Acórdão nº 0719/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório B… SA, com melhor identificação nos autos, vem interpor recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do Acórdão do TCA Sul, de 4.4.09, que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional deduzido pelo ora recorrido, MUNICÍPIO DE ODIVELAS, revogou a decisão do TAF de Lisboa, de 9.6.06, e julgou improcedente a acção administrativa especial por si intentada onde se pedia a anulação do acto de indeferimento do seu pedido de autorização municipal, apresentado nos termos do art. 15º do DL 11/2003, para instalação de uma infra-estrutura de suporte de uma estação de radiocomunicações já instalada, bem como a condenação do réu (ora recorrido) na prática do acto devido consubstanciado na emissão de guias para pagamento das taxas previstas.

Para tanto alegou, concluindo como segue: 1ª O presente recurso de revista fundamenta-se tanto no pressuposto da existência de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, quanto pela evidência de a admissão do presente recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  1. No que se refere à importância fundamental da questão, cumpre assinalar que a certeza quanto ao regime legal aplicável à instalação de antenas é condição de um adequado planeamento da rede dos operadores, ou seja, da decisão quanto ao local para instalar cada uma das antenas, pelo que, por motivos de segurança e estabilidade jurídica, importa tornar firme o entendimento sobre se uma antena de telecomunicações instalada no topo de um edifício já construído e licenciado, consiste ou não numa obra de construção civil, sujeita a todo o bloco normativo aplicável a estas últimas, incluindo o RJUE.

  2. Quanto à necessidade de admissão do recurso para melhor aplicação do Direito, importa notar que de acordo com a doutrina vertida no Acórdão recorrido, a instalação de toda e qualquer infra-estrutura de suporte de estações de radiocomunicações - sem distinção daquelas que se destinam a ser implantadas no solo, daqueloutras que serão instaladas no topo ou nas fachadas de edifícios já construídos e licenciados - envolve a realização de obras de construção civil.

  3. O referido entendimento, propugnado pelo Tribunal a quo, revela-se oposto a orientações jurisprudenciais firmadas pelo Supremo Tribunal Administrativo, pelo que, a proceder, abater-se-á sobre os operadores de telecomunicações uma incerteza intolerável, e manifestamente incompatível com o princípio da segurança jurídica, quanto às normas aplicáveis e a considerar no processo de decisão tendente à instalação de antenas em edifícios preexistentes.

  4. A questão em apreço é susceptível de ser recolocada tanto em litígios pendentes - dado que, sem contar com as acções judiciais propostas pelos restantes operadores de telecomunicações, só a ora Recorrente tem actualmente em curso, relativamente a actos de indeferimento de pedidos de instalação de antenas, e a actos que ordenam a respectiva remoção, diversos processos judiciais, seja em primeira instância, seja em segunda instância -, quanto em litígios futuros, uma vez que, para além da expansão e reforço das redes dos três operadores em actividade, que só por si implicará forçosamente a instalação de novas antenas de telecomunicações, importa considerar também a implantação da «Televisão Digital Terrestre», cujo funcionamento assenta igualmente na criação de uma rede de antenas, e que deverá substituir o serviço de televisão analógico, obrigatoriamente, até ao ano 2012.

  5. De acordo com o Acórdão em crise, a instalação da antena dos autos no local em que a mesma se encontra implantada atenta contra o direito à saúde e contra o direito ao ambiente e qualidade de vida, com os quais se devem compatibilizar os direitos de propriedade e de livre iniciativa económica da Recorrente. Contudo, da Matéria de Facto constante do Acórdão da 1ª instância não consta um único facto apto a fundamentar um risco de lesão dos direitos fundamentais dos cidadãos à saúde e ao ambiente e qualidade de vida, pelo que, nesse aspecto, o Acórdão carece em absoluto de motivação de facto, o que o toma nulo à luz do artigo 668°, n.° 1, alínea b), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA.

  6. Pelos mesmos motivos, o Acórdão recorrido incorre em erro de julgamento porque a respectiva decisão está assente em pressupostos de facto que não constam daquela Matéria de Facto.

  7. Segundo a doutrina plasmada no Acórdão recorrido, o artigo 15.° do RMEU regula a protecção dos direitos fundamentais dos Munícipes de Odivelas à saúde e ao ambiente e qualidade de vida face à instalação de infra-estruturas abrangida pelo DL 11/2003. Semelhante entendimento é ilegal, uma vez que à luz do citado diploma é ao ICP-ANACOM, e não aos Municípios - através de regulamentos e/ou de actos administrativos -, nem aos Tribunais, que compete em primeira linha adoptar medidas condicionantes na instalação e funcionamento das infra-estruturas de telecomunicações, bem como aferir o cumprimento dos níveis de referência relativos à exposição da população a campos electromagnéticos - níveis estes que consistem no único critério determinante para a adopção das mencionadas medidas (cfr. art. 11.º do DL 11/2003).

