Acórdão nº 1124/05.3TBLGS.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ROCHA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA Sumário : 1. O Acórdão do TC nº 23/06, de 10.01, declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do nº1 do art. 1817º do C. Civil, reconhecendo que o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão do “direito fundamental à identidade pessoal”.

  1. Tratando-se de estabelecer a paternidade, invoca-se o direito à identidade, na vertente de se saber de onde se vem, ou de quem se vem, dos arts. 25º, nº1 e 26º, nº1, da Constituição, que não seria devidamente acautelado, se a acção que o concretiza estivesse sujeita ao dito prazo de caducidade.

  2. Esta doutrina é aplicável às acções de impugnação da paternidade.

  3. Deste modo, o prazo previsto no art. 1842º, nº1, alínea a), do C. Civil, mesmo na actual redacção (Lei nº 14/2009, de 1 de Abril), na medida em que é limitador da possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade, é inconstitucional.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

    AA intentou a presente acção de impugnação de paternidade, na forma de processo ordinário, contra BB e CC, pedindo que se declare que este último não é seu filho, para tanto, alegando factos, que, em seu entender, conduzem à procedência do pedido.

    Na contestação, os réus invocaram, além do mais, a caducidade do direito do autor, excepção que, na 1ª instância, foi julgada procedente.

    Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação de Évora, que julgou a apelação procedente e, em conformidade, declarou que o autor não é pai do réu CC, com as inerentes rectificações no registo de nascimento deste.

    Irresignados, os réus pedem revista.

    Concluíram a alegação do recurso pela seguinte forma: A norma constante na al. a) do nº1 do art. 1842° do Código Civil, ao atribuir ao marido da mãe o direito de impugnar a paternidade presumida no prazo de 2 anos, contados do conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade, garante, em termos efectivos e adequados, o direito ao estabelecimento da verdade biológica, traduzindo uma adequada ponderação entre o interesse do impugnante em destruir uma paternidade presumida, que considera sem base biológica e os interesses do filho - afectado por tal acção negatória da paternidade, em que figura como réu - e da estabilidade e protecção da família conjugal; Não pode inferir-se da Constituição que o único modelo, constitucionalmente admissível, em sede de acções de estabelecimento ou de impugnação da paternidade, seja o da absoluta imprescritibilidade de todas elas, incluindo acções negatórias, que extinguem a própria relação jurídica; A questão colocada no presente recurso é, assim, a de saber se caduca ou não o direito de acção por parte do progenitor constante do registo de nascimento pelo decurso do prazo previsto no art. 1842º, nº1, al. a), do Código Civil, quando se encontre provado cientificamente que o recorrente não é descendente do recorrido; Nos autos encontra-se já reconhecido pela 1ª instância e confirmado pelo tribunal a quo que o recorrido intentou a acção para além do prazo estabelecido no art. 1842°, nº1, al. a), do Código Civil, e de que nenhuma prova efectuou de ter instaurado a acção dentro daquele prazo, antes pelo contrário; O acórdão recorrido considerou, no essencial, que o confronto entre os direitos constitucionais ao conhecimento da identidade dos progenitores por parte do filho e o do impugnante, pai presumido, no sentido de conformar a sua esfera jurídica-pessoal, seja mais aparente do que real, pelo que o prazo de caducidade constante no disposto no art. 1842º, nº1, al. a), do Código Civil, é inconstitucional; O acórdão recorrido considerou que, quando se está em frente da verdade biológica, não interessam as limitações temporais que a lei imponha para o exercício do direito de acção nos termos do citado preceito legal, por tal ofender os direitos constitucionais ao desenvolvimento da personalidade, ou seja, o direito à sua historicidade pessoal; A jurisprudência dos acórdãos nºs 486/04, 413/89, 451/89, 311/95 e 506/99 do Tribunal Constitucional é uniforme no sentido de considerar que, de principio, não é contrária à Constituição a existência de prazos para o exercício do direito de acção das acções de estado (investigação da paternidade, impugnação da paternidade, etc.); No caso dos presentes autos, o recorrido tinha, até à sua morte e desde o nascimento do recorrente, o direito de impugnar a paternidade deste, desde que o fizesse no prazo de 2 anos a contar da data em que teve conhecimento das circunstâncias de que podia concluir a sua não paternidade; Foi este prazo amplo que o acórdão recorrido julgou inconstitucional, defendendo que, quando se encontre cientificamente comprovada a não descendência, não relevam os prazos que a lei imponha para o exercício do direito de acção constante no art. 1842°, nº1, al. a), do Código Civil, por tal ofender o direito constitucional ao desenvolvimento da personalidade, ou seja, o direito à sua historicidade pessoal, consagrado nos arts. 25º, 26º, nº 2 e 18°, da CRP; O acórdão recorrido acaba por dar uma importância extraordinária aos exames de ADN e, assim, ao quase desaparecimento do argumento do envelhecimento da prova, acabando por esquecer os outros dois argumentos (a segurança jurídica e a instrumentalização da acção), ou subalternizando-os de tal forma que os toma absolutamente irrelevantes; No caso dos autos, trata-se da impugnação de uma paternidade já estabelecida; encontrando-se a maternidade e a paternidade já estabelecidas, a relevância da prova pericial (ADN), em confronto com as outras duas razões, não assume uma importância de tal modo vital como lhe atribui o acórdão recorrido. Isto porque o interesse de estabelecer uma filiação biológica (no caso da investigação da paternidade) não é tão forte como o de substituir uma filiação social (no caso da impugnação da paternidade já estabelecida); No plano da realidade e no plano jurídico, a filiação social, a família social...

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