Acórdão nº 63/2001.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | SERRA BAPTISTA |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA Sumário : 1. A procuração é um negócio unilateral, que tem como conteúdo típico a outorga de poderes de representação para a execução da relação subjacente e para a execução de uma função dela decorrente. Encontrando-se sempre ligada a uma relação subjacente que constitui a sua causa.
Assim sucedendo memo que a procuração tenha sido outorgada também no interesse do procurador, o qual tem, de igual modo, objectivamente que resultar da relação subjacente.
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Como declaração negocial que é a procuração, tem a mesma que ser interpretada de acordo com as regras contidas nos arts 236.º e 238.º do CC, que estabelecem critérios para a fixação do alcance ou sentido juridicamente decidido da declaração negocial e consagram, embora de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário.
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Prevalecendo, em regra, na interpretação dos negócios jurídicos, a vontade real do declarante sempre que for conhecida do destinatário.
Faltando tal conhecimento, valerá o sentido que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
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Havendo, neste domínio da interpretação, que se recorrer, para a fixação do sentido da declaração, à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a celebração daquele ou são suas contemporâneas, à finalidade prática visada pelas partes, ao próprio tipo negocial.
Sendo, assim, admissível o recurso a elementos exteriores ao contexto do documento.
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Constitui jurisprudência corrente deste Supremo que a interpretação das declarações negociais constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, cabendo a este mesmo Tribunal exercer censura sobre o resultado interpretativo quando, tratando-se da situação prevista no art. 236.º, nº 1 do CC, tal resultado não coincida com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pudesse deduzir do comportamento do declarante, ou, tratando-se de situações contempladas no art. 238.º, nº 1 do citado CC, não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expressa.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB e CC, SA, pedindo que: a) se declare nula e de nenhum efeito a escritura de compra e venda celebrada entre os réus e melhor referenciada na p. i.; b) seja cancelado o registo feito na CRP de Vila Nova de Foz Côa a favor da ré e respeitante ao prédio identificado na p. i.; c) seja o memo prédio restituído ao acervo hereditário de DD, para posterior partilha pelos interessados; d) seja reconhecida ao A., em nome próprio, a propriedade de 1/35 do referido imóvel.
Alegando, para tanto, e em suma: Conjuntamente com outros interessados, seus irmãos, que melhor identifica, sucedeu a DD, tendo tido conhecimento que o prédio rústico, que também melhor descreve na sua p. i., foi vendido pelo primeiro réu à segunda ré, sem que o primeiro poderes bastantes para tal acto tivesse.
A venda é, pois, nula.
Mas também o prédio pertence em compropriedade, na proporção de 1/35, ao A., tendo o mesmo composse, há mais de 20 anos sobre o imóvel, de forma pública, pacífica, contínua e de boa fé.
Apenas pertencendo ao falecido DD 6/7 de tal prédio.
Nunca podendo, pois, ser vendida a totalidade do mesmo.
Citados os réus, vieram contestar.
Alegando a ré CC, em síntese: A petição inicial é inepta.
Há ilegitimidade activa e passiva.
A compra e venda realizada manteve-se dentro dos poderes de representação que o réu BB possuía.
Alegando, por seu turno, também em síntese este mesmo réu: O prédio vendido estava registado em nome do DD.
A procuração por este outorgada conferia ao ora réu poderes bastantes para a venda efectuada.
O A. é parte ilegítima.
Respondeu o A. às excepções, pugnando pela sua improcedência Por despacho de fls 186 foi o A. convidado a praticar os actos necessários à regularização subjectiva da instância, bem como a suprir a deficiente concretização da matéria de facto da p. i.
Vieram, entretanto, os demais sucessores do falecido DD, requerer a sua intervenção na acção, fazendo seus os articulados do autor.
Por despacho de fls 227 foi admitida a requerida intervenção processual.
Foi junta nova p. i.
Foi proferido despacho saneador, tendo, alem do mais, sido julgada improcedente a ineptidão da p. i., bem como tidas as partes como legítimas.
Foram fixados os factos dados por assentes e organizada a base instrutória.
Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 594 a 599 consta.
Foi proferida a sentença, na qual, e na parcial procedência da acção, foi: 1 – declarada a ineficácia da compra e venda celebrada por escritura pública de 3 de Abril de 2000, no 2º Cartório Notarial de Torres Vedras, em que foram intervenientes, como vendedor, o réu BB, na qualidade de procurador de DD, e como compradora a ré CC, SA, relativa ao prédio rústico melhor identificado, em relação ao A. AA e intervenientes EE, GG, HH, II, JJ e KK; 2 – determinada a restituição do imóvel ao acervo da herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de DD; 3 – ordenado o cancelamento do registo na CRP de Foz Côa a favor da ré CC, SA, efectuado na sequência da referida compra e venda.
Com a absolvição dos réus do pedido efectuado, do reconhecimento ao autor AA, em nome próprio, da propriedade de 1/35 do imóvel.
Inconformados, vieram os réus interpor, sem êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra.
De novo irresignados, vieram os aludidos réus pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - Constitui matéria de direito, sindicável pelo Supremo, verificar se na interpretação da declaração negocial foram ou não observados os preceitos dos arts 236.° e 238.° do CCivil, 2ª - Das modalidades de representação sobressai a representação voluntária que é dominada pela procuração enquanto negócio jurídico unilateral que permite ao representante celebrar, em nome e por conta do representado, actos com terceiros, estabelecendo a lei um conjunto de regras que visam proteger os interesses destes enquanto normas especiais de tutela da confiança, sendo que, no que concerne ao conteúdo, o negócio representativo é do Representante nele se radicando a declaração e vontade negociais.
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- Na interpretação da declaração negocial consagra-se, de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário pelo que prevalecerá, no desconhecimento da vontade real do declarante, que o sentido decisivo da declaração é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real perante o negócio concreto.
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- Na interpretação dos negócios formais é admissível o recurso a elementos exteriores ao contexto do documento, sendo que a vontade real dos declarantes pode ser indagada através de quaisquer meios de prova, não sendo essa circunstância impeditiva da possibilidade do recurso a elementos estranhos ao documento (a letra do negócio, as suas circunstâncias, o tipo negocial, a lei e os usos e costumes por ela recebidos) desde que o resultado tenha no documento o mínimo de correspondência devendo a vontade negocial transparecer, de algum modo, ainda que imperfeitamente, dos termos constantes do próprio documento.
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- O teor dos documentos, designadamente fls. 373 e 375, suportado nos demais que em sede de instrução da causa foram juntos pela ora Recorrente aos autos com o seu requerimento de produção de...
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