  8. O DL 11/2003 valora a questão da saúde pública, e compatibiliza os direitos fundamentais à livre iniciativa económica e à propriedade privada com os direitos fundamentais à saúde e ao ambiente e qualidade de vida, sem necessidade de regulamentação posterior. Daí que, à luz do artigo 5°, n.° 1, alínea e), os requerentes devam instruir os pedidos de autorização para a instalação de antenas, entre outros elementos, com uma «declaração emitida pelo operador que garanta a conformidade da instalação em causa com os níveis de referência de radiação aplicáveis, de acordo com normativos nacionais ou internacionais em vigor». Ao entender de modo diverso, o Mmo. Tribunal a quo efectuou errada aplicação dos artigos 5°, n.° 1, al. e) e 11°, n.° 4 do DL 11/2003, os quais foram consequentemente violados pelo Acórdão recorrido.

  9. O Tribunal recorrido entende que a instalação de antenas de telecomunicações, quer se processe directamente no solo, quer se localize nas fachadas ou no topo de edifícios preexistentes e já licenciados, envolve sempre a realização de obras de construção civil. Semelhante entendimento viola o disposto no artigo 2.° do RJUE, e é contrário a orientações Jurisprudenciais firmes do Supremo Tribunal Administrativo, segundo as quais «nos casos das edificações que não se destinem à utilização humana, o critério operativo da lei para fixar o âmbito da respectiva incidência objectiva, para distinguir as obras sujeitas a licenciamento daqueloutras que dele estão isentas ou dispensadas (artºs. 4° e 6º) é o da incorporação no solo com carácter de permanência», e «A colocação de uma antena num terraço de um edifício já licenciado, sem criação de qualquer infra-estrutura que lhe sirva de apoio, (...) não constitui uma parte integrante do edifício preexistente, (...) mas antes de uma “estrutura amovível, podendo a qualquer altura proceder a sua alteração para outro lado”» - cfr. v.g. Ac. de 14/12/2004 - proc. n.° 0422/04, Ac. de 6/3/2008 - proc. n.° 0439/07, Ac. de 17/3/2004 - proc. n.° 080/04 e Ac. de 14/4/2005 - proc. n.° 01382/04.

  10. Com base nos assinalados erros de julgamento, o Tribunal a quo, considerando aplicável à pretensão da Recorrente o bloco normativo aplicável às obras de construção civil, indeferiu-a com base no artigo 15.° do RMEU, dispositivo que, encontrando-se previsto num Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização, tem o seu âmbito de aplicação objectivo limitado às verdadeiras operações urbanísticas. Não estando em questão o licenciamento de uma obra, uma vez que a antena dos autos se encontra instalada no terraço de um edifício preexistente, o presente caso, por maioria de razão, não poderia ser subsumido ao artigo 15.° do RMEU, pois não se encontra preenchida a respectiva previsão. Deste modo, ao considerar aplicável o artigo 15.º do RMEU, o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, por violação daquele artigo regulamentar.

  11. O n.° 2 do artigo 15.° do RMEU de Odivelas contém uma norma de uso e ocupação do solo, elaborada sem a necessária habilitação legal para o efeito (que não pode ser encontrada no artigo 3.° do RJUE, estando aquele tipo de normas reservado por lei aos instrumentos de gestão territorial, nos termos do Decreto-Lei n.° 380/99, de 22 de Setembro), devendo notar-se, a este propósito, que com base nesse mesmo fundamento o TAF de Lisboa já por duas vezes a desaplicou declarando a sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto, sendo que o TCA Norte decidiu em mais do que um caso de modo semelhante face a norma regulamentar de idêntico teor.

  12. Acresce notar, de um lado, que a norma regulamentar em causa não se encontra abrangida pelas atribuições dos órgãos municipais, estabelecidas na Lei n.° 159/99, de 14 de Setembro, e de outro lado, que a fixação de um afastamento de 250 metros face a equipamentos públicos é baseada em critérios destituídos de fundamento técnico ou científico, já que todos os estudos até agora efectuados demonstram não existir perigo para a saúde das populações - incluindo idosos, grávidas e crianças - que habitem nas proximidades das estações de base, onde, note-se, os níveis de exposição atingem somente uma pequena fracção dos valores recomendados.

  13. O n.° 2 do artigo 15.° do RMEU é nulo por violação do artigo 9.° do DL 11/2003, pois ao vedar a instalação de antenas de telecomunicações num raio de 250 metros de equipamentos colectivos públicos, inviabiliza o comando daquela norma com força de Lei, segundo a qual, caso não seja possível encontrar uma localização alternativa num raio de 75 metros da localização inicialmente proposta pelo requerente, o presidente da câmara municipal encontra-se vinculado a deferir o pedido de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT