. As Bases XXXVI, n.º 3 e XXXVII, n.º 1 do anexo ao Dec-lei 294/97, de 24 de Outubro (diploma que estatui sobre as bases da concessão), impõem à BRISA deveres que obrigam à implementação dos mecanismos necessários para garantir a monitorização do trânsito, a detecção de acidentes e a consequente informação de alerta aos utentes, bem como a assegurar-lhes a assistência, incluindo a vigilância das condições de circulação, visando assegurar a satisfação cabal e permanente, pelas auto-estradas. do fim a que se destinam, permitindo aos que as usam (aos utentes) a circulação em boas condições de segurança e de comodidade.

  10. São, pois, os utentes das auto-estradas, os titulares dos interesses que estas normas visam proteger.

  11. No caso em apreço, os autores não pertencem ao círculo de pessoas titulares do interesse cuja protecção as citadas normas visam assegurar; as normas de conduta em causa, que a BRISA está obrigada a respeitar, não têm como finalidade a protecção do bem lesado. O dano não patrimonial dos autores, traduzido no sofrimento e angústia por eles suportados durante cinco dias, até ao aparecimento dos corpos dos progenitores, e decorrente de não saberem estes vivos ou mortos, admitindo a existência de rapto e sequestro ou homicídio de que tivessem sido vítimas, não se efectivou no próprio bem jurídico ou interesse privado tutelado pelas normas constantes das aludidas Bases.

  12. Não pode, assim, haver-se por verificado, na conduta da BRISA, o requisito da ilicitude, inexistindo, por isso, obrigação de indemnizar o referido dano não patrimonial.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

    AA, BB e CC intentaram, em 02.03.2004, no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Vila Franca de Xira, contra BRISA – Auto Estradas de Portugal, S.A., acção com processo ordinário, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 251.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

    Como fundamento alegam, em síntese, o seguinte: No dia 09.03.2001, entre as 18.30 e as 19.30 horas, na A1 (Auto Estrada do Norte), ao Km 25, ocorreu um acidente de viação, traduzido em despiste, para fora da via, do veículo Mercedes de matrícula ...-...-IB, que era conduzido, no sentido Sul-Norte, pelo pai dos autores, DD, e no qual seguia também a mãe dos mesmos, esposa do condutor, EE.

    O local do acidente é considerado um dos “pontos negros” das nossas estradas, em consequência da acumulação da água no pavimento, que faz com que os veículos entrem em hidroplanagem por falta de aderência dos pneumáticos, sendo vulgar que, tal acontecendo, se despistem veículos das marcas BMW e Mercedes, dado que dispõem de tracção traseira.

    A ré não tinha desenvolvido, à data, nos locais mais sujeitos à verificação de situações de hidroplanagem – designadamente naquele Km 25 – todos os necessários esforços para obviar a tal problema, nem procedera a sinalização temporária de “perigos vários” ou “pavimento escorregadio” quando tal situação se verificara.

    No momento do acidente chovia intensamente e o veículo ter-se-á despistado em consequência de uma situação de hidroplanagem, tendo levantado voo, descontrolado, embatido no “rail” de protecção à direita da via, e derrubado, com a parte traseira, o sinal de “Área de Serviço de Aveiras – 20 Km” aí existente, do lado de fora do rail, acabando por se imobilizar numa fossa ou caixa de águas, ao fundo de um declive, e vindo, em consequência, a ocorrer o falecimento dos pais dos autores.

    No dia do acidente o autor BB aguardava os pais, num restaurante perto de Pombal, para jantarem, e, estranhando a demora destes, tentou contactá-los por telemóvel, sem obter resposta, pelo que alertou para o atraso e a falta de contacto o irmão AA, tendo ambos feito diligências várias para averiguar da ocorrência de acidente ou avaria, entre elas o contacto com a ré, que respondeu negativamente, tal como as demais entidades contactadas.

    Cada vez mais preocupados – e depois de o AA, já noite fechada, haver feito, a velocidade reduzida, o percurso que os pais fariam até ao restaurante, tentando aperceber-se de eventuais vestígios de acidente, e terem resultado infrutíferos os contactos feitos para hospitais, forças policiais, bombeiros e INEM – resolveram, na madrugada do dia 10, dar conta do desaparecimento dos pais e do veículo na GNR de Pombal, e fizeram o mesmo, mais tarde, na Polícia Judiciária, admitindo a hipótese de rapto ou de homicídio.

    O desespero dos autores – agora já com a presença física da autora CC, que se deslocou propositadamente de Itália, onde residia – agravou-se nos dias seguintes, até que no 5º dia, já depois de à notícia do desaparecimento ter sido dado larga difusão pela comunicação social, foram informados de que uma equipa de reparação ao serviço da ré havia descoberto, no local supra indicado, o veículo, meio submerso, dentro dele se achando, sem vida, os pais dos autores.

    Para além do intenso sofrimento sentido, sentem-se os autores revoltados perante a conduta da ré que, não obstante os seus insistentes pedidos para averiguar devidamente os factos para os quais foi sucessivamente alertada, se limitou a uma abordagem ténue e superficial do assunto, não fazendo as necessárias pesquisas a partir dos vestígios existentes – amolgamento do rail e derrube completo do sinal de simples indicação referido – e não respeitando as obrigações que lhe são impostas por lei, decorrentes da exploração que lhe foi concedida, assim mantendo, por sua incúria, falta de cuidado e irresponsabilidade, os autores, durante cinco dias, no completo desconhecimento do que acontecera com seus Pais.

    Está assim a ré – rematam os autores – constituída na obrigação de os indemnizar pela lesão do direito à vida de seus Pais, dano que computam em € 50.000,00 por cada um deles, e ainda pelos danos não patrimoniais sofridos pelos próprios demandantes, que entendem dever ser indemnizados com o montante de € 50.000,00 para cada um, sendo ainda devida aos autores BB e AA a quantia de € 1.000,00 pelas despesas telefónicas e de deslocações que fizeram durante os cinco dias até à descoberta do veículo acidentado e dos corpos das vítimas.

    A ré, na sua contestação, deduziu a intervenção principal de COMPANHIA DE SEGUROS F...- M..., S.A., alegando a existência de um contrato de seguro de responsabilidade civil...

